Wednesday 5 April 2017

A Opção Dominicana

David Warren
Nota prévia: Recentemente o autor americano Rod Dreher lançou um livro chamado “The Benedict Option” [A opção beneditina] que está a causar alguma discussão no meio cristão conservador nos EUA. Dreher argumenta que tal como São Bento contrariou a cultura da sua época, formando comunidades cristãs sólidas e de certa forma isoladas que depois desempenharam um papel crucial no renascimento da civilização cristã na Europa, hoje os cristãos têm o dever de fazer o mesmo. O livro explora e analisa essa possibilidade. É no contexto dessa discussão que surge este texto de David Warren. Espero que gostem.


Eram conhecidos como “cães de Deus” – por causa do trocadilho Domini canes, em latim – os monges de preto que começarem a deambular pela Europa há oito séculos. Eram mendicantes da Ordem dos Pregadores, fundada por Domingos de Caleruega, em Espanha, dedicados a uma vida de pobreza, oração, estudo e ensino; uma guerra contra a ignorância e a heterodoxia. Propunham-se retomar a tarefa dos Apóstolos.

Na maior parte eram um fenómeno urbano. Embora viessem dos lugares mais obscuros, o principal enfoque eram as vilas que iam crescendo à volta das catedrais e a reocupação de lugares antigos que no início do século XIII estavam abandonados.

Ao longo dos séculos anteriores a Europa ocidental tinha-se tornado uma paisagem desolada, totalmente descentralizada e sob governo de mosteiros e castelos, seus abades e senhores, unidos de forma imperfeita pela religião cristã. Havia pequenas cidades, ou protocidades, em Itália, mas para lá dos Alpes talvez a maior aglomeração urbana fosse Paris, com uma população de poucos milhares. Mas tudo isso estava a mudar.

Eram tempos revolucionários, na Igreja e à sua volta. Através dos tempos ainda reconhecemos os dominicanos e os franciscanos que surgiram nesse período, rompendo com a tradição monástica do afastamento, mas foram fundadas muitas outras ordens que hoje não existem.

Até então os monges e as freiras tinham sido contemplativos, mas também trabalhavam em explorações agrícolas, cujas inovações ultrapassavam os muros dos conventos e cujos bens viajavam. Mas não faziam parte de uma economia integrada.

Existiam grandes cidades nos reinos muçulmanos, e mais longe, que apareciam e desapareciam como cogumelos. Mas a Europa Ocidental tinha sido um local de silêncio extraordinário, que perdurava. A segurança alimentar, perante a ameaça dos invasores selvagens, tinha moldado o sistema feudal clássico, pelo qual os nossos ambientalistas ainda anseiam. Uma vida dura, ditada pelas estações; pessoas para quem a mudança era sinónimo de destruição. As artes e as tecnologias tinham de servir um propósito e não eram “sofisticados” – excepto nos mosteiros, onde a herança dos tempos passados eram zelosamente guardada.

O próprio São Domingos, nascido numa boa família na região de Velha Castela, perto da fronteira da Reconquista Cristã, foi treinado na tradição ermítica agostiniana, que remontava ao Norte de África mas com os olhos postos numa transformação do século XIII.

Dois livros antigos da minha colecção – “Saint Dominic and His Work”, de Pierre Mandonnet (1944) e “Saint Dominic and His Times”, de M.-H. Vicaire (1964) – fornecem relatos apaixonantes do seu tempo e da sua missão, que vão para além dos meros factos. Estes autores apresentam uma amplitude, profundidade e carácter que faltam aos académicos actuais.

Ao narrar a vida do fundador da sua ordem, estes autores sentem-se obrigados a descrever a era de transformação que Domingos veio servir. A famosa batalha contra os hereges albigenses cobre a nossa visão histórica como um véu. Os esforços heróicos de Domingos e dos seus primeiros seguidores – que debatiam os hereges no seu próprio terreno, arriscando a própria vida – é um bom prelúdio para essa história. Mas desde o início que as intenções eram mais fundamentais.

São Domingos
À medida que os jovens migravam para as novas universidades das vilas – que estavam para além do controlo dos seminários das antigas catedrais (Chartres atraía pessoas antes de Paris) – estava a emergir um uma nova ordem intelectual profana. Quando lemos sobre a vida estudantil de Paris no Século XIII damos conta de muitos aspectos que nunca mudaram: Arrogância juvenil e rebelião, bebedeiras e os pedidos constantes de empréstimos estudantis, o quanto os trabalhadores honestos das vilas detestavam e temiam estes jovens estudantes, que viam como delinquentes perigosamente inteligentes.

Os dominicanos elevaram a fasquia para a seriedade e o verdadeiro zelo intelectual. Eram obrigados a viver vidas exemplares sob clara disciplina. Também eram obrigados à busca da verdade e encontramos nos legados de Alberto Magno, Tomás de Aquino – Margarida da Hungria e Catarina de Sena – uma paciência destemida que dá corpo ao ideal da ordem. A luz da Fé estava, em todo o lugar, misturada com a luz da Razão, contra forças que eram potencialmente muito escuras.

Vemos o mesmo nas nossas universidades actuais, com a diferença de que agora prevalecem as forças da escuridão. A fé é desprezada e, como acontecia frequentemente com os primeiros dominicanos, abafada com palavras de ordem. Os dominicanos persistiram. Em vez de se retirarem quando confrontados com hostilidade, ouviam e refutavam. Os homens podem ser animais, sobretudo os mais novos, mas também podem ser chamados à conversão e um dos dados mais impressionantes do século XIII é a velocidade e a dimensão da expansão dominicana.

Veio responder a uma fome espiritual. Confrontou a dúvida apresentada de forma nova e potente, à medida que a Europa começava a recuperar o ensino pagão através de filósofos árabes e refugiados bizantinos. Tudo o que havia de bom em Aristóteles e nas ideias antigas era assimilado e cristianizado pelos dominicanos e outros que vieram inspirar. Eles perceberam que a “filosofia perene” era, pela sua natureza, compatível com os ensinamentos cristãos e ajudava-nos a compreendê-los melhor.

A abordagem dominicana era de se porem ao trabalho, uma força positiva de confronto intelectual. Cristo enviou os seus Apóstolos para a estrada aberta; não lhes disse que deviam esconder-se e esperar. Tornou-os professores, até à morte. O mundo precisa de conhecer a boa nova do nosso Salvador. Precisa de ser salvo, do demónio e de si mesmo. Precisa de saber quem é o seu Criador. Precisa de testar todas as coisas.

São Domingos era ele mesmo um homem de grande aprendizagem. O seu caminho não era estreito. Os métodos escolásticos de que os dominicanos foram pioneiros pegavam nas questões por inteiro e encontravam as respostas de forma metódica.

Longe de mim rejeitar os Padres do Deserto, ou tudo o que se seguiu à tradição beneditina; tudo o que alcançaram e preservaram. Uma vez que, devido ao Rod Dreher, a “Opção Beneditina” voltou a tornar-se uma ideia a debater, deixem-me acrescentar que aplaudo-a e aceito-a.

Mas eu acrescentaria, em contraste resplandecente, uma “Opção Dominicana”. Jamais podemos, como cristãos, virar as costas aos nossos vizinhos nas suas necessidades. E a Verdade é uma coisa necessária. Haverá sempre obstáculos ao seu ensino; devemos analisá-los e passar adiante.


David Warren é o ex-director da revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.

(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 31 de Março de 2017 em The Catholic Thing)

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1 comment:

  1. Caro Dr. Filipe Avillez. Continuo a dar graças a Deus pelo trabalho fantástico que nos continua a prestar! O que nos vai propondo é de uma actualidade e qualidade notáveis!
    Obrigado!
    P. José Manuel M. Lopes.

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