Brad Miner |
Ver a multidão a transbordar do Notre Dame de Paris, na
vigília de domingo à noite pelas vítimas dos atentados terroristas, foi uma
experiência emocionante. É fantástico como a proximidade do mal leva as pessoas
a voltarem-se para Deus. Mas recordou-me de uma experiência pessoal de há
muitos anos, que também conduziu a uma viragem espiritual.
Certo dia, em Agosto de 1968, estava a deambular
pelas estradas de Paris. Tinha um quarto num hotel barato na zona de Saint
Germain e não tive grande pressa em passear até à Pont Neuf para chegar à Île
de la Cité e à Notre Dame.
Nessa altura da minha vida era apenas um
universitário pagão. Tinha entrado em igrejas católicas um total de duas vezes,
ambas em Ohio. A primeira foi a igreja do meu bairro, para a misteriosa
Primeira Comunhão de uma colega da escola, bonita no seu vestido e mantilha
brancos, pois isto foi antes do Concílio. A outra vez tinha sido há poucos
meses, para uma missa no campus universitário a que a minha namorada católica
me levou. Nem num caso nem noutro tinha prestado a menor atenção ao que se
estava a passar, só estava interessado nas miúdas.
As velas, as imagens e os crucifixos dentro da
Notre Dame de Paris – a estranheza de tudo aquilo – ofendia-me, porque estava
habituado à bruta simplicidade da igreja metodista da minha juventude, embora
fosse, como se esperaria de um pagão, totalmente indiferente à piedade fácil
protestante. Pensei que a Notre Dame era interessante do ponto de vista
arquitectónico, mas demasiado requintada. Como é que se encontrava Deus no meio
de toda esta tralha? Se é que havia um Deus para encontrar.
Mas havia mais, e eu sabia. Tinha lido que os
arcos interiores góticos simbolizavam mãos em oração, e na catedral estavam
imensas pessoas ajoelhadas a rezar, com os olhos postos no alto e, por todo o
lado, uma sensação de deslumbramento que se sentia. Centenas de pessoas andavam
de um lado para o outro em silêncio. Sabia que se estivesse com os meus amigos
estaríamos quietos e em silêncio, como todos os outros, sem as palhaçadas
irreverentes que de resto praticamente nos definiam. Sozinho, comecei a ficar
perturbado por este deslumbramento. Nunca me tinha sentido tão pequeno. Há
medida que a minha aflição aumentava, disse uma palavra ansiosa, quase como
protecção contra o mistério: Jesus.
Virei-me para sair e vi pela primeira vez a janela
rosácea. O sol do meio-dia atravessava-a – atrás de mim o som da missa a
começar – Nossa Senhora com o menino Jesus, no centro, os vitrais dos seus 84
painéis a formar um caleidoscópio vertiginoso de apóstolos, anjos, ressurreição
e inferno.
Saí apressado para a Place du Parvis (hoje Place
João Paulo II), sentindo as gárgulas a observar-me enquanto corria de volta
para a margem esquerda.
Passados uns dias, no comboio para Roma, dei por
mim a pensar na minha reacção. Não acreditava em Deus, e pensava que a Igreja
Católica não passava de uma gigantesca fraude, embora tivesse ficado bastante
impressionado pelo estudo da Europa em Civilização Ocidental 1 e 2, em que a
Igreja desempenhava um papel tão importante. Mas num trabalho (para o qual tive
A-) tinha-me revoltado contra o catolicismo pela forma como tratou Galileu e o
meu professor tinha escrito na margem: “Teria sido um A+ se não fosse o acesso
de revolta anti-católica. Tenta ser objectivo, sempre.” Mais tarde,
quando lhe disse que ia passar o Verão à Europa ele deu-me uma espécie de
penitência, fez-me prometer-lhe que iria visitar todas as principais catedrais
de Paris, Roma, Florença, Viena e Praga, embora duvidasse – não obstante os
meus planos – que eu conseguisse entrar na Checoslováquia. Tinha razão. Dois
dias antes da minha planeada viagem de Viena para Praga, 2000 carros de combate
soviéticos e 200 mil tropas do Pacto de Varsóvia invadiram.
Janela rosácea de Notre Dame |
Mas à medida que o comboio de Paris ia rolando
para sul até Roma, meditei sobre o poder que a história e a literatura têm para
nos cativar, mesmo quando nos convencemos que aquilo não tem nada a ver
connosco. Esse verão representou, a meu ver, a minha emancipação de todas as
amarras do passado e não fazia ainda ideia que Deus me estava a prender agora
ao próprio objecto do meu desprezo.
Em Itália cumpri a minha obrigação de visitar a
basílica de São Pedro e o Il Duomo de Florença, e em Viena fui ao Stephansdom.
Numa paragem em Lausanne, na Suíça, até corri monte acima para ver a catedral
de Notre Dame, visível da cidade (e cujo nome me tinha sido indicado por um
transeunte), apenas para descobrir que se tinha tornado protestante no século
XVI. Não tinha qualquer razão para ficar desapontado por isso, mas fiquei.
De regresso a Paris voltei para o Notre Dame. O
cheiro de uma catedral católica é incomparável, não tem nada a ver com o cheiro
fresco de pinheiros do protestantismo do Oeste americano. Sentei-me num banco e
reflecti sobre aquela que continuo a considerar a maior igreja da Cristandade e
tentei discernir os aromas: cera derretida, incenso, suor, lágrimas, suspiros,
idade… Agora, em vez de “requintada”, a palavra que me surgia foi “antiga”. E
lembro-me de pensar: O que é velho é novo.
Jean-Charles, o recepcionista do hotel,
recrutou-me nessa noite para jantar com ele e duas raparigas que lá estavam
hospedadas. Ele estava caído pela Ilke, que era alemã, deixando-me com uma
mexicana morena e linda chamada Maria, que não falava uma palavra nem de inglês
nem de francês. Elogiei-a pela bonita cruz de prata que usava ao pescoço.
Através da Ilke, (que falava espanhol, para além de inglês, francês e alemão)
ela corrigiu-me: “É um crucifixo”.
Corrigido estou.
(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 18 de Novembro de 2015 em The
Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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