Não. Se adormeceres passa mais depressa. |
Como quase tudo o que diz respeito à Igreja Anglicana, esta
história é tremendamente complexa. Vou tentar por isso desvendá-la, imaginando
uma conversa imaginária com alguém que não sabe nada sobre o assunto.
Então o que é que se
passou?
A Igreja de Inglaterra, a mais antiga e influente das
igrejas da Comunhão Anglicana, rejeitou uma proposta que permitira a ordenação
episcopal de mulheres. Ou seja, na Igreja de Inglaterra não vai haver mulheres
bispo tão cedo, pelo menos mais cinco anos, de acordo com as regras internas.
Uma maioria votou
contra, foi?
Não. A esmagadora maioria votou a favor. Mas a Igreja
Anglicana tem um sistema que obriga a que este tipo de decisões seja tomada por
maioria de dois terços em cada uma das câmaras do sínodo, a dos bispos, a do
clero e a dos leigos. A câmara dos bispos, actualmente, é composta só por
homens. A do clero e dos leigos tem homens e mulheres. Globalmente três quartos
dos membros do sínodo votou a favor.
Portanto foi mais um
caso em que os bispos, só homens, impedem o avanço social contra a vontade dos
padres e leigos esclarecidos?
Também não. Os bispos votaram esmagadoramente a favor, os
padres também. Foi na câmara dos leigos que a medida foi chumbada, por uma unha
negra, mais precisamente seis votos.
Quem é que é contra?
A Igreja Anglicana tem muitas facções. Entre elas a facção
dos anglo-católicos e dos evangélicos. Os anglo-católicos são conservadores do
ponto de vista litúrgico e depois alguns também são conservadores do ponto de
vista teológico. Os evangélicos tendem a ser conservadores do ponto de vista
teológico e liberais do ponto de vista litúrgico.
Neste caso a oposição vem de uma aliança entre
anglo-católicos e evangélicos conservadores.
Mas não há mulheres
bispo na Igreja Anglicana?
Há, mas não na Igreja de Inglaterra. O que levanta uma
situação algo estranha de uma igreja que rejeita a ordenação episcopal de
mulheres se encontrar em comunhão com outras, como por exemplo o Canadá,
Austrália e Nova Zelândia, que aceitam. Aliás, nos Estados Unidos a Igreja é
mesmo chefiada por uma mulher.
Mas em Inglaterra não
há ordenação de mulheres, é isso?
Pelo contrário, há ordenação de mulheres mas só para o
diaconado e para o sacerdócio.
Uma mulher padre a fazer figas antes da votação |
É mais complicado do que parece. Para começar eles não
aceitam mulheres no sacerdócio e, na esmagadora maioria dos casos, estão
reunidos em paróquias que são servidas exclusivamente por homens.
Mas há aqui uma diferença importante. É que para um cristão
que não aceita a ordenação de mulheres qualquer acto sacerdotal que ela
pratique é nulo. Por isso, a Eucaristia celebrada por uma mulher não seria um
acto verdadeiro, não haveria consagração, por exemplo. Isto é importante para
os anglo-católicos. Para os evangélicos é a questão da tradição de os líderes
das comunidades cristãs serem homens, uma vez que não tendem a acreditar na
Eucaristia e nos outros sacramentos que dependem do sacerdócio, como acreditam
os católicos e os anglo-católicos.
A diferença é que os bispos podem ordenar sacerdotes e aí o caso muda de figura, porque para quem não acredita na validade das ordens femininas, isso implica introduzir na linhagem episcopal ordens inválidas, o que por sua vez afecta todos os outros sacramentos. Por exemplo um homem que fosse ordenado por uma mulher não seria um padre válido, e por conseguinte os sacramentos que celebrasse seriam inválidos etc. etc. etc.
Então nunca vai haver
mulheres bispo na Igreja de Inglaterra?
Provavelmente vai. Se forem respeitadas as regras da própria
Igreja, então o assunto só pode voltar a ser discutido daqui a cinco anos.
Veremos nessa altura se os conservadores consolidaram a sua posição ou ficaram
mais fracos. Mas há a possibilidade de o Governo e os tribunais intervirem
antes disso.
Como?
A Igreja de Inglaterra é a confissão oficial do Estado, por
isso tem de responder perante o poder político. Os políticos ficaram furiosos
com a decisão de ontem e já se fala em acabar com a isenção que a Igreja tinha
em relação à lei da igualdade, que proíbe a discriminação laboral em função do
sexo. Se isso acontecer a medida poderá mesmo ser imposta judicialmente ou politicamente.
A acontecer isso levantará toda uma outra discussão sobre liberdade religiosa…
Mais dúvidas? É também para isso que existe a caixa de
comentários, tentarei fazer os possíveis para vos esclarecer.
Filipe d'Avillez
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