David Warren |
Eram conhecidos como “cães de Deus” – por causa do
trocadilho Domini canes, em latim – os monges de preto que começarem a
deambular pela Europa há oito séculos. Eram mendicantes da Ordem dos
Pregadores, fundada por Domingos de Caleruega, em Espanha, dedicados a uma vida
de pobreza, oração, estudo e ensino; uma guerra contra a ignorância e a
heterodoxia. Propunham-se retomar a tarefa dos Apóstolos.
Na maior parte eram um fenómeno urbano. Embora viessem
dos lugares mais obscuros, o principal enfoque eram as vilas que iam crescendo
à volta das catedrais e a reocupação de lugares antigos que no início do século
XIII estavam abandonados.
Ao longo dos séculos anteriores a Europa ocidental
tinha-se tornado uma paisagem desolada, totalmente descentralizada e sob governo
de mosteiros e castelos, seus abades e senhores, unidos de forma imperfeita pela
religião cristã. Havia pequenas cidades, ou protocidades, em Itália, mas para
lá dos Alpes talvez a maior aglomeração urbana fosse Paris, com uma população
de poucos milhares. Mas tudo isso estava a mudar.
Eram tempos revolucionários, na Igreja e à sua volta.
Através dos tempos ainda reconhecemos os dominicanos e os franciscanos que
surgiram nesse período, rompendo com a tradição monástica do afastamento, mas
foram fundadas muitas outras ordens que hoje não existem.
Até então os monges e as freiras tinham sido
contemplativos, mas também trabalhavam em explorações agrícolas, cujas
inovações ultrapassavam os muros dos conventos e cujos bens viajavam. Mas não
faziam parte de uma economia integrada.
Existiam grandes cidades nos reinos muçulmanos, e mais
longe, que apareciam e desapareciam como cogumelos. Mas a Europa Ocidental
tinha sido um local de silêncio extraordinário, que perdurava. A segurança
alimentar, perante a ameaça dos invasores selvagens, tinha moldado o sistema
feudal clássico, pelo qual os nossos ambientalistas ainda anseiam. Uma vida
dura, ditada pelas estações; pessoas para quem a mudança era sinónimo de destruição.
As artes e as tecnologias tinham de servir um propósito e não eram
“sofisticados” – excepto nos mosteiros, onde a herança dos tempos passados eram
zelosamente guardada.
O próprio São Domingos, nascido numa boa família na
região de Velha Castela, perto da fronteira da Reconquista Cristã, foi treinado
na tradição ermítica agostiniana, que remontava ao Norte de África mas com os
olhos postos numa transformação do século XIII.
Dois livros antigos da minha colecção – “Saint Dominic and His Work”, de Pierre Mandonnet (1944) e “Saint Dominic and His Times”, de M.-H. Vicaire (1964) – fornecem relatos
apaixonantes do seu tempo e da sua missão, que vão para além dos meros factos.
Estes autores apresentam uma amplitude, profundidade e carácter que faltam aos
académicos actuais.
Ao narrar a vida do fundador da sua ordem, estes autores
sentem-se obrigados a descrever a era de transformação que Domingos veio
servir. A famosa batalha contra os hereges albigenses cobre a nossa visão
histórica como um véu. Os esforços heróicos de Domingos e dos seus primeiros
seguidores – que debatiam os hereges no seu próprio terreno, arriscando a
própria vida – é um bom prelúdio para essa história. Mas desde o início que as
intenções eram mais fundamentais.
São Domingos |
Os dominicanos elevaram a fasquia para a seriedade e o
verdadeiro zelo intelectual. Eram obrigados a viver vidas exemplares sob clara
disciplina. Também eram obrigados à busca da verdade e encontramos nos legados
de Alberto Magno, Tomás de Aquino – Margarida da Hungria e Catarina de Sena – uma
paciência destemida que dá corpo ao ideal da ordem. A luz da Fé estava, em todo
o lugar, misturada com a luz da Razão, contra forças que eram potencialmente
muito escuras.
Vemos o mesmo nas nossas universidades actuais, com a
diferença de que agora prevalecem as forças da escuridão. A fé é desprezada e,
como acontecia frequentemente com os primeiros dominicanos, abafada com
palavras de ordem. Os dominicanos persistiram. Em vez de se retirarem quando
confrontados com hostilidade, ouviam e refutavam. Os homens podem ser animais,
sobretudo os mais novos, mas também podem ser chamados à conversão e um dos
dados mais impressionantes do século XIII é a velocidade e a dimensão da
expansão dominicana.
Veio responder a uma fome espiritual. Confrontou a dúvida
apresentada de forma nova e potente, à medida que a Europa começava a recuperar
o ensino pagão através de filósofos árabes e refugiados bizantinos. Tudo o que
havia de bom em Aristóteles e nas ideias antigas era assimilado e cristianizado
pelos dominicanos e outros que vieram inspirar. Eles perceberam que a
“filosofia perene” era, pela sua natureza, compatível com os ensinamentos
cristãos e ajudava-nos a compreendê-los melhor.
A abordagem dominicana era de se porem ao trabalho, uma
força positiva de confronto intelectual. Cristo enviou os seus Apóstolos para a
estrada aberta; não lhes disse que deviam esconder-se e esperar. Tornou-os
professores, até à morte. O mundo precisa de conhecer a boa nova do nosso
Salvador. Precisa de ser salvo, do demónio e de si mesmo. Precisa de saber quem
é o seu Criador. Precisa de testar todas as coisas.
São Domingos era ele mesmo um homem de grande
aprendizagem. O seu caminho não era estreito. Os métodos escolásticos de que os
dominicanos foram pioneiros pegavam nas questões por inteiro e encontravam as
respostas de forma metódica.
Longe de mim rejeitar os Padres do Deserto, ou tudo o que
se seguiu à tradição beneditina; tudo o que alcançaram e preservaram. Uma vez
que, devido ao Rod Dreher, a “Opção Beneditina” voltou a tornar-se uma ideia a debater, deixem-me acrescentar
que aplaudo-a e aceito-a.
Mas eu acrescentaria, em contraste resplandecente, uma
“Opção Dominicana”. Jamais podemos, como cristãos, virar as costas aos nossos
vizinhos nas suas necessidades. E a Verdade é uma coisa necessária. Haverá
sempre obstáculos ao seu ensino; devemos analisá-los e passar adiante.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 31 de Março de
2017 em The Catholic Thing)
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Caro Dr. Filipe Avillez. Continuo a dar graças a Deus pelo trabalho fantástico que nos continua a prestar! O que nos vai propondo é de uma actualidade e qualidade notáveis!
ReplyDeleteObrigado!
P. José Manuel M. Lopes.