Wednesday 21 March 2012

Jejum Quaresmal: Guerra Espiritual

Por David G. Bonagura Jr.
Aguentar este período do meio da Quaresma é um dos maiores desafios da vivência católica. O entusiasmo inicial pela penitência e reforma pessoal esvaneceu, e a Páscoa ainda está no horizonte distante. O estômago começa a dar horas e o corpo acusa a falta de comida, bebida e outros prazeres de que abdicámos. No meio do sofrimento perguntamos, “mas afinal de contas, para o que é que serve o jejum?”

Encontramos a resposta na própria liturgia. No quarto prefácio para a Quaresma (que é igual ao único prefácio da forma extraórdinária do Rito Romano [vulga missa tridentina]), rezamos a Deus: “Pela penitência da Quaresma, corrigis nossos vícios, elevais nossos sentimentos, fortificais nosso espírito fraterno e nos garantis uma eterna recompensa.” Negar os prazeres mundanos ao nosso corpo resulta em benefícios espirituais. Libertos dos desejos do mundo, concentramo-nos mais intensamente em ultrapassar o pecado e caminhar em direcção ao Senhor e às graças prometidas pelo mistério Pascal.

Claro que isto é o ideal. Mas no meio da fome e provação facilmente damos por nós a lamentarmo-nos da nossa miséria em vez de elevarmos os corações a Deus. Pior, o sentido de pena induzido pelos nossos actos de piedade podem mesmo espicaçar os nosso vícios em vez de os suprimir. Como, então, é que o jejum quaresmal pode promover o crescimento espiritual em vez do desejo pelos bens de que temporariamente abdicámos?

Na sua magnífica exegese da Quaresma, em “The Church’s Year of Grace” , o teólogo alemão Pius Parsch compara a Quaresma à guerra espiritual. A Quaresma é, sem dúvida, uma luta entre o reino de Deus e o reino de Satanás. Mas é ao mesmo tempo um combate que se trava noutra frente: dentro da alma de cada um. Neste campo de batalha defrontam-se as nossas naturezas altas e baixas, isto é, o espírito – a vida sobrenatural da alma – e a carne – a natureza humana, enfraquecida pelo pecado original (cf. Gálatas 6,8).

Parsch leu o prefácio quaresmal à luz desta batalha e da afirmação de Jesus de que não podemos servir a Deus e a Mamon. Este inclui os vícios de certos prazeres sensuais, referidos no prefácio quaresmal. O propósito da Quaresma é exirpá-los. A contenda entre Jesus e Satanás no deserto – que lemos anualmente no primeiro Domingo da Quaresma – propõe um modelo para a nossa luta. Como Jesus viria a explicar mais tarde no seu ministério, Satanás – e com ele o pecado – apenas pode ser expulso com uma combinação entre oração e jejum.

Nem todos os prazeres sensuais são vícios, mas mesmo os prazeres mais nobres podem-nos consumir a mente e desviar-nos de Deus. Quando negamos voluntariamente estes prazeres bons o espírito, agora menos sobrecarregado, pode reorientar-se para o divino. A nossa natureza caída, sedenta dos seus desejos, esbracejará em protesto e sentiremos a nossa determinação a fraquejar, mas temos de nos lembrar que estamos em guerra, e continuar a marcha.

O sucesso contra o prazer sensual deve então dar lugar à luta contra um inimigo mais traiçoeiro que é o orgulho. Mais uma vez, Parsch explica como se trava esta batalha:

A abstinência dos prazeres sensuais dá força à alma. Os prazeres do corpo são como chumbos que prendem a alma à terra; quando são removidos a alma eleva-se, qual balão, para as alturas celestiais. Agora percebe-se a importância da moderação, castidade e virgindade para o reino de Deus. O jejum, portanto, eleva a mente e concede à alma o poder de praticar as virtudes e de alcançar a santidade. Por fim, ajuda-nos a atingir a coroa da glória eterna.

Pius Parsch

A vontade é, portanto, a mais importante arma do nosso jejum quaresmal, mas só por si não é capaz da vitória total. A vontade deve ser fortificada pela oração e purificada pela confissão sacramental. As graças recebidas não destroem o inimigo, isto é, a tentação de pecar e de quebrar as nossas resoluções por Deus. Antes, elas ajudam-nos na nossa luta e tornam possível a vitória.

Uma aluna contou-me certa vez que o seu pároco aconselhou-a a não abdicar de nada durante a Quaresma, não fosse, na Páscoa, estar demasiado preocupada em consumir toda a comida de que se tinha abstido para poder concentrar-se na Ressurreição. Esta sugestão bem intencionada ignora a nossa natureza corporal e, como tal, remove a Quaresma do campo de batalha da santidade, optando antes por uma abordagem demasiado espiritual.

Quando jejuamos o nosso corpo reza juntamente com a nossa alma e aprendemos que só o pão celeste pode satisfazer os nossos mais profundos desejos. Nas palavras de Bento XVI, o “verdadeiro jejum significa comer o ‘verdadeiro alimento’, que é cumprir a vontade do Pai (cf Jo 4,34).” A Páscoa é o grande triunfo da vontade do Pai. A nossa alegria por partilhar desse triunfo é enaltecida quando oferecemos ao Senhor ressuscitado a nossa vitória no campo de batalha da Quaresma.

Com cada contracção de fome a que resistimos e com cada acto penitencial que cumprimos, os nossos corpos subjugados gritam por conforto físico. Os gritos apontam-nos a Páscoa, que nos dá a graça de conquistar o pecado e viver a vida do espírito. Orientando os nossos corpos quebrados por esta alma mergulhada em graça, sejamos considerados dignos do jejum que o Senhor empreendeu pela nossa salvação.

David G. Bonagura, Jr. é professor assistente de teologia no Seminário da Imaculada Conceição, em Huntington, Nova Iorque.

(Publicado pela primeira vez no Sábado, 17 de Março 2012 em www.thecatholicthing.org)


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