Wednesday, 9 October 2013

Cristo e a Vida Moral

Randall Smith
Uma amiga latino-americana conta-me como aos 14 anos, ela e uma sala cheia de crismandas, cheias de energia, ouviram o bispo pregar durante 40 minutos sobre a justiça social. Nada sobre Cristo, a sua morte sacrificial na cruz, a sua gloriosa ressurreição dos mortos e o envio do Espírito Santo, tornado presente para elas no sacramento que estavam prestes a receber. Nada se não um prato cheio de politiquices e teologia da libertação de segunda: “Não admira que tantos latino-americanos, sobretudo os pobres, tenham passado para as Igrejas Evangélicas... Pelo menos lá ouviam falar de Jesus”. Quanto às promessas de “libertação” política, disse, “nada disso era novidade”.

Eu até simpatizo com o bispo. Sou professor de teologia e compreendo a tentação de perdermos noção do essencial. Conseguimos envolver-nos seriamente e de forma sincera na explicação de detalhes fascinantes (para nós) dos sacramentos, da liturgia ou da ética ao ponto de esquecermo-nos que toda esta conversa deve apontar para Jesus Cristo. Entusiasmados com isto é fácil esquecer que o que marca a diferença é que, nas palavras de São Paulo: “Pregamos a Cristo crucificado”. Este dado central da fé é tão importante, insiste Paulo, que “se Cristo não ressuscitou, então pregamos em vão”, como é vã a fé da Igreja. De facto, quando os coríntios escrevem a Paulo a suplicar-lhe que resolva as suas divisões, ele diz simplesmente: “Nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado”.

Charles Spurgeon, o grande pregador evangélico do século XIX, escreveu certa vez (ao estilo de São Paulo) que, “O lema de todos os verdadeiros servos de Deus deve ser ‘Pregamos a Cristo, e este crucificado’”. “Nada de Cristo na sua homilia senhor?”, pergunta ele aos jovens aspirantes a pregadores, “então vai para casa e não voltes a pregar”. “Se um homem consegue pregar uma única homilia sem mencionar o nome de Cristo”, diz noutra passagem, “então essa devia ser a sua última – certamente devia ser a última que qualquer cristão se esforça para o ir ouvir pregar”.

Ao longo dos últimos meses tenho argumentado neste espaço que o ensinamento moral da Igreja se baseia na “Boa Nova” do Evangelho de Jesus Cristo, a sua revelação encarnada do amor de Deus, a sua morte sacrificial na Cruz que nos remiu dos pecados e a sua promessa revelada pela sua gloriosa ressurreição dos mortos do envio do seu Espírito Santo. O nosso objectivo é “ter a vida e tê-la em abundância”. Muitas pessoas confundem o florescimento humano com dinheiro, poder, fama, ou prazer. A Igreja oferece algo melhor, algo mais.

As proibições da Igreja devem sempre ser vistas à luz dos ensinamentos positivos sobre o florescimento humano e a nossa suprema bem-aventurança, em comunhão com o Deus Trino. Temos de continuar a repetir esta visão positiva do florescimento humano para não corroborar a caracterização mediática dos cristãos como negativistas. A nossa obrigação é pregar o Evangelho como “Boa Nova” e não como “Má Nova”.
Charles Spurgeon

Quando perdemos de vista a “Boa Nova” de Jesus Cristo tornamo-nos apenas mais um grupo político. Pregamos a “justiça social”, por exemplo, mas nada nos distingue de quaisquer outros liberais, porque fugimos das questões de defesa da vida. Ou então pregamos os “valores da família”, mas nada nos distingue dos capitalistas do laissez-faire, porque evitamos os ensinamentos muito claros da Igreja sobre a primazia do trabalho e a dignidade da pessoa humana.

O ensinamento moral católico deve ser lido em contexto – isto é, no contexto cristão. Os católicos são convidados a exercer uma “opção preferencial pelos pobres”, não porque acreditamos na luta para estabelecer a ditadura do proletariado, mas porque acreditamos na dignidade infinita de cada ser humano. Os católicos são exortados a trabalhar com dedicação e a obedecer as leis legítimas do Estado, não porque isso engrandecerá a nossa pátria, mas porque acreditamos na dignidade e no valor do trabalho do homem como acto de comunhão para o bem comum.

Em cada uma das suas encíclicas, João Paulo II repetiu esta frase do Gaudium et Spes: “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. (...) Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime. Não é por isso de admirar que as verdades acima ditas tenham n'Ele a sua fonte e n'Ele atinjam a plenitude.” E foi Bento XVI quem escreveu que “cada tradição está infectada com as forças do anti-humano, que impedem o homem no seu esforço de se tornar ele mesmo”, e que, por isso, “a Igreja conhece apenas uma tradição salvífica: a tradição de Jesus”.

Por isso, quando estivermos a ensinar ou a estabelecer regras, temos de encontrar formas de comunicar ao nosso interlocutor que todas estas regras existem para nosso benefício, para o florescimento final e para uma alegria de seres humanos completos – não apenas na próxima vida, mas nesta também. O pecado, nesta perspectiva, é destruidor de vida; Cristo é restaurador de vida. Por isso, tal como Paulo, devemos primeiro pregar Cristo e deixar que tudo o resto (muito do qual é absolutamente crucial) siga daí.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Outubro 2013 em The Catholic Thing)


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