Brad Miner |
O William E. Carroll escreveu recentemente
numa destas colunas que uma das “marcas do pontificado do Papa Francisco
tem sido a chamada de atenção para a pobreza no mundo”.
Penso que o Papa o está a fazer por duas razões: Os pobres,
que sempre teremos connosco, precisam da nossa ajuda – nalguns casos, de forma
urgente. Esta ajuda está no âmago da nossa própria salvação, como o Papa deixa
bem claro na história dos bodes e das ovelhas: em qualquer pessoa a quem damos
comida, abrigo ou amor, servimos Jesus. E ao rejeitar os necessitados,
rejeitamos o Senhor.
Mas, como digo, há ainda outra razão.
Quando São Francisco rezava nas ruínas da Igreja de São
Damião, Cristo disse-lhe: “Francesco, va
ripara la mia chiesa”. Francisco, vai reparar a minha Igreja. O Papa
Francisco ouviu um apelo semelhante e está a abandonar muita da pompa
tradicional dos papas: Vivendo na casa de Santa Marta e escolhendo um Renault
com 30 anos para passear pelo Vaticano, levando os especialistas a brincar,
dizendo: “Eis um homem que acredita no poder da oração”.
Diz-se que o Papa tem inspeccionado os parques de
estacionamento do Vaticano, à procura de carros de luxo pertencentes a clérigos
e apelando aos padres para que usem modelos mais básicos, de preferência em
segunda mão.
Só estive uma vez no Vaticano, e foi das experiências mais
fascinantes da minha vida. Mas existe muita opulência. Vêem-se cardeais a ir e
a vir e a expressão “príncipes da Igreja” parece apropriada. Consigo entender
porque é que algumas pessoas considerariam a beleza e o cerimonial
extravagantes do Vaticano contraditórios com a “opção preferencial pelos
pobres”.
Jesus não
tinha posses. Nunca procurou riqueza. Na verdade, Ele viveu a vida mais
simples, menos materialista que possamos imaginar, e alertou-nos para não
“acumular tesouros na Terra”.
Não era esta a vida seguida por São Francisco e reconhecida
pelo Papa Innocêncio III como essencial para reacender a verdadeira
espiritualidade cristã?
Tudo isto deve recordar-nos, como diz o Prof. Carroll, do
que “devia ser uma atitude saudável e espiritual para com as posses materiais”.
Ainda assim, os esforços do Papa para chamar atenção para os pobres não devem
reduzir-se a mera “acção social”, como se a busca do bem-estar dos outros possa
preencher os requisitos da missão cristã sem um fundamento na fé propriamente
dita.
Penso que há ainda outra questão a sublinhar.
O Prof. Carroll diz que a Igreja “sempre ensinou que o mundo
material é bom” e é importante irmos ao fundo das implicações deste ensinamento
que, no meu entender, é este: A criatividade, o esforço e a produção não devem
ser restringidos pelas concepções materialistas ou anti-materialistas do
Cristianismo. Homo faber, o homem
criador, é feito à imagem de Deus, ao contrário de qualquer outra das criaturas.
As pessoas devem trabalhar para viver e algumas pessoas elevarão o trabalho a
um tipo de sacramento.
Há algum tempo escrevi um conto sobre arqueologistas a
trabalhar na Galileia que encontravam a casa e a carpintaria de José, Maria e
Jesus. Lá, encontram uma simples cadeira de oliveira, enterrada há dois mil
anos e preservada miraculosamente. Submetem-na a testes sofisticados e concluem
que a cadeira é proporcionalmente “perfeita”. Um analista israelita afirma: “Penso
que só Deus poderia ter feito esta cadeira”.
A obra prima de Cecilia Giménez |
Jesus deve ter feito muitos objectos. Por ventura imaginamos
que algum desses objectos tenha sido devolvido por clientes insatisfeitos?
“Esta cadeira é desconfortável”, ou “a nossa mesa abana”. Imaginamos que ele
não tenha sido pago pelo trabalho?
Sem qualquer desrespeito pelos trabalhadores franceses que
fizeram o Renault de que o Papa gosta, mas tanto quanto sei de carros, os
feitos pela Mercedes, a marca admirada por Bento XVI, são melhores.
(Actualmente existem uns quantos modelos de Mercedes nas garagens do Vaticano).
Júlio II podia ter escolhido de entre centenas de artistas, e
qualquer um teria feito um trabalho aceitável no tecto da capela Sistina, mas
ele insistiu em contratar o Michelangelo. O fresco “Ecce Homo” (1930) em
Zaragoza, pintado pelo artista Garcia Martínez, pode não ser equivalente ao
trabalho de Michelangelo, mas o trabalho de “restauro” pela “artista”
octogenária Cecilia Giménez por sua própria iniciativa, não deixa de ser uma
profanação.
Esta é a realidade da criatividade humana: transcendente,
grande, boa, aceitável, má, péssima. Qualquer sugestão, mesmo deixando de lado
os extremos, de que o grande e o mau devem ser valorizados de igual forma não
faz qualquer sentido. O trabalho de um grande artista vale mais do que a de um
mau, e é assim que deve ser. Ninguém quer sentar-se em cadeiras desconfortáveis
ou mesas que abanam. A beleza, a funcionalidade e a durabilidade têm um preço.
É verdade que a boa arte não cessou de existir até na União
Soviética – o “realismo socialista” também exigia técnica – apesar de os
artistas serem restringidos quanto a matéria e estilo. Mas em todo o espaço
abrangido pelo Pacto de Varsóvia a inovação industrial e comercial, que é tanto
uma expressão de criatividade como as belas artes, foi basicamente depreciado.
Luigi Barzini visitou uma fábrica de tractores num dos países do bloco
soviético, onde um dos comissários da indústria lhe mostrou, orgulhoso, filas
de produto acabado. Barzini, que tinha visitado fábricas americanas, reconheceu
o que a empresa era de verdade: um museu de tractores.
Frequentemente, por detrás destes apelos à “justiça económica”
existe um erro de fundo: a ilusão da igualdade, frequentemente acompanhados da
supressão da criatividade. Claro que todos somos iguais à luz do amor de Deus e
dos direitos que dele emanam. Mas um Renault não é um Merceds, tal como o
trabalho da Cecilia Giménez não é comparável com a do Michelangelo.
Não pretendo julgar o seu pontificado, mas diria que o facto
de o Papa ter escolhido um Renault tem um lado positive e outro negativo. Enquanto
um mero apelo à simplicidade, traz uma lição importante, desde que não o
confundamos com um incentivo a pensar que aquilo que é materialmente pior é
espiritualmente superior.
(Publicado pela primeira vez na Segunda-feira, 21 de Outubro
2013 em The
Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador senior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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