Por fim, nesta série de textos, abordo as passagens que me
tocaram mais directa e profundamente, por diversas razões.
Quando se procura
ouvir o Senhor, é normal ter tentações. (#155)
A Igreja não fala o suficiente disto e penso que faz mal.
Uma das grandes surpresas deste pontificado tem sido a
insistência de Francisco em falar de Satanás. Pois se ele existe, não pára
quieto e as pessoas que mais gosta de desviar são aquelas que estão a voltar a
face para Deus, a iniciar uma caminhada de regresso a casa. Imagino apenas as
vezes que ele deve ter sussurrado ao ouvido do filho pródigo que o exercício de
regressar à casa do pai era em vão! Os obstáculos que não deve ter lançado no
caminho!
Os cristãos têm o direito de saber que é precisamente quando
começam a tentar melhorar a sua vida, a viver mais próximos de Deus, que o demónio
ataca com mais força, que o caminho de repente parece mais íngreme, que as
tentações sobejam e tudo parece mais difícil.
Se assim fossem avisados e se percebessem que diante dessas
tentações não devem desesperar mas antes gloriarem-se de serem merecedores de
tal atenção do inimigo de Deus, então talvez encontrassem forças para combater
com mais ferocidade. Talvez percebessem que quando sucumbem a algumas dessas
tentações – e sem dúvida a algumas irão sucumbir – não devem desesperar, mas
sim levantar-se e combater de novo.
Triste a vida do homem que não é tentado. É sinal que nem o
demónio se digna a lutar pela sua miserável alma.
Ninguém deveria dizer
que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida implicam prestar
mais atenção a outras incumbências. Esta é uma desculpa frequente nos ambientes
académicos, empresariais ou profissionais, e até mesmo eclesiais. (#201)
De toda a exortação apostólica, esta foi a passagem que mais
me custou a ler. E ainda custa. Porque nela me revejo inteiramente e sinto
vergonha e sinto que tenho de fazer algo para mudar. Obrigado Francisco.
Às vezes sentimos a
tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor.
Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora
dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou
comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim
de aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto com a vida concreta dos outros
e conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre
maravilhosamente e vivemos a intensa experiência de ser povo, a experiência de
pertencer a um povo. (#270)
Não sei se é da tradução, mas eu adoro a palavra “maravilhosamente”
aqui. “Complica-se maravilhosamente”, não há melhor expressão para a experiência
cristã.
Estávamos nós tão bem nas nossas vidinhas quando veio este
tal Jesus Cristo e olhou-nos, e tocou-nos, e falou-nos... e as nossas vidas
nunca mais foram as mesmas. Complicaram-se. Sim. Mas complicaram-se
maravilhosamente!
Nunca nos podemos esquecer que o nosso Deus é um Deus
flagelado, que gritou e sangrou e caiu e enlameou-se e foi furado com uma
lança. O nosso é um Deus que não se coibiu de sofrer a maior das indignidades. Quem
somos nós para virar as costas ou ter nojo das chagas dos nossos irmãos? Quem
somos nós para tapar o nariz quando o sem-abrigo entra na nossa carruagem do
metro? Quem somos nós, que nos alegramos por termos sido salvos por um homem
que tentaram apedrejar, para atirar pedras aos incompreendidos ou aos
verdadeiramente maus dos nossos dias?
Não podemos. Não podemos, graças a Deus. É verdade que ter
de olhar nos olhos ao mendigo, mesmo que seja para lhe dizer que hoje não há
nada para dar, pode ser complicado. Mas é uma maravilhosa complicação. Graças a
Deus.
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