Wednesday 14 October 2015

Religião, Violência e Preconceito Ignorante

Randall Smith
Ligaram-me de um dos gabinetes de “relações públicas” da minha universidade, esta semana, a perguntar se poderia falar com um jornalista de uma estação de televisão local sobre o tiroteio na escola de Oregon.

“Porque é que querem um teólogo?”

“Porque o atirador poderá ter seleccionado as suas vítimas por serem religiosas.”

Como muitas outras, a nossa faculdade quer que os docentes aceitem estas entrevistas para que o nome da instituição apareça na televisão e as pessoas saibam que ela existe. Noutras universidades querem que os docentes dêem entrevistas para parecerem “peritos”, mas quem tiver essas expectativas terá uma grande desilusão. Os jornalistas não querem mais do que seis segundos do que quer que se seja sobre um assunto, normalmente os seis segundos mais banais e pouco esclarecedores que consigam encontrar. Assim, um perito sobre padrões de votação dirá, sagazmente: “E por isso é importante que todos votem”.

A avó dele poderia ter dito o mesmo. Mas eles vieram até à faculdade, montaram o equipamento, procuraram um bom ângulo para a câmara e filmaram-no a fazer meia dúzia de comentários inteligentes para que pudessem ficar com os seis segundos em que diz o que qualquer outra pessoa poderia ter dito. Essa frase é, provavelmente, o que eles queriam que ele dissesse à partida. Mais valia terem arranjado bonecos de ventríloquo da Disney, poupava-lhes tempo.

Mas precisamos da publicidade gratuita e eu respeito isso, por isso tento dizer que sim sempre que possível e penso num bom local para fazer a entrevista, onde o “camera man” possa obter uma boa imagem do campus. Sei que eles só procuram um “sound bite”, por isso quando aparecem digo ao jornalista: “Posso dizer estas duas frases. Se quer alguma delas então vamos despachar isto”. Normalmente ficam todos contentes, porque como eu eles também não querem perder o seu tempo, uma vez que ainda têm de voltar para a estação, editar e publicar a reportagem. Estão-se nas tintas para o que eu tenho a dizer e eu estou-me nas tintas para o facto de eles estarem nas tintas, desde que não se enganem no nome da universidade e a filmem (e na medida do possível a mim) de um ângulo lisonjeador.

Por isso quando apareceu a jornalista eu tinha um local seleccionado e estava pronto para ela me perguntar sobre este tipo que tinha morto pessoas religiosas. Estava preparado para dizer que é cedo na investigação e que não devemos chegar a conclusões precipitadas; que as pessoas tendem a tornar estas tragédias ideológicas, mas que devíamos ser pacientes e esperar pelos factos; que no massacre de Columbine um dos atiradores tinha perguntado a uma rapariga se era cristã e que quando ela disse que sim ele disparou sobre ela, mas que os investigadores não concluíram que o tiroteio tinha sido o resultado de ódio anticristão. Ia-lhe dizer que, quando pessoas loucas fazem coisas loucas, tirar conclusões rápidas sobre as suas “razões” – como se não fossem loucas – é um erro de palmatória.

Resumindo, ia tentar evitar tornar isto uma questão ideológica sobre o ódio de crentes por parte de secularistas, em primeiro lugar porque não havia provas para suportar essa conclusão e também porque me parece perigoso retirar conclusões gerais destas situações trágicas, para além da conclusão óbvia de claramente não estarmos a lidar com estes indivíduos perturbados da maneira certa. Parti do princípio que a jornalista encontraria algo relativamente inócuo para retirar disso tudo – provavelmente a última frase sobre o tratamento inadequado, que qualquer pessoa poderia ter dito.

Foi por isso com total surpresa que, depois de tudo montado, ela me perguntou: “Porque é que a religião causa tanta violência?”

Vigília pelas vítimas do tiroteio no Oregon
Espera… O quê? Este tipo entrou numa universidade e disparou sobre pessoas porque eram religiosas, e ela queria saber porque é que a religião causa violência? Isso é como perguntar o que é que as mulheres têm que as tende a tornar vítimas de violação?

Um dos meus colegas diz que eu deveria ter respondido: “Mas você está a culpar as vítimas?” É uma boa frase, devo admitir, mas ela teria simplesmente cortado essa parte, como faria se eu tivesse dito “o que é que torna os secularistas tão intolerantes e predispostos à violência?”

Por isso disse-lhe que, embora qualquer coisa possa ser usada para fins malévolos, a religião não é mais causa de violência que muitas outras coisas, como nacionalismo, xenofobia ou várias formas de utopia.

“Mas”, insistia ela, uma e outra vez, “não acha que a religião é particularmente uma causa de violência?”. Pensei para mim: “Espero que ela não esteja a pensar ir à mesquita mais próxima fazer as mesmas perguntas”. Não estava.

“Porque é que a religião é tão fracturante?”, quis saber. Disse-lhe que o Papa Francisco acabara de discursar diante de uma sessão conjunta do Congresso e que e esse episódio não tinha parecido particularmente “fracturante”. Pelo contrário, os congressistas pareciam mais conciliadores do que em qualquer altura dos últimos anos.

Claramente, esta mulher ouvia as palavras “violência” e “religião” e não conseguia senão juntá-las, partindo do princípio que uma era a causa da outra.

Nesse espírito, considerem os seguintes pares de palavras:

Negros/Problemas
Estrangeiros/Perigo
Mulheres/Fraqueza

Se alguém ligasse automaticamente a primeira palavra à segunda, saberíamos o que concluir sobre o assunto. Preconceito ignorante.

Teria isso dado um “sound-bite apropriado”? “Desculpa, minha senhora, mas não percebe que a sua pergunta a revela como uma preconceituosa ignorante?”

Olhando para trás, talvez devesse ter optado pelo “mas você está a culpar as vítimas?” e depois assegurado que estava a conseguir captar boas imagens das roseiras.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 8 de Outubro de 2015 em The Catholic Thing)

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