Temos aqui uma
colecção de ideias e propostas, uma grande preocupação sobre Portugal. De onde
vem esta preocupação?
Não sei ao certo de onde vem, mas sei que vem de há muito
tempo. Aliás o primeiro texto do livro, que é como o início oficioso do mesmo,
porque eu só comecei a pronunciar-me sobre a realidade portuguesa em 1985/1986,
mas há um texto de 1975/76.
Claro que eu era muito novo ainda quando foi o 25 de Abril e
o PREC e eu via tudo a passar-se à minha volta e sentia e os meus pais
explicavam, que o país estava a passar por grandes transformações. Com o
decorrer dos anos fui formulando a minha personalidade, vendo o que se passava
e senti a necessidade de exprimir o que pensava, o que deveria ser diferente, o
que devia ser melhorado. Os anos foram passando, os protagonistas também, mas
eu sentia que muitos dos problemas continuavam por resolver, alguns até se iam
agravando.
Para si grande parte
destes problemas têm as suas raízes há mais de um século…
Sem dúvida alguma. A instauração da República. O meu
processo de maturação política e do meu pensamento levou tempo. Vamos
conhecendo a história, falando com as pessoas, conhecendo aspectos que não são
divulgados, propositadamente. Passado pouco tempo pude descobrir, como qualquer
pessoa pode, que antes da implantação da república havia um regime que, longe
de ser perfeito, tinha qualidades e estava em consonância com o que se passava
noutros países da Europa da altura. Havia liberdade de expressão, foi a época
da geração de 70 em que Eça e todos os seus contemporâneos puderam exprimir-se,
desenvolver-se. Rafael Bordalo Pinheiro, houve progresso material, Fontes
Pereira de Mello, e não só.
O que é certo é que a implantação da República, ao contrário
do que muitos apregoaram e as comemorações do Centenário da República há três
anos pretendeu inculcar essa ideia, que é falsa, a implantação da República não
foi uma melhoria, nem um progresso. Pelo contrário, foi um retrocesso. Portugal
e os portugueses passaram a ter menos liberdades menor liberdade de expressão,
e em termos económicos e sociais houve claramente uma degradação do Estado do
país.
Não estamos aqui
perante um incidente isolado que mudou o regime. Há aqui uma ideologia que
condena também e que identifica com outros factores, como a introdução do “casamento”
entre homossexuais, por exemplo…
Digamos que ao longo dos últimos anos tem-se visto a
hipocrisia por parte de certos políticos. Por um lado incentiva-se que a
população se pronuncie, mas ao mesmo tempo que se queixam que essa participação
não se verifica, o que é certo é que em determinados assuntos que são
fundamentais, polémicos e controversos, mas fundamentais, não é dada a
oportunidade aos portugueses de se manifestarem, e este é apenas um exemplo.
Outro exemplo ainda mais absurdo e anedótico é o acordo
ortográfico em que todo um fundamento basilar do país e da nossa identidade é
posto em causa de forma inútil e absurda, imposta de cima para baixo, contra
todos os pareceres, excepto os dos que elaboraram o dito acordo, e em que as
vozes dissonantes, que representam mesmo a maioria da população são
sistematicamente caladas.
Não há, ao contrário das grandes promessas que foi havendo
ao longo dos tempos, sobretudo depois do 25 de Abril, não há uma transparência
e uma relação de lealdade para com os cidadãos. O que é mais grave é que vozes
de outras pessoas, como eu, que têm certas ideias, sentem-se e por vezes são
mesmo postas de lado e não têm acesso tão fácil a certos meios para partilhar
as suas ideias.
É monárquico, fala
disso várias vezes, tem um percurso nesse sentido, incluindo a publicação da
obra de ficção “A República Nunca Existiu”. Mas que monarquia é que quer, tendo
em conta que muitas das monarquias europeias actuais também têm os escândalos e
as medidas que tanto critica, como o “casamento” entre homossexuais, por
exemplo.
Há que ver o que se passou, para já, na nossa história. O
que se passa em Portugal é que a discussão entre república e monarquia não é,
ou não deve ser, meramente teórica, porque já temos experiências concretas de
uma e de outra, portanto dá para comparar. Depois, podemos estar atentos com o
que se passa noutros países e aprender com os erros que se passam nesses
países.
Claro que, para já, para um país como Portugal em que o
grande problema não é só financeiro e económico, mas também de ânimo,
psicológico, em que o país precisaria de um novo dinamismo e incentivo, de uma
nova vontade para crescer e desenvolver-se, a crise não passa com esta classe
política e com esta forma de dirigir o país em que o Presidente da República,
seja quem for, acaba por se comportar, ou pelo menos é visto como tal, como um
elemento de uma facção, porque aliás ele é sempre um elemento de uma facção.
Ele nunca é eleito ou aclamado ou sufragado pela generalidade do povo português.
Portanto para um país como Portugal, com a sua história e as suas
características, a monarquia é, aliás já era e continua a ser, a melhor solução
nesse aspecto. Mas como eu digo também, num artigo que encerra o meu livro “Um
Novo Portugal”, a solução não passa simplesmente por alterar a chefia de
Estado, teria de haver, idealmente, uma completa reformulação em muitas das
instituições do país.
Tem aqui muitas
críticas. Não falta um tom de esperança?
Digamos que já houve um período em que tive mais esperança
do que tenho hoje. Na viragem do século, final dos anos 90, em que coincidiu
aqueles anos da Expo 98, todo aquele movimento foi algo de espantoso que não se
via há muito tempo, como a solidariedade com Timor. Naquela altura pensei,
“bom, talvez estejamos no caminho certo”. Mas depois as coisas complicaram-se.
Houve ali um dinamismo que não teve continuidade, não apenas por questões
políticas.
Eu não tenho dúvidas que homens e mulheres de qualidade
possam existir na esquerda e na direita, embora eu não me considere nem uma
coisa nem outra, mas o que é certo é que se os dados estão viciados à partida,
se as instituições e o modo de funcionamento já mostraram que não são os
adequados, é difícil as pessoas, por maiores que sejam as qualidades, consigam
alterar o estado de coisas, esse funcionamento.
Não tenho motivos de esperança quando, por causa desta crise
que estamos a atravessar, que nunca é demais recordar é da inteira
responsabilidade do anterior primeiro-ministro, torna-se difícil quando vemos
tanta das nossas capacidades, nomeadamente através dos nossos concidadãos,
desistirem ao ir para o estrangeiro, ou até ficando cá e desistindo de
participar e dar o seu contributo porque não têm incentivos para isso, porque
sentem coarctados os seus esforços.
Tem também textos
sobre a regionalização, um debate que se vai reacendendo. Contrapõe com o
municipalismo. O que é esse conceito, e de que modo é melhor que a
regionalização?
Tem longas tradições. Aliás isso é algo que distingue
Portugal na sua história de outros países. Tenho dúvidas que Portugal tenha
passado por um regime feudal. Portugal nasceu por causa de uma personalidade de
um rei forte. D. Afonso Henriques tinha uma personalidade fortíssima e o certo
é que sempre que na história o rei de Portugal não foi forte, o país
ressentiu-se. Portanto havia nobres com importantes papéis e contributos, prestígio
e influência, mas o crescimento de Portugal passou muito por dar voz e
autonomia, pelos forais, às populações e aos concelhos.
Por isso, apesar dos muitos abusos que se verificaram, creio
que o contributo do poder local acabou por ser mais positivo que negativo,
embora sem dúvida com alguns defeitos. Mas caramba, não vamos esperar que todas
as pessoas sejam perfeitas e é por isso que devia existir, por um lado, um
sistema de justiça que funcione, atento, eficaz. Não o temos tido. Uma
comunicação social atenta, que até certo ponto faz isso, que denuncia, que
informa, que alerta. Portanto nesse nível como em todos tudo passa por cada um
de nós, individualmente, ou integrados nas organizações em que estamos
integrados, darem o seu contributo e esforçarem-se por fazer o seu melhor, não
se conformarem, mas na situação em que estamos é difícil a pessoa não se sentir
um bocado desalentada.
Estamos a chegar ao
dia 10 de Junho. O Octávio considera que esse não devia ser o dia de Portugal.
Porquê, e que alternativa propõe?
Pura e simplesmente 10 de Junho começa por ser o dia de
Camões. É talvez a única data que podemos associar a Camões, mas é a data da
morte dele.
Aquilo que me parece incongruente é que o dia de Portugal,
em que devíamos celebrar a nossa existência, enquanto nação independente, seja
para já a data da morte de um poeta, do nosso maior vulto literário, mas que é
também a data em que Portugal perdeu a sua independência, em que a dinastia dos
Felipes entra em Portugal e assume a liderança e os destinos do país.
Para mim não faz sentido que o dia de Portugal seja da época
em que Portugal perdeu a sua independência. Outras datas haveria. Eu elenco-as,
mas creio que o dia que melhor serviria seria o 14 de Agosto, da Batalha de
Aljubarrota. Essa foi uma data a todos os níveis importante, em que Portugal
reafirmou a sua independência, consolidou a dinastia de Avis, com tudo o que
veio a proporcionar a seguir, a expansão, os descobrimentos.
Estranha-se, no seu
livro, uma ausência de referências ao papel da religião na sociedade
portuguesa…
Digamos que essa é uma questão complicada, faz parte da
minha própria evolução pessoal. A religião está sempre presente, mesmo que seja
de forma sub-reptícia, seja para mim, seja para os outros, mesmo que não
queiram assumir. O livro é feito de artigos escritos e publicados em locais e
anos diferentes, mas se isso não está claro quero que fique aqui, que é algo de
que me orgulho, da tradição cristã portuguesa, que não deve ser posta em causa.
É um debate que passa também pelo resto da Europa, em que o Cristianismo nas
suas diferentes facetas parece estar sob ataque de um politicamente correcto
que em alguns aspectos assume formas de verdadeiro totalitarismo.
Por isso, valores que são totalmente contra os nossos
princípios de sociedade ocidental de tolerância e desenvolvimento acabam por
surgir. Defender o Cristianismo, e não estou com isto a dizer que não deve
haver tolerância para os outros, é um valor que deve ser preservado, se não na
sua vertente religiosa, pelo menos na vertente social, de valores, de respeito
pelo próximo, mas respeito sem permitir que aquilo que temos de melhor seja
posto em causa.