Pe. Paul Scalia |
Na encíclica Pascendidominici gregis, o Papa Pio X invoca a bem-aventurada Virgem Maria com o
título “Destruidora de todas as heresias”. Este curioso título tinha um sentido
particular nessa encíclica, escrita em 1911 contra o modernismo, a “síntese de
todas as heresias”. Perante tal crise, era apropriado apelar à “Destruidora de
todas as heresias”. O título, contudo, ainda se aplica. Na verdade, descreve
algo que sempre foi verdade sobre Nossa Senhora – e que talvez seja ainda mais
urgente agora.
Mas como é que Maria destrói as heresias? Maria nunca
pregou uma homilia contra qualquer erro. Nunca conduziu uma inquisição nem
excomungou ninguém. E nunca, valha-nos Deus, apresentou um artigo numa
conferência teológica.
Então como? Bem, em primeiro lugar olhem para o zelo que
ela inspira. Uma característica típica dos defensores da fé é que têm uma
devoção – muitas vezes encantadoramente infantil – por Nossa Senhora. De Santo
Ireneu, escrevendo contra as heresias no século II a São Domingos, pregando
contra os albigenses no XII, até São João Paulo II advertindo contra os erros
do nosso tempo, a devoção a Maria tem sido sempre uma marca dos defensores da fé.
Num belo paradoxo católico, estes homens tornaram-se defensores ferozes da fé
depois de se tornarem como crianças diante dela. A devoção a Maria faz-se acompanhar
de pureza de alma e daí vem clareza mental.
Também podemos pedir a sua intercessão. Só na eternidade
é que saberemos como isso funciona. Entretanto temos a certeza de que a Igreja
tem sido livrada, vezes e vezes sem conta, das trevas e do erro porque os fiéis
clamaram por ela quando precisavam.
Mas acima de tudo, ela é a “Destruidora de todas as
heresias” em virtude do que é. É a verdade de quem ela é – ou, antes, a verdade
do que Deus fez por ela – que derrota as heresias. O seu ser guarda a verdade
sobre Deus e o homem.
Vemos isto muito cedo na história da Igreja. Quando o
Concílio de Éfeso definiu solenemente que Maria era a portadora de Deus – a Theotokos
– essa foi outra forma de defender a divindade de Cristo. O facto de Nestório
se ter recusado a reconhecer Maria como Mãe de Deus alertou os outros pais
conciliares para erros em relação ao seu Filho. Proclamar a verdade sobre Maria
é proclamar a verdade sobre Jesus Cristo. No século XIX, a definição solene de
Pio IX da Imaculada Conceção defendeu a iniciativa da Graça de Deus contra o enamoramento
da modernidade pelo engenho humano e o desejo crescente por autonomia humana
total.
Hoje vemos outra dimensão de Maria enquanto destruidora
de todas as heresias: A sua defesa das verdades sobre a pessoa humana. Mais
especificamente, através da sua Assunção, ela revela e destrói o erro que agora
nos atormenta: o erro sobre o corpo humano. A heresia moderna (que se vê acima
de tudo na gnóstica ideologia do género) é a renovação de um erro antigo e
recorrente. Em vez de reconhecer no homem uma alma incorporada, vemos uma alma
que calha ter, ou que está cativa dentro de, um corpo.
Desse ponto de vista, ser humano implica ter uma alma – e
fazer com o corpo aquilo que se deseja. O corpo torna-se um brinquedo, uma
ferramenta, uma posse, uma maldição, etc. Devemos saciá-lo enquanto tiver saúde
e descartá-lo quando deixar de ser útil. O corpo nada significa nem nos diz
nada sobre nós mesmos. Pode-se ser uma coisa fisicamente mas outra
espiritualmente.
Este é um erro perene precisamente porque todos nós
experimentamos até certo ponto uma des-integração do corpo e da alma. Através
do pecado original perdemos a integridade original, incluindo a união perfeita
entre corpo e alma que Deus desejava desde o início. A diferença agora é que
esse desconforto foi elevado ao nível de ideologia e essa ideologia está a ser
imposta pelos manda-chuvas culturais e governamentais.
Maria, assumida ao Céu, revela a verdade e revela os
erros. Todos os santos estão no Céu em espírito. Esperam pelo dia final, quando
os seus corpos serão ressuscitados e reunidos com as suas almas. Mas Nossa
Senhora, assumida já de corpo e alma no Céu, goza já da perfeição na inteireza
da sua natureza humana. No seu próprio ser ela ensina-nos sobre a união
essencial entre corpo e alma.
A sua assunção deve ser entendida como estando de acordo
com toda a sua vida. Através da Imaculada Conceição, Maria é livre do pecado
original e dos seus efeitos. Não sofre de oposição entre corpo e alma, como
nós. A sua virgindade perpétua confirma e revela ainda mais esta união
perfeita. O seu corpo e alma são tão perfeitamente um que o seu corpo participa
de, e manifesta, o dom espiritual perfeito de si para Deus.
Com essa graça singular que é dada à Nova Eva – na sua
Assunção – somos recordados daquilo para o qual fomos criados e vemos uma
proclamação daquilo que a Graça de Deus pode conseguir. Vemos que Deus nos
criou como uma unidade entre corpo e alma. O corpo e a alma do homem são um, e
uma sociedade organizada à volta de um conceito de oposição entre eles é
contrária ao seu bem. Mais, a Graça de Cristo reconcilia-nos com Deus e, por
isso, connosco próprios. Encontramos na oração e nos sacramentos da Igreja o
remédio que cura a divisão que existe em nós.
As velhas orações em Latim suplicam a graça pelo poder de
Maria assumpta. Não só pela Assunção de Maria, mas por Maria Assumida –
Maria, a que foi Assumida. Este termo chama atenção não só para um evento, mas
para um estado de ser. Ela própria, em virtude do que Deus fez por ela,
assiste-nos.
Roguemos-lhe mais e mais enquanto nos esforçamos por
viver a integridade de corpo e de alma nas nossas próprias vidas e, ao mesmo
tempo, enquanto lutamos contra as confusões da nossa cultura e os abusos do
nosso Governo.
Maria Assumpta, ora pro nobis.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 14 de Agosto de
2016 em The Catholic Thing)
© 2016
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte:info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
Excelente texto, obrigado ao autot do blog por partilha-lo em português!
ReplyDelete