Randall Smith |
O
filósofo católico Rémi Brague, vencedor do prestigiado Prémio
Ratzinger, esteve na minha universidade a semana passada. O francês
é daqueles oradores que adora fazer comentários interessantes à
margem do tema, uma característica que aprecio bastante. Num destes
comentários mencionou que os “seculares” são aqueles cujas
vidas se definem por um horizonte de 100 anos. “A palavra 'secular'
não quer dizer mais que isso”, afirmou.
Nunca
tinha pensado na palavra “secular” ou o seu antecessor saeculum
desta forma, uma vez que a sua raiz cent- (de centum, que
significa cem), não aparece. Por isso fui investigar.
Então
descobri o seguinte. Na antiguidade romana um saeculum era
considerado um tempo mais ou menos equivalente à vida de uma pessoa,
ou os anos necessários para renovar completamente a população
humana. De quanto tempo estamos a falar?
As
opiniões divergem, mas durante a era de César Augusto os romanos
estabeleceram que um saeculum eram 110 anos. As gerações
seguintes ficaram-se por 100 certos e, em resultado disso, nas
línguas românicas, as palavras derivadas de saeculum
passaram a significar “um século”, como é o caso de siglo, em
espanhol, secolo em italiano e siècle, em francês. Por isso o Prof.
Brague tinha toda a razão quando dizia que a palavra “secular”
tem a ver com “cem anos”, embora a relação seja mais clara em
francês do que em inglês.
Consideremos
então, a diferença entre uma visão “secular” do mundo, por
oposição a uma visão ancorada na “eternidade” (in saecula
saeculorum). Se vivesse na Europa de Leste em 1940, por exemplo,
podia perfeitamente ouvir alguém dizer: “O Cristianismo está
acabado: o comunismo é o futuro”. Ou então digamos que vivia na
Roma de César Augusto, poderia perfeitamente ouvir dizer que “O
futuro está com o Império Romano e não com um qualquer carpinteiro
judeu crucificado”.
Sejamos
justos, ambos os comentários fariam todo o sentido da perspectiva de
uma pessoa a extrapolar com base na sua própria vida. Mas a
extrapolação, como os cientistas bem sabem, pode ser uma coisa
arriscada.
As
pessoas tendem a dizer: “Não queres ficar do lado errado da
história”. Ao que eu respondo: “Se tivesse vivido numa altura em
que “ficar do lado errado da história significava recusar
filiar-me no Partido Comunista na Polónia, então sim, eu preferia
ficar do lado errado. E daqui a 200 anos quero que fique bem claro
que eu escolhi um caminho diferente daquele que foi traçado pelas
forças, supostamente irresistíveis, da 'história', que
relativizaram ou suprimiram a dignidade humana em nome da marcha do
'progresso'”.
De
uma perspectiva utilitarista dos próximos duzentos anos,
compreende-se a afirmação: “Pensa nos bons resultados que podemos
obter através da morte deste embrião.” Compreende-se como uma
afirmação dessas possa ser tentadora no caso de nos dizerem que
poderia conduzir a uma cura para o Alzheimers, por exemplo, ainda
durante a nossa vida.
Mas,
de uma perspectiva da eternidade, do ponto de vista de Deus, por
assim dizer, uma vida inocente tem um valor infinito. Essa alma é
eterna ao contrário de tudo aquilo que neste momento nos parece ser
de valor – enriquecer, criar grandes negócios, fazer a próxima
grande descoberta no ramo da ciência e tecnologia – estas coisas,
como o Império Romano e como o grande movimento marxista, passarão
com o tempo.
Rémi Brague |
Um
dos benefícios de olhar para a história contemporânea de uma
perspectiva da eternidade (ou, para sermos francos, de uma
perspectiva histórica que ultrapasse as últimas centenas de anos) é
o facto de se perceber mais claramente o quão efémera a história
“secular” pode ser. “Também isto passará”. O Império
Romano e os césares passaram. Os czares da Europa também. E a União
Soviética. Alguns acreditam que, qualquer dia, o aborto, a eutanásia
e a destruição de embriões para experiências em células
estaminais, serão encaradas como hoje encaramos as leis de separação
racial e a escravatura: aberrações trágicas da história.
E
porém, embora a história possa de facto ser efémera, olhá-la do
ponto de vista cristão fornece uma perspectiva da qual a podemos
valorizar, mesmo com todas as suas limitações. Não vamos
estabelecer o reino de Deus na terra, mas cada acto, cada escolha,
tem uma importância infinita na eternidade.
As
eras “seculares” tendem a dedicar-se a utopias que são
inalcançáveis e que frequentemente dão aso a actos trágicos de
desumanidade, animados pela esperança de realizar sonhos
impossíveis. Quando estas esperanças se revelam ilusórias, o que
sempre acontece, são substituídas por um sentido trágico de
cinismo e niilismo. Se tudo o que procuramos alcançar vai
desaparecer dentro de uma centena de anos, porquê o esforço?
O
mundo moderno “secular” baloiça assim para a frente e para trás,
de forma esquizofrénica, entre as esperanças ingénuas por
projectos utópicos ilusórios e os medos niilisticos de que
simplesmente não vale a pena viver. Para contrariar este
“secularismo”, precisamos de uma narrativa que explique porque é
que a vida humana, limitada como é, é boa – que viver vale a
pena, mesmo que a vida seja limitada e terrivelmente imperfeita.
Deus, ao enviar o seu filho unigénito, mostra-nos como o mundo é
bom, como a vida é boa, mesmo no seu estado decaído.
O
problema do “secularismo” não é o facto de ser demasiado
“mundano”. O Cristianismo preocupa-se profundamente com o mundo:
diz-nos que Deus sacrificou o seu único filho pelo mundo. O problema
com o “secularismo” é que a sua visão do mundo é demasiado
limitada, demasiado “bidimensional”. Num mundo bidimensional só
conseguimos ver o que está à nossa frente e o que está atrás.
Seria fácil concluir a partir desse ângulo que toda a página está
recheada de rabiscos caóticos. É preciso subir um pouco para poder
olhar de cima e ver que afinal se trata de um belíssimo desenho. Ou
então é preciso ter fé no Artista.
Em
Cristo o temporal e o eterno encontram-se e é nesse casamento que se
encontra a salvação do mundo e a única verdadeira esperança da
história.
Randall
Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas,
Houston.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 19 de Novembro 2014 em The Catholic Thing)
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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