Qual o objectivo do
colóquio?
É reflectir sobre as diferentes modalidades da evangelização
em África, desde os seus frágeis inícios até ao forte incremento verificado a
partir do século XIX e deste até à actualidade pós-colonial, e globalizada, e
tentar perceber a respectiva interacção com outros domínios da realidade
africana.
Nós sabemos que desde os primeiros contactos que a presença
europeia em África se fez acompanhar por campanhas missionárias assegurada num
primeiro momento pelas ordens e congregações religiosas católicas, e essa acção
missionária vai lentamente obtendo resultados que se traduzem de uma forma mais
estável e institucionalizada nas dioceses que vão sendo criadas e instaladas.
Isso é um indicador importante.
Este congresso tem um registo que é bastante histórico, até
porque o que se tenciona é evidenciar o conjunto de produções e de pesquisas
realizadas a partir dos arquivos missionários e será também um ponto de partida
para ir à descoberta de arquivos que não foram ainda explorados e estabelecer,
por exemplo, um protocolo entre as congregações religiosas e a academia, e a universidade.
E quando digo a universidade não estou a pensar unicamente nos investigadores
portugueses, o Brasil está a manifestar um grande interesse por este congresso
e por toda a documentação que existe nesta área das missões.
Mas também, ao mesmo tempo, queremos perceber as
transformações mais recentes que se estão a operar em África. Ao entrar no
século XX apenas 10% de África era cristã, hoje podemos dizer que cerca de
metade de África é cristã. Esse sucesso de expansão, curiosamente, resultou de
muitos africanos convertidos se terem transformado em missionários.
O cristianismo é uma religião muito plástica, no sentido em
que se adapta às culturas, o que não significa abdicar da ortodoxia do ponto de
vista doutrinário, às vezes sim, mas grande parte das vezes não, mas do ponto
de vista cultural e formal o Cristianismo é profundamente plástico e
curiosamente um dos factores que contribuiu para isto foi a primeira guerra
mundial e o retorno de muitos missionários à Europa durante esse período. Isso
fez com que o Cristianismo africano crescesse e mais recentemente a forte
expansão pentecostal e neopentecostal que se foi sentindo desde finais do
século XX. Já desde o século XIX que a par das missões católicas, as mais
antigas, houve trabalho missionário protestante.
Outro aspecto contemporâneo é que a missão europeia em
África hoje encontrou novas estratégias, que reflectem o que a Europa e o
Ocidente são. Estão menos centradas na evangelização do ponto de vista de
anunciar a mensagem e mais em obras sociais enquadrando isso em ONGs. Muitos
dos leigos que vão para África fazem um trabalho social, menos preocupados com
a missionação. O que é interessante é que o que está a vir de África para cá é
um espírito profundamente evangelizador. Muitos cristãos que vêm para a Europa,
sejam católicos ou evangélicos, sentem que têm a obrigação de actuar num meio
que está descristianizado.
Isto pode sentir-se no mundo católico, por exemplo nos movimentos
carismáticos, mas também na presença de padres que têm vindo para cá e o seu
trabalho em paróquias normais. Ao mesmo tempo temos as igrejas africanas, de
língua portuguesa ou de língua inglesa, a Nigéria tem uma grande igreja
evangélica, pentecostal, em Londres. Eles sentem a necessidade de contribuir
para esta Europa que está secularizada.
Arcebispo John Sentamu, à esquerda, número 2 da Igreja Anglicana |
O Papa Francisco
falou no perigo de se confundir a Igreja com uma ONG, precisamente. Essa nova
dimensão da missão cristã ocidental enfraquece a mensagem?
Sem dúvida. No fundo esse tipo de estratégia reflecte aquilo
que as próprias igrejas fizeram na Europa. Grande parte das igrejas na Europa,
incluindo a católica, abdicaram de uma certa intervenção na esfera pública, no
sentido de anunciar a mensagem claramente, cingindo-se ao trabalho social, que
é fundamental, sem dúvida, mas em muitos sítios o discurso foi muito imanente.
Um dos problemas do Cristianismo europeu é ter perdido a transcendência, ou ter
abdicado de anunciar uma mensagem que tem a ver com a transcendência.
Sabe-se que na Igreja
Católica há muitos padres e missionários que estão agora a vir para a Europa,
invertendo a lógica missionária. Aplica-se o mesmo noutras confissões cristãs?
Sim, isso começa a notar-se. Entra-se em igrejas
protestantes, e falo de protestantes históricos, ligados à reforma, ou a Igreja
anglicana, e nota-se que se estão a tornar pluriétnicas e isso tem contribuído
em muito para a vitalidade de algumas igrejas que até estavam bastante amorfas,
e por outro lado até temos as igrejas evangélicas, dentro do protestantismo
evangélico, as chamadas igrejas livres, que crescem por todos os lados, e que
têm uma componente étnica, mas também de missionação dos portugueses, que é um
trabalho que não é feito pelos portugueses, porque os europeus cristãos
conformaram-se com a ideia de que a religião tinha de ficar apenas na esfera
privada, e esse discurso continua, mesmo que Bento XVI tenha chamado a atenção
para a nova evangelização.
Qual é a estratégia da nova evangelização? Vê-se pouco, em
termos práticos. A Igreja em Portugal tem feito um trabalho com algum sucesso
junto das elites culturais, por exemplo a questão do Pátio dos Gentios, mas
ainda não percebi, tanto quanto tenho pesquisado, qual é a agenda de uma
evangelização para as pessoas comuns.
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