Francis J. Beckwith |
Quando a comunicação social declarou, na manhã de
Quarta-feira, que Donald J. Trump vai ser o 45º Presidente dos EUA, vieram-me à
cabeça as palavras do mais recente Nobel da literatura: “Something’s happening here,
and you don’t know what it is, do you, Mr. Jones?”
Tal como a maioria dos membros da classe dos opinadores,
fui apanhado completamente desprevenido pela vitória de Trump. Praticamente
nenhum dos meus amigos – incluindo muitos que se identificam como conservadores
– apoiava o Trump. Eles argumentavam – como eu fiz em vários lugares – que
havia fortes razões práticas e morais para não votar em Trump (nem na Hillary,
já agora).
Pensávamos que tendo em conta as indiscrições públicas e
privadas de Trump, aliados à sua impulsividade e imprevisibilidade, para não
falar nos seus comentários pouco delicados sobre imigrantes, a sua eleição
seria catastrófica tanto para o Partido Republicano como para o país. Mas o
facto é que praticamente nenhum de nós pensava que se teria de preocupar mesmo
com o país, porque achávamos que era inelegível. Caramba, como nos enganámos!
Tal como o Mr. Jones do Bob Dylan, não fazíamos ideia do
que é que se estava a passar aqui. Eu e os meus amigos existimos no equivalente
cultural a um condomínio fechado: suburbanos, profissionais, com educação
superior, de classe média, viajados e cosmopolitas. Temos posses e estamos em larga
medida isolados do dia-a-dia das vidas da maioria dos americanos de classe
operária, brancos, religiosos e sem formação universitária, ou seja, aqueles
cujos votos deram a vitória a Trump na Pensilvânia, no Iowa, no Ohio, no
Michigan e no Wisconsin.
Era destas pessoas que Barack Obama falava de forma tão
condescendente em 2008 quando se dirigia em privado a um grupo de dadores em
São Francisco:
Vamos a estas pequenas vilas na Pensilvânia e, como em
muitas das vilas pequenas do Midwest, os empregos desapareceram há 25 anos e
nada os substituiu. E passaram as administrações de Clinton e de Bush e cada
uma delas disse que as comunidades se iam regenerar, mas isso não aconteceu.
Por isso não é de admirar que fiquem amargos, que se
apeguem a armas ou à religião ou à antipatia para com pessoas que não são como
elas, ou sentimentos contra os imigrantes ou contra o comércio livre como forma
de explicar as suas frustrações.
Apesar destes comentários, Obama obteve o voto de uma boa
parcela destes “amargos apegados”. Parece que estavam dispostos a suportar os
insultos elitistas desde que isso levasse a melhores perspectivas para eles e
para as suas famílias. Mas oito anos volvidos as coisas não correram assim. Não
só estão piores agora, como as suas preocupações sobre a imigração, as
políticas de comércio, segurança policial e nacional e liberdade religiosa
passaram a ser descritas pelos seus “superiores” como meras expressões
viscerais de xenofobia, fascismo, racismo, islamofobia e ódio. É claro que é
sempre possível encontrar entre estas pessoas alguns cuja linguagem torna
credíveis estas descrições, mas aquilo que eu sinto é que para a vasta maioria
são preocupações que nascem de um amor profundo pelas suas famílias e a sua
nação.
O único candidato que pareceu abordar estas preocupações
e de as levar a sério foi Donald Trump. Certo, fê-lo de forma bombástica, por
vezes desarticulada, e com uma linguagem muitas vezes desagradável,
desnecessariamente agressiva ou chocantemente ofensiva. Mas para quem mais é
que estes eleitores se podiam voltar? Hillary Clinton?
Foi ela quem descreveu os apoiantes de Trump, durante um
comício LGBT em Setembro, da seguinte forma: “Sabem, generalizando bastante,
podíamos meter metade dos apoiantes de Trump naquilo a que eu chamo o ‘cesto
dos deploráveis’. Não é?... Os racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos,
islamofóbicos – tudo isso.” Ao condenar publicamente os apegados amargos de
Obama ao cesto de deploráveis, deliciando-se com os risos que se lhe seguiram,
Clinton e a plateia embeiçada selaram o seu destino, sem sequer darem por isso.
Mas houve mais, graças ao Wikileaks, os “deploráveis” também puderam espreitar atrás da cortina. O que vieram foi as elites – que na maioria frequentaram as mesmas escolas, vivem nos mesmos bairros, auferem os mesmos ordenados e têm os mesmos amigos – a usar as suas ligações para dar a Clinton aquilo que a maioria das pessoas considera serem vantagens injustas. Quando se vê os autoproclamados defensores da justiça social e manipular o sistema em favor dos amigos ao mesmo tempo que lhe chamam a si e aos seus vizinhos “deploráveis” (isto sem falar sequer das críticas gratuitas ao Catolicismo), a indignação parece ser a resposta emocional mais apropriada.
Em breve veremos se Trump vai cumprir com algumas das
coisas que devem interessar a qualquer católico sério: Nomeações para o Supremo
Tribunal e defesa da liberdade religiosa, não só contra aspectos como os
mandatos do Obamacare que afectam grupos como as Irmãzinhas dos Pobres, mas de forma
mais geral na pressão do Governo federal sobre crentes tradicionais que
resistem à promoção agressiva do aborto e de um entendimento da sexualidade
humana que é intrinsecamente hostil à sua teologia moral.
Inclino-me a pensar que vai.
Isto não significa que eu tenha mudado de opinião sobre
Trump e sobre como o seu carácter pessoal e exemplo público podem afectar o
carácter dos cidadãos desta nação bem como a trajectória do Partido
Republicano, mas espero sinceramente que esteja enganado.
Talvez a noção que o Presidente eleito tem da gigantesca
responsabilidade da Sala Oval, combinadas com a escolha de pessoas excelentes
para ocupar posições de liderança e de aconselhamento na sua administração
resultem num Presidente Trump menos dados ao exercício indisciplinado daquilo
que São Tomás de Aquino chamou os apetites irascíveis e concupiscíveis.
Quem sabe? Mas num ano em que os Cubs foram campeões de
basebol e Dylan venceu o Prémio Nobel, tudo pode acontecer. E porque em Deus
tudo é possível o Sr. Trump, e a nação que ele vai servir, devem agora estar
constantemente nas nossas orações.
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 10 de Novembro
de 2016 em The Catholic Thing)
Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos
Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft
as Soulcraft, e
(juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A
Case for Conservative Politics.
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É graças a católicos bem-pensantes como este (que certamente não leram o seguinte texto ou não o perceberam, nomeadamente na táctica de «limitação dos danos» e no ponto 9 : http://moldaraterra.blogspot.pt/2016/10/nota-doutrinal-sobre-participacao-e.html) que o inimigo avança e o mundo está como está. Afinal, que têm andado a fazer essas boas consciências» dos Estados Unidos? Afinal, perante um Trump «horroroso» mas prò-vida e uma abortista, e etc., cruzam os braços? Como eu fico sensibilizado com a pureza de tais católicos que não se querem misturar com a impureza do mundo!
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