David Warren |
Esta, segundo Georg Christoph Lichtenberg, é uma regra de
ouro. Tal como todas as regras de ouro, tem a habilidade misteriosa de ser
instantaneamente esquecida. É mais fácil julgar os homens pelas suas opiniões,
e elencá-los com base na semelhança com as nossas próprias. Tudo o resto requer
alguma capacidade de discernimento espiritual.
O culto católico (e ortodoxo) dos santos desafia esta
tendência para esquecer. Não respeitamos os santos pelas suas opiniões cristãs,
damos essas por adquiridas e há muitos que partilham delas sem serem santos.
Antes, apreciamos a forma como os santos dão vida a estas coisas inertes,
porque o amor, sem aquilo que representa, não passa de uma opinião.
Não pretendo, com isto, menosprezar o Catecismo. É um
manual de instruções daquilo em que acreditamos e explica como é que estas
crenças se interligam. Sem ele facilmente nos perdemos, como se vê ao olhar
para as pobres almas que se persuadiram de que podem fazer o seu próprio
Cristianismo, improvisando. A sua sinceridade, partindo do princípio que é
genuína, é rapidamente ultrapassada pela sua confusão.
“Eu sinto isto” e “eu penso aquilo” são expressões comuns
na religião contemporânea, tanto dentro como fora da Igreja. Raramente ouço
sequer uma referência decorativa à autoridade do magistério. Na verdade, o
orador está a assumir o estatuto de profeta, com linha directa para Deus. Só
que não fala em línguas, mas em clichés.
Mas o Catecismo, os Evangelhos (não modernizados), a
Escritura como um todo, são o ponto de partida para a compreensão de algo que,
no fim de contas, os ultrapassa. Cristo não se pode reduzir a um manual de
instruções, nem veio à Terra para nos dar um. Foi a Igreja que reuniu estas
coisas – incluindo o cânone das escrituras – para nos colocar no Seu caminho.
Temos nestas coisas, e na teologia católica que nelas
assenta, um ponto de partida sólido para um destino que é inimaginável neste
mundo. Os santos e os mártires guiam-nos para além dos horizontes que
conseguimos manter em vista.
Foi a dimensão humana de Jesus que o tornou acessível a
todos os homens. São as qualidades sobretudo humanas que fazem dos santos os
seus companheiros de serviço – pois sabemos que estão a fazer coisas que estão
ao alcance da capacidade humana.
Ou pelo menos devíamos saber: Que a fé pode mover
montanhas; que a fé pode, no decurso de uma vida humana “normal” erguer-nos, ou
antes, levitar-nos a um ponto de onde vemos que a santidade, com a Graça de
Deus, é possível. (Como me disse uma vez um padre Anglicano, “Um primeiro passo
rumo à santidade é compreender que a santidade é possível”).
Erguer-nos: erguer-nos de entre os mortos. É tudo o que
se nos pede, e a ajuda divina é garantida. Mas não serão as nossas opiniões a
elevar-nos. Pode-se dizer que essa elevação começa por seguir instruções, como
tudo o que isso implica. Começamos com o esqueleto da crença cristã, mas para
nos erguermos temos de lhe dar corpo.
Russell D. Moore |
Isto porque ele elabora sobre uma ideia parecida com
aquela de Lichtenberg, que citei acima. Ele afirma, na sua palestra, e em
resposta a questões colocadas depois, um fantástico paradoxo, que vale a pena
interiorizar: Que Hillary Clinton, vista como inimiga por grande parte da
Direita Evangélica, praticamente lhes pode fazer mal. Talvez, se for eleita,
possa nomear o Anticristo para juiz do Supremo Tribunal, ou embarcar em
aventuras militares no estrangeiro que apressem o Apocalipse; mas ainda assim
não pode fazer mal à alma de um único evangélico, ou outro cristão qualquer.
Para isso ela não tem qualquer poder. Só poderia ter esse
poder se exercesse sobre eles tamanha atracção que eles estivessem dispostos a
defender os bens que ela está a vender. Só então é que ela estaria em posição
de os poder corromper, e não quando eles não sonham sequer em votar nela.
Mas Moore sugere, contudo, que ao colocar a política acima
da religião, para apoiar o incorrigível Donald Trump, que os campeões da
Direita religiosa estão na verdade a colocar em perigo almas cristãs, pois
estão dispostos a colocar de lado o seu apoio aos “valores da família” e ao que
actualmente se chama “conservadorismo social” para conseguirem eleger o seu
candidato. Com isso provaram ser puros “consequencialistas”, que é como quem
diz, totalmente cínicos.
Embora se limite a criticar alguns anciãos da sua própria
igreja – e, note-se, diante de um auditório sobretudo católico – Moore está a
passar uma mensagem que atravessa as fronteiras das denominações. Para podermos
ser de algum valor na política, ou para o nosso país, em primeiro lugar devemos
ser cristãos. A partir do momento em que nos dispomos a fazer cedências –
sobretudo cedências morais, para poder ganhar algum avanço – estamos perdidos e
não servimos para ninguém.
“De nada serve ao homem trocar a sua alma pelo mundo, Ricardo.
Mas por Gales?”, diz Thomas More no filme dos anos 60.
Ele é o santo padroeiro dos políticos precisamente porque
apesar de estar sob tremenda pressão, pôs a fidelidade a Cristo e à sua Igreja
acima não só do seu interesse pessoal, mas de qualquer objectivo político.
Sejam quais tenham sido as suas opiniões, recordamos aquilo que fizeram dele: Um
farol cuja luz atravessa as épocas.
Por paradoxal que possa parecer à primeira vista, esta é
a única forma cristã de agir. A questão de carácter vai directamente ao tutano,
ao nosso tutano. Nunca nos devemos tornar tão mundanos que sacrificamos as
nossas crenças cristãs para tentar alcançar o poder.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 28 de Outubro
de 2016 em The Catholic Thing)
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