Tuesday 4 April 2017

Eutanásia, timings e democracia

Nos últimos tempos tem-se falado muito de eutanásia e muito mais se irá falar ainda.

Há uma série de coisas que ouvimos dizer repetidamente e que merecem reflexão e comentários.

“Precisamos de um debate sereno e profundo”
Toda a gente gosta de dizer isto, de um lado ou de outro da barricada. Mas permitam-me discordar… Havendo um debate, que seja sereno e profundo. Mas o ideal seria não haver debate nenhum. Esta questão não é sequer “debatível!”

Já escrevi aqui que a Eutanásia baseia-se em premissas absolutamente destrutivas. Nomeadamente na ideia de que a dignidade humana depende da nossa capacidade física e ou mental. Ou sequer que a dignidade depende da nossa vontade! A partir do momento em que aceitamos que a dignidade é algo volátil, algo que vai e vem, ou que pode ser diminuída por factores terceiros ou pela nossa vontade, estamos a dividir a humanidade em pessoas que têm dignidade e outras que não têm. O que se segue nunca é bom.

Por isso não. Precisamos tanto de um debate sereno e profundo sobre isto como eu preciso que alguém discuta profunda e serenamente o gaseamento de ciganos ou o afundamento de barcos cheios de refugiados no Mediterrâneo.

Agora, vai haver debate? Parece que sim, infelizmente. Então que seja sereno? Tudo bem. Mas precisamos disso? Mais rapidamente precisamos de memória histórica e uma chapada na cara para ver se ganhamos juízo…

“Agora não é a altura para discutir a eutanásia”
Esta também se ouve, normalmente dita por pessoas que são contra a eutanásia ou por pessoas que sendo favoráveis, não querem que o debate seja feito agora, talvez, sabe-se lá, porque o Papa visita o país em Maio e não é conveniente recebê-lo com estes projectos em cima da mesa…

Mas o problema desta frase é que dá a entender que existe uma altura em que, aí sim, será perfeitamente adequado discutir a matança de pessoas com a colaboração de pessoal de saúde.

Imaginam alguém na Alemanha nos anos 30 a dizer “Sim, temos de ter um debate sereno sobre o problema judaico, mas a economia está nas lonas e até resolvermos isso não é a altura certa para discutir a solução final.”?

Não. Não é altura para discutir a eutanásia porque nunca é altura para discutir a eutanásia. Tão simples como isso.

O referendo
Deve haver um referendo sobre a eutanásia? Muito bem, eis a minha opinião:

Se o referendo for a única forma de travar a eutanásia, deve haver referendo.

Se o referendo for a única forma de legalizar a eutanásia, não deve haver referendo.

Não é lá muito democrático? Temos pena.

A sacralidade da vida e a dignidade humana não estão ao serviço de instrumentos democráticos, sejam eles quais forem. Lamento, mas não estão.

É perfeitamente evidente que a vida não é referendável. Logo, a ideia de decidir em referendo se a eutanásia deve ser legal é horrenda. Só é aceitável se for como forma de a travar. Não porque a democracia tudo legitima, mas precisamente porque a vida e a dignidade da vida estão na raiz da legitimidade democrática. Mais nada.

E esta regra aplica-se tanto à eutanásia como a outras aberrações como a escravatura e o aborto. Referendos? Façam-nos à vontade! Servem unicamente na medida em que legitimam aquilo que está conforme o direito natural e uma visão digna da humanidade.


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10 comments:

  1. Olá, Filipe d’ Avillez

    3 pontos problemáticos:

    - a eutanásia é a pedido do próprio, o que torna a analogia nazi um pouco forçada e tendenciosa;

    - “direito natural” é uma contradição nos termos;

    - o “não debatível a não ser que conduza à minha proposição” é um princípio ético-político digno de um Trotski na Duma, quando dizia que só aceitavam debater com quem acatava de antemão o programa geral do Partido. Tem pinta, parece que temos a verdade universal para tutti quanti (o tal direito natural, no caso católico) e que a servimos humildemente (é para bem dos outros, mesmo que violemos a sua liberdade) mas não passa de orgulho “tribalista” e hegemónico disfarçado de humanismo (cristão, no seu caso). Ao menos o Trotski não se pretendia democrata liberal…

    É que é precisamente quando formulamos algo que pretendemos universal (mesmo que seja óbvio “para si” ou para o “bom senso”) que se deve aceitar debater, sob o risco de cair sob a alçada de uma ética ou “direito natural” apenas reconhecido por alguns; estes constituiriam assim, por definição, os“humanos”; e aqueles que objectam seriam sub-humanos ou anti-humanos (igualmente por definição: eles mesmos vão na contramão da sua própria natureza, o que é uma observação absolutamente fantástica), e o melhor para estes pobres desgraçados é andarem a mando e não porem objecções às “indebatíveis” proposições éticas que os irão conduzir à sua “verdadeira” natureza, memso que a eles não lhes pareça assim; afinal, as suas objecções derivam não da sua “natureza humana”, mas da “perversão” que a torna “contrária a si mesma”.

    Nada disto me parece muito universal, bem pelo contrário, e nem sequer particularmente ético.

    Cumprimentos,

    alexandre

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    1. Olá Alexandre, obrigado pelo seu comentário.
      Primeiro ponto: A analogia com os nazis nada tem a ver com o ser voluntário ou involuntário (sendo que também não é estritamente verdade que nos países que permitem a eutanásia actualmente esta seja sempre voluntária). Pelo contrário, tem a ver com o facto de em ambas as situações se considerar que existe vida indigna de ser vivida. O termo “Lebensunwertes Leben” (ver link no final do texto) é o mesmo para os nazis que é para os defensores da eutanásia actualmente. Uns aplicavam-no a terceiros, outros, doentes ou não, aplicam-no a si mesmos. Mas o mal é o mesmo, considerar que há vidas dignas e outras indignas.
      Segundo ponto: Peço desculpa, mas é um disparate dizer que direito natural é uma contradição em termos. Dizê-lo é defender o positivismo puro, que só as leis feitas pelos homens é que valem e que têm força moral inabalável, sejam quais forem. Mas isso leva-nos a admitir que a escravatura, num país que o admite legalmente, é aceitável; que a violação, num país que o viesse a legalizar, é aceitável; e por aí fora. Basta que reconheça que uma única dessas coisas, ou outra, é inaceitável sempre, em qualquer cultura e em qualquer civilização, para que esteja a reconhecer que afinal existe direito natural, mesmo que não lhe dê esse nome.
      Terceiro ponto: Como eu digo (e como estou a fazer através do artigo e respondendo ao seu comentário), estou aqui para o debate, estou disposto a debater. Mas considero que o debate não devia existir, isso sim. Como certamente o Alexandre considera que não devemos debater a matança de todos os ciganos ou judeus, ou pessoas com trissomia XXI (já estivemos mais longe).
      Pelo que todas as ilações que tira de seguida são pura fantasia. O que nos distingue, aparentemente, é que eu considero precisamente que nada nem ninguém tem autoridade para classificar outro ser humano como menos humano, menos digno ou menos válido que outro. Já o Alexandre, caso defenda de facto a eutanásia, ainda que só voluntária, admite que uma pessoa possa reivindicar o direito de dizer que a sua vida deixou de ser digna e aí abre a caixa de pandora para que outros possam dizer o mesmo sobre terceiros, porque a dignidade deixa de ser inviolável.

      Novamente, obrigado pelo seu comentário educado.
      Cumprimentos!
      Filipe

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  2. Isso mesmo Filipe!

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  3. Olá, Filipe

    Primeiro ponto
    Não sou bem um "defensor da eutanásia actualmente", mas seja como for, não há univocidade de argumentos e contextos de sentido na defesa actual e inactual da eutanásia. Eu já vi defesas da eutanásia cépticas, cínicas, cristãs, budistas, anarquistas, liberais, racionalistas, positivistas, etc; e, curiosamente, das 2 únicas que partilhavam da legitimação pela "inumanidade" ou "indignidade" da condição existencial, uma delas era cristã (não me recordo do nome da senhora, mas foram diversos artigos no Público, o Filipe deve saber de quem falo; o outro é o Peter Singer, que cabe melhor na caixinha positivista.)
    Há até quem ache o suicídio um acto imoral mas que não cai sob a esfera do Direito.
    A questão da referida argumentação pró-eutanásia cristã é significativa para mim, não para a discussão típica dos cristãos de quem é o verdadeiro cristão e quem é o herege, mas porque, precisamente, a autora dos artigos respeitava a tradição cristã na interpretação do "não matarás", e argumentava no sentido da dignidade da pessoa humana e no direito que esta tem sobre a sua própria vida (e que não tem sobre a dos outros). A eutanásia não é um acto solitário, como muitos suicídios são: é feito em relação, com médicos, familiares, etc; e trata-se de lidar com os momentos finais de um moribundo, de ele partir com o menor sofrimento e a maior dignidade. Ou se preferir: a imago dei não trai a trindade que a constitui, mas realiza-a na relacionalidade (com os outros e o Outro) e na integralidade existencial da decisão (razão, vontade, disposição). Bem, a senhora não argumentava assim, aqui sou eu que a estou a tornar mais clássica ;)
    Eu percebi a analogia nazi. Penso apenas que ela é falaciosa, porque para o caso, a reunião conceptual (considerar que há "vidas indignas de viver") não esclarece os dois fenómenos em jogo (Auschwitz e a eutanásia liberal) mas antes os confunde, obscurecendo ambos. A aferição da vontade é fundamental nos juízos éticos: é isso que distingue uma oferta de um roubo (se eu não quero oferecer e o outro tira), um fazer-amor de uma violação, etc Dizer que há uma correspondência antropológica e ética entre a solução final e a eutanásia liberal porque ambas consideram que há vidas indignas de viver, é o mesmo que dizer que uma noite de amor equivale a uma tortura psicopata porque ambas consideram que há "corpos desejáveis de mexer". O mal não é de todo o mesmo, para usar as suas palavras. Isto de gigajogas conceptuais que mudem as substâncias sem que tenhamos que aferir dos seus efeitos, Filipe, na transubstanciação ainda vá, agora aqui...

    Segundo ponto.
    Isto já vai comprido demais. Mas pode do "Há até quem ache o suicídio um acto imoral mas que não cai sob a esfera do Direito" tentar pensar uma contradição nos termos de "direito natural" que não seja positivista. Aliás, a negação da "natureza humana", que é a meu ver a mais pertinente objecção ao "direito natural" nem sequer é positivista (e estamos a falar do Comte ou do Singer, do Zola ou do Houellebecq? Eu percebo que o jornalismo vive de generalismos, mas estes "ismos" imensos com que o Filipe pretende criar unidades de sentido perdem em esclarecimento analítico o que ganham em simplismo ideológico.)

    Terceiro
    Pelo contrário. Quando algum grupo o propõe (a matança de todos os ciganos e judeus) devemos mesmo debater o assunto. Aliás, na sua analogia invertida, é naturalmente o contrário do que o Filipe sugere que historica e politicamente se mostra: se os nazis tivessem proposto o debate liberal, não sei se a coisa se tinha passado como passou... eles aliás, nem debateram a solução final no Partido.

    Obrigado também pela sua resposta. (Bolas, que formal, mas se não retribuísse seria mal-educado;)

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    1. É precisamente porque a eutanásia não é um acto solitário que não faz sentido comparar com o suicídio. O suicida pode sentir que a sua vida é indigna, se quiser. Mas a Sociedade, e o Estado, não podem concordar com ela e dar-lhe o seu aval e colaboração. Esse é que é o principal problema da eutanásia, a aceitação social e com aval do Estado, de que há vidas que são indignas de ser vividas.
      A analogia nazi não é com a solução final, é mesmo com o seu programa de eutanásia, foi aí que usaram o termo "vidas indignas de serem vividas". No caso dos judeus, em particular, simplesmente se considerava que não eram vidas humanas. É da maior crueldade e injustiça, mas são campeonatos diferentes.
      Por isso aqui a questão fundamental não é, ao contrário do que diz, a vontade. A vontade da vítima não legitima a prática. Usando um exemplo: Se eu me vender como escravo, para pagar uma dívida ou simplesmente porque me apetece, a minha anuência não torna a operação legítima. O Estado não pode, simplesmente, admitir que a minha liberdade tem preço.

      Vou ser sincero... não percebo o que está a tentar dizer no segundo ponto. Mas volto a colocar-lhe as questões que coloquei antes. Há, ou não há, coisas que são sempre erradas, independentemente da cultura, das leis, das épocas ou dos locais? Se há, há direito natural. Se não há, não há.

      Terceiro, continua a não perceber onde eu quero chegar. Que se pode debater, que havendo debate se deve debater, claro que sim. Mas o ideal seria nem sequer debater e não faz sentido, sobretudo as pessoas dizerem que "não é tempo para fazer este debate", porque das duas uma, ou o direito à eutanásia é um direito fundamental, ou é simplesmente não existe qualquer direito à eutanásia e trata-se de uma coisa horrenda. Seja como for, não é um assunto para se discutir "um dia quando a economia estiver melhor" ou é uma questão que não se deve pôr nunca, por ser horrível, ou é uma urgência maior que qualquer crise económica. Chutar para canto na esperança de que as pessoas se esqueçam, ou que o assunto apenas volte depois do Papa se ir embora é que não.

      Por fim, respondendo ao seu PS. Eutanásia de pessoas com demência não pode ser considerada voluntária. É um exemplo. Há ainda dados como este: "According to the Remmelink Report, Dutch physicians deliberately and intentionally ended the lives of 11,840 people by lethal overdoses or injections–a figure which accounts for 9.1% of the annual overall death rate of 130,000 per year. The majority of all euthanasia deaths in Holland are involuntary deaths." Daqui: http://www.patientsrightscouncil.org/site/holland-background/

      Cumprimentos

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  4. PS: O que quer dizer com : "não é estritamente verdade que nos países que permitem a eutanásia actualmente esta seja sempre voluntária"?

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  5. Falei do suicídio porque considerar o suicídio éticamente legítimo ou não tem consequências no juízo sobre a eutanásia.
    O Filipe acha que o Estado deve gerir a totalidade do corpo social, assumindo também uma função ética e pedagógica do cidadão, e raciocina e conclui como faz. Óptimo. Há simplesmente quem pense de outra maneira, e, na política como na ética, nem sempre há só uma resposta certa. Basta considerar-se que ao Estado só cabem funções de segurança, ou até que não cabem funções nenhumas como qualquer bom anarquista, para erradicar a legitimação do tratamento jurídico da eutanásia.
    E do ponto de vista ético idem: pode considerar-se que a generalidade "eutanásia" por si só não comporta nenhuma problemática ética, e que a pergunta "É justo matar-me com a ajuda de amigos e médicos?" incide sobre questões mais específicas como algumas que até já referi (se estou moribundo, por exemplo, se os que me amam me acompanham, etc)
    Temo não ter entendido bem a da vontade: claro que é esta que legitima a prática nos exemplos que deu, e é por isso que o escravo mítico tem correntes (deixemos de lado a escravatura histórica e actual senão nunca mais saímos daqui...) e o trabalhador assina voluntariamente um contrato ou um recibo (ver parentesis anterior), do mesmo modo que é o que inverte o juízo ético nos casos que já mencionei (a propriedade, a sexualidade).
    Quanto à sua pergunta: "Há, ou não há, coisas que são sempre erradas, independentemente da cultura, das leis, das épocas ou dos locais?" Não sei. Agora é que a conversa seria longa... Mas penso que fazemos juízos éticos com mais cuidado se assim pensarmos, porque teremos de nos confrontar com outras culturas, leis, etc assim como de algum modo, explícito ou inexplícito, teremos de elaborar uma antropologia fundamental (isto é, definir o que é o humano); por outro lado, comporta o risco de introduzir na ética e na antropologia funadamental (que se pretendem universais) particularismos culturais determinados que não são universais (no caso do discurso do Filipe: determinada concepção do Estado, determinada forma de ser cristão...)
    Percebo a do debate. Ou é indiferente éticamente ou então deve debater-se esteja ou não esteja na agenda não-sei-quantas. O Filipe pensa que não é indiferente éticamente, e até pensa que é evidente éticamente ao ponto de escandalizar-se por alguém pôr a questão.
    A minha sensibilidade ética é um pouco diferente...
    Quanto à "eutanásia por demência" não sei nada, mas se é "por determinação de terceiros", género pena de morte, não tem nada que ver com nada do que referi. Não se pode responder a tudo, sobretudo se não se conhece tudo ;) Obrigado pelas referências.
    Sei também que fugi um pouco às suas perguntas mais directas. Mas é melhor assim: a morte é um tema que requer talvez mais interrogação do que respostas.

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  6. Este artigo é de uma clareza e objectividade tremendas. Referendar questões de vida e morte, dignidade ou liberdade é já admitir que as mesmas estão sujeitas a um grau de arbitrariedade qualquer. A suposta legitimidade democrática do processo de decisão vale o que vale. Houve mais do que um ditador a chegar ao poder pelo voto. E, na linha do que diz o Filipe d’Avillez, podemos perguntar o que teria acontecido se se tivesse posto a referendo a escravatura, a pena de morte, o voto universal ou a igualdade entre homens e mulheres.

    É verdade que nem sempre a eutanásia tem sido praticada com a certeza plena de que se está a cumprir a vontade da pessoa. No caso de eutanásia de crianças, por exemplo, que já é praticada na Bélgica: http://edition.cnn.com/2016/09/17/health/belgium-minor-euthanasia/. Na notícia, é dito que há crianças gravemente doentes a pedir que seja posto fim à sua vida. Uma criança tem maturidade e autonomia suficientes para tomar este tipo de decisões? Há uma convergência nos quadros jurídicos dos países ocidentais: é exigida uma idade mínima para conduzir automóveis, votar, trabalhar, ter relações sexuais, contrair matrimónio, etc. E para decidir morrer?

    Também se têm verificado situações de aparente arrependimento de pessoas que teriam antes manifestado desejo de serem eutanasiadas. Na Holanda, uma idosa teve de ser agarrada pelos familiares enquanto um médico lhe ministrava a droga letal. E o que dizer das situações em que a decisão foi tomada muito antes de uma doença, tendo havido posteriormente uma deterioração do estado de consciência, ao ponto de não se poder confirmar se a vontade inicial se mantinha válida?

    Ora, a lei garante-nos o direito ao arrependimento em inúmeros actos jurídicos: na compra de bens e serviços, na celebração de contratos de trabalho, no casamento, etc. No caso da eutanásia, não há margem para tal – o que é estranho, sendo a vida o bem mais defendido, juridicamente e não só. Um dos argumentos mais fortes contra a pena de morte reside precisamente na irreversibilidade: e se tiver havido um erro, condenando-se um inocente?

    Também podemos interrogar-nos se a liberdade de quem pede para morrer é real e ou se a pessoa (ou os familiares ou o pessoal médico) poderão estar a ser coagidos de algum modo. Os idosos podem ser levados a pensar que estão a dar demasiado trabalho, os doentes graves podem ser convencidos de que não há qualquer esperança numa melhoria, etc. E os tratamentos são caros, os orçamentos hospitalares são limitados, há sempre um potencial herdeiro mais ganancioso, um cônjuge que quer refazer a sua vida o mais depressa possível… Neste momento, a vontade da pessoa é requisito imprescindível (mesmo que a manifestação inicial e a continuação da mesma sejam problemáticas). Num futuro qualquer, a família poderá ser chamada a decidir pelo doente. E se os vários familiares não estiverem de acordo entre si? E se os médicos puderem sobrepor-se à família?

    Vale a pena ler a Nota Pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa sobre o assunto: http://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/eutanasia-o-que-esta-em-causa-contributos-para-um-dialogo-sereno-e-humanizador/. Não se encerra o assunto dizendo que a vida é sagrada por ser dom de Deus mas esclarece-se conceitos, levanta-se questões importantes e demonstra-se que se tem avançado com a prática da eutanásia sem que estas estejam satisfatoriamente respondidas. Mesmo um não crente que esteja de boa-fé há-de encontrar grande pertinência neste documento (e nas perguntas e respostas que lhe servem de complemento).

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  7. Laura Ferreira Alves é o nome da autora dos artigos que mencionei, onde expõe uma argumentação cristã pró-eutanásia.

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