“E nós a confessar-nos a estes tipos.” Com esse o
comentário, a minha falecida avó revelava um momento de severa lucidez no
meio da sua demência, enquanto via uma reportagem sobre o primeiro escândalo de
abusos sexuais por parte do clero, em 2002. A minha avó era uma católica
nova-iorquina, de ascendência irlandesa, que em toda a sua vida não faltou à
missa um único domingo. Em relação ao fragilizado e quase esquecido sacramento
da confissão, aposto que não foi a única a pensar desta maneira.
Dezasseis anos mais tarde esta nova ronda de escândalos
clericais e episcopais volta a infligir diversas feridas no coração: os danos
irreparáveis às vítimas, a cumplicidade com o pecado, o cheiro nauseabundo do
abuso de poder. Com cada facada no coração vem também um murro no estômago:
aqueles que têm por função convidar-nos a viver uma vida moral – e chamar-nos à
atenção se falharmos – têm estado a viver uma vida dupla.
Poucas coisas fazem os homens e as mulheres comuns perder
a cabeça mais do que a hipocrisia, e os padres e bispos abusadores são,
possivelmente, os piores dos piores hipócritas.
Então porque é que havemos de continuar a ir
confessar-nos a um padre, quando é bem possível que ele tenha manchas ainda
mais feias que as nossas na sua alma? Quem é ele para me ensinar a viver?
A resposta: Ele não é ninguém. E é precisamente por isso
que podemos, e devemos, continuar a confessar os nossos pecados a padres,
semana após semana, mês após mês, ano após ano.
Quando Cristo edificou a sua Igreja sobre os apóstolos,
não foram as suas capacidades humanas que a fizeram funcionar e crescer.
Daquilo que a Sagrada Escritura nos diz sobre os apóstolos, a Igreja não teria
sobrevivido um único dia se fosse esse o caso. Pelo contrário, Cristo concedeu
a estes homens os seus poderes divinos para usarem: “Soprou sobre eles e
disse-lhes, ‘Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoares os pecados,
ser-lhes-ão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos’” (João
20, 22-23).
O poder infalível que Deus confiou à Igreja através de
Cristo transcende os limites das mãos falíveis a quem é confiado através do
sacramento da ordem. No confessionário o padre não age pela sua autoridade, mas
pela da Igreja, para cujo serviço foi consagrado. Quando confessamos os nossos
pecados, não é o padre quem nos perdoa, mas Cristo que age através dele. A identidade
ou os actos do padre não inibem a graça que Deus nos quer dar através dos sete
sacramentos que estabeleceu.
É essencial compreender que a Graça de Deus que os
Sacramentos nos transmitem não depende do estatuto do transmissor, pois isso recorda-nos que a nossa Igreja é de Cristo, e não dos homens. Mas, ao mesmo
tempo, continua a existir ao nível humano um sentimento de desilusão. Não queremos
apenas saber que os nossos pecados foram perdoados, ou que recebemos a graça de
Deus, embora isso nos deva bastar, queremos também sentir o amor de Deus.
Não há como negar que participar numa missa ou receber a
absolvição de um padre santo e devoto é muito mais edificante, espiritualmente
e pessoalmente, do que uma missa transformada num espetáculo de folclore, ou a
confissão a um padre distraído ou mal-educado. Normalmente não podemos alcançar
o divino sem o representante humano. O nosso desafio é não permitir que o
humano nos desencaminhe do divino.
Jesus mostrou estar bem ciente desta dificuldade durante
o seu ministério. Criticou ferozmente os fariseus da sua altura por causa da
sua hipocrisia, chamando-os tolos cegos, serpentes, ninho de víboras e túmulos
caiados. Mas por entre essas denúncias incríveis, Jesus chama-nos a obedecer. “Os
escribas e os fariseus sentam-se no trono de Moisés, por isso façam e observem
o que eles vos dizem” (Mat. 23, 2-3).
Obedecemos por causa do seu cargo, não por quem são como
indivíduos nem pela forma como se comportam. Jesus é claro: Façam os queles
dizem, não o que eles fazem.
Por isso devemos obedecer aos mandamentos morais e
espirituais que Cristo deixou à sua Igreja, para passar às gerações seguintes.
Devemos permanecer castos, confessar os nossos pecados a padres quando falhamos
e receber o perdão de Deus através do sacramento da cura que o padre administra
– independentemente de o padre no confessionário ser um santo ou um malandro,
celibatário ou hipócrita.
E que fazer quando o elemento humano em nós tiver
dificuldades em ultrapassar a hipocrisia, a banalidade ou a má educação que
possamos encontrar? Como é que havemos de responder a estes fatores externos
que dificultam o nosso caminho para o divino?
Talvez este seja o desafio de Deus para os leigos desta
época: Ele está a purificar a nossa fé, mostrando-nos que a fé é mais do que
apenas sentimentos, emoções e agradáveis interações humanas. A verdadeira fé
consiste na confiança em Deus, assente na certeza de que Ele nos ama e quer
dar-nos a sua graça. A verdadeira fé requer a nossa aceitação da Cruz e na Cruz
não existe consolo humano, apenas a nossa fé de que Deus está connosco.
E independentemente de como nos sentimos, sabemos que a
nossa fé não é vã.
David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José,
em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges
of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 17 de
Outubro de 2018 no The Catholic Thing)
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