Wednesday 5 August 2020

O Exemplo de São Jean Vianney

Michael Pakaluk
O verão de 1859 viu começar a Corrida ao Ouro em Pike’s Peak. Amhurst e Williams jogaram o primeiro jogo de basebol interuniversitário. Em Outubro John Brown tomou de assalto o Ferry de Harper mas viria a ser capturado pelas forças de Robert E. Lee e enforcado no dia 2 de Dezembro. E foi precisamente nesse dia que morreu, na sua aldeia em França, o Santo Cura d’Ars, Jean Baptiste Vianney, aos 73 anos. 

A beatificação e a canonização de Vianney foram das mais rápidas dos tempos modernos, antes das reformas promovidas pelo Papa João Paulo II. Pio X beatificou-o em 1905 e no dia 31 de maio de 1925 foi canonizado por Pio XI.

Num artigo recente referi-me à conhecida citação de S. Josemaria Escrivá, de que “as crises do mundo são crises de santos”. Podemos concordar com essa frase, mas ainda assim não compreender bem o seu alcance. O seu significado parece variar tanto em relação ao indivíduo, e à própria crise, como o conceito de santidade. Consideremos os exemplos de Juan Diego, Tomás Moro, John Henry Newman, madre Teresa e João Paulo II. Mas por hoje consideremos Vianney.

Em retrospectiva, Vianney parece ser um de vários padres e religiosos criados na sequência da Revolução Francesa para trazer França de volta à fé. Era um rapaz durante o Reino de Terror da Revolução Francesa. Assistiu à execução de padres e ao encerramento de igrejas por ordem das autoridades civis. Mas, para ele, a necessidade de padres tornou-se ainda mais palpável, e não menos. E não era caso único. Entre os que foram ordenados diáconos com ele em Lyons estavam Marcellin Champagnat (canonizado por João Paulo II em 1999) e Jean-Claude Colin, fundador dos padres maristas.

Mas embora os santos sejam as respostas às crises, não aspiram a ser “respostas às crises” – nem, pode-se dizer, seriam santos se o fizessem. Aspiram a amar Deus de forma apaixonada, independentemente das crises. O biógrafo de Vianney, Joseph Vianney, interpreta as conhecidas dificuldades do padre com o Latim e a Filosofia à luz disto mesmo.

Do ponto de vista humano, escreve Joseph, pode-se pensar que a crise em França seria confrontada por apologética brilhante na Sorbonne, ou pela bela oratória na catedral de Notre Dame. Mas a Igreja estava ainda mais necessitada de párocos rurais. “para demonstrar, pela santidade das suas vidas, a verdade do Evangelho, no qual as pessoas tinham deixado de crer. A criança de Dardilly havia sido escolhida, de entre todas as outras, para ser o modelo desses santos padres, que são indispensáveis para a execução do plano divino.”

Anos mais tarde um sacerdote trouxe ao confessionário do Cura d’Ars um problema de consciência complexo, que tinha confundido os maiores teólogos morais, e viu que foi resolvido de forma imediata, elegante e convincente pelo simples pastor. Perguntou a Vianney onde tinha obtido um conhecimento teológico tão astuto e o santo respondeu apontando ao genuflectório.

O Cura estava profundamente convicto da sua própria indignidade e não retirava qualquer consolo da sua virtude. Rezava ardentemente para que não se tornasse o centro das atenções. Por exemplo, através das suas orações milhares de peregrinos a Ars foram curados de males físicos. Mas, aparentemente em resposta às mesmas orações, nunca eram curados imediatamente. Ele dizia-lhes para regressarem a casa e rezarem uma novena a Santa Filomena – e ao nono dia eram curados, sem atenções, longe de Ars.

Já é bem sabido que ele passava 16 a 17 horas por dia no confessionário. Isso em si já é espantoso. Mas depois lembrem-se que a Igreja não era aquecida. Ele brincava que ao fim de cada dia, no inverno, via os seus pés antes de os conseguir sentir. Tocava-os, dizia, para se assegurar de que ainda lá estavam.

No pico do verão os peregrinos que aguardavam em filas podiam sair durante alguns momentos para respirar ar fresco, de forma a não desmaiar. Mas ele passava o tempo todo atrás de uma cortina, dentro de uma caixa, alimentado pelo respirar dos penitentes e, frequentemente, pelo seu cheiro.

E essas 16 ou 17 horas eram passadas a ouvir pecados. Esta era a grande causa do seu sofrimento. “Desfaleço com melancolia nesta terra maldita”, disse, certa vez, a um colega padre. “A minha alma está numa tristeza de morte. Os meus ouvidos nada ouvem se não coisas dolorosas que partem o meu coração com tristeza”. O seu biógrafo compara-o a São Pedro, obrigado a assistir à Paixão do Senhor durante 17 horas por dia.

Dormia em cima de tábuas, apenas algumas horas por noite, suportando dores crónicas. Só a graça e o amor podem explicar a energia que sentia durante o dia. A comida que consumia diariamente não chegaria para uma pessoa sobreviver por meios naturais. Mais tarde, por obediência, passou a tomar um bocado de pão com leite depois da missa. O seu biógrafo conta-nos um incidente revelador. “O irmão Jerome, que estava frequentemente presente durante este leve repasto, notou que ele consumia o pão primeiro e só depois bebia o leite. ‘Mas, Monsieur le Curé’, observou ele um dia, quando viu a dificuldade com que ele engolia o pão, ‘se molhasse o pão no leite, seria muito melhor’. ‘Sim, eu sei’, respondeu Vianney, suavemente.”

A vida de um pároco era muito mais difícil do que a de um religioso, dizia ele. “Pensa-se que aquilo de que um padre precisa é de meditação, oração e união íntima com Deus. Mas o cura vive no mundo; conversa, mistura-se com a política, lê os jornais, tem a cabeça cheia destas coisas; depois vai ler o seu breviário e celebra missa; e faz tudo isto como se fosse uma coisa normal!”

De facto! As suas palavras aplicam-se tanto a leigos como a padres seculares. E as crises deste mundo são crises de santos.

 

Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 4 de Agosto de 2020)

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