Randall Smith |
Estávamos a estudar o maravilhoso livro de Josef Pieper “As
Quatro Virtudes Cardinais” e a falar de justiça distributiva. O comentário foi
feito por uma jovem mórmon, mãe de quatro, e a minha primeira reacção foi
perguntar: “Josef Pieper, o devoto tomista, um comunista?”, mas quando uma mãe
de quatro filhos nos faz uma pergunta sincera, temos de a levar a sério.
Mas recuemos um pouco. “Quando é que se pode dizer que a
justiça prevalece numa nação?”, pergunta Pieper. Na linha de São Tomás, Pieper
responde que “a justiça predomina numa comunidade ou num estado sempre que as
três relações básicas, as três estruturas fundamentais da vida comunal, estão
dispostas pela sua ordem correcta”: as relações dos indivíduos uns com os
outros (justiça comutativa); as relações do todo social com os indivíduos
(justiça distributiva); e as relações dos indivíduos para com o todo social
(justiça legal ou geral).
A justiça, enquanto virtude, situa-se sempre em indivíduos.
Mesmo a justiça do Estado é confiada a agentes individuais: o
primeiro-ministro, o Presidente, legisladores e juízes. Mas as relações entre
indivíduos podem mudar, e não compreender isto pode conduzir a sérios
problemas.
Um Presidente não deve tratar os cidadãos como se fossem
seus filhos, nem uma mãe deve educar os seus filhos como se fossem cidadãos com
direito de votar sobre as regras que os governam. De igual modo, a obrigação de
pagar impostos difere da obrigação de pagar ao canalizador. E a protecção legal
que me é devida pelo Estado é bastante diferente do dinheiro que o meu chefe me
deve a mim.
As pessoas que não compreendem a diferença entre justiça
comutativa e justiça distributiva dizem coisas do género: “Eu pago, e bem, por
aquelas escolas (ou estradas, ou pontes, ou bibliotecas públicas), mas não
beneficio delas. Quero o meu dinheiro de volta”. Mas quando pagamos ao
canalizador, esperamos serviço. Se ele não arranjar os canos, não lhe pagamos.
Mas não estamos a contratar um serviço ao Governo.
Os impostos que pagamos ao Governo servem para apoiar o
bem comum, e os representantes do Estado distribuem-no da melhor forma que
podem, para servir o bem comum. O facto de eu usar pessoalmente as escolas, as
autoestradas ou as bibliotecas, é irrelevante. Posso não ter filhos, mas uma
população educada é boa para todos. E talvez pague impostos mais altos do que a
malta que vive do outro lado da cidade, mas a sua necessidade de boas escolas é
tanta, ou talvez até maior, que a minha.
Também acontece ouvir certo tipo de pessoas privilegiadas
a dizer algo deste género a um agente da polícia: “Eu pago o seu salário! Eu paguei por esta estrada. Devia
poder conduzir nela como me apetecer.” Outras pessoas acham que merecem um
serviço mais lesto por parte do Estado porque pagam mais em impostos.
Trata-se de confundir a justiça comutativa com justiça
geral, ou legal. Quando pagamos ao homem que nos corta a sebe, podemos
dizer-lhe para fazer o que nós quisermos, mas não estamos a “pagar” pela
autoestrada ou pela polícia da mesma forma. O Código da Estrada existe para a
segurança de todos e nós temos uma obrigação para com todos os outros nessa
estrada pública. Os ricos não devem ser tratados melhor pela polícia, juízes,
ou outras entidades públicas, e os estados que oferecem um tratamento diferenciado
para quem paga mais estão a distorcer a relação com os seus cidadãos.
Os individualistas coerentes tendem a criticar a noção de
justiça distributiva porque acreditam que os indivíduos estão sempre a lidar
com outros indivíduos. Logo, cada forma de justiça é, desta perspectiva, apenas
mais uma forma de justiça comutativa.
Josef Pieper |
A crítica colectivista dos três tipos de justiça, por
outro lado, é bastante diferente. Para o colectivista, diz Pieper, “não existe
tal coisa como um indivíduo capaz de entrar numa relação por si. Acima de tudo,
não existem relações entre indivíduos. A vida do homem é de caracter inteiramente
pública, porque o indivíduo só pode ser definido através da sua pertença ao
todo social, que é a única realidade”.
Daí que existam pessoas que nos querem negar o direito à
propriedade privada, ou que pensam que cada relação, incluindo a sua relação
com o canalizador, deve ser subordinada a preocupações étnicas ou políticas. Em
vez de “o meu” amigo, ou “o meu” canalizador, agora somos ambos meros co-funcionários
no seio do todo político.
O resultado é que “todas as relações humanas são (…)
subordinadas ao critério do desempenho de uma função, e podem deixar
abruptamente de existir quando eu não me conformar à norma estipulada”.
És “meu” amigo? Se tens as opiniões erradas ou votas nas
pessoas erradas, não és. “Contrataste
um canalizador que votou Trump? Como é possível?”. Talvez porque ele
sempre trabalhou de forma honesta e boa, e nunca me engana. A minha relação com
ele é governada pelos padrões da justiça comutativa, não pela justiça
distributiva nem a geral.
A partir do momento em que pensamos que aquilo que é “legal”
expressa por inteiro aquilo que devo à comunidade ou à minha família, ou quando
achamos que a nossa relação com a comunidade é equivalente à que temos com uma
empresa quando contratamos um serviço, estamos a cometer um erro. “A própria
essência de justiça está ameaçada”, conclui Pieper, “no momento em que estas
três estruturas fundamentais da vida comunal, e por isso as três formas básicas
de justiça, simplesmente deixam de existir”.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
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