Sunday, 22 December 2013

A Alegria do Evangelho - Os que Estão Longe

Eu gostaria de dizer àqueles que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor! (#113)
É de notar que o Papa não distingue aqui entre os que estão longe porque são ateus, porque são agnósticos, porque são de outras confissões cristãs, porque simplesmente deixaram de confiar na Igreja ou porque são preguiçosos.

O seu convite é para todos os que estão longe, independentemente das razões, e desta forma Francisco mostra compreender que o seu papel não é simplesmente de administrar os assuntos dos católicos, mas sim, enquanto vigário de Cristo na Terra, convidar todos os homens a viver em relação com Cristo.

Nesta passagem a palavra chave é “respeito”. O Papa não se pode sobrepor ao respeito que Deus tem pela liberdade do homem, liberdade de O seguir ou de O rejeitar. Por isso o Papa convida, procura atrair, mas não impõe nem ameaça.

A adesão a Cristo ou é livre, ou não é.

Alguns crêem-se livres quando caminham à margem de Deus, sem se dar conta que ficam existencialmente órfãos, desamparados, sem um lar para onde sempre possam voltar (...) O acompanhamento seria contraproducente, caso se tornasse uma espécie de terapia que incentive esta reclusão das pessoas na sua imanência e deixe de ser uma peregrinação com Cristo para o Pai. (#170)
Uma das grandes iniciativas dos últimos anos da “Nova Evangelização” foi o “Átrio dos Gentios”, que acabou por se traduzir essencialmente num conjunto de encontros entre a elite intelectual da Igreja e a elite intelectual da sociedade civil.

Neste tipo de iniciativa há sempre o risco de os encontros se tornarem pouco mais do que exercícios de exaltação mútua ou, pior, de os elementos da Igreja procuraram de tal forma encontrarem o outro no seu terreno que deixam Cristo para trás. O Papa Bento XVI, que lançou a ideia, deu alguns avisos neste sentido pouco antes de resignar.

Penso que aqui Francisco está a tentar fazer um alerta semelhante. É muito bom a Igreja ir para as periferias para estar com aqueles que estão normalmente longe dela. Mas a ideia não é que permaneçam eternamente longe dela, podendo agora dizer que até têm amigos que são cristãos.

Cristo também ia ter com os marginais. Há de se ter encontrado com milhares deles, mas os únicos que ficaram para a história são aqueles que se deixaram tocar e mudar por Ele.

Da mesma maneira, o objectivo de quem acompanha pessoas que estão longe da Igreja, sejam intelectuais, artistas, toxicodependentes, loucos, prostitutas, new age, ateus ou outros quaisquer, deve ser sempre de introduzir nas suas vidas aquele ingrediente, aquele grão de mostarda, que tudo vai mudar.

Os não-cristãos fiéis à sua consciência podem, por gratuita iniciativa divina, viver «justificados por meio da graça de Deus» e, assim, «associados ao mistério pascal de Jesus Cristo». Devido, porém, à dimensão sacramental da graça santificante, a acção divina neles tende a produzir sinais, ritos, expressões sagradas que, por sua vez, envolvem outros numa experiência comunitária do caminho para Deus. Não têm o significado e a eficácia dos Sacramentos instituídos por Cristo, mas podem ser canais que o próprio Espírito suscita para libertar os não-cristãos do imanentismo ateu ou de experiências religiosas meramente individuais. (#254)
Esta é uma passagem muito importante, porque é um reconhecimento, da parte do Papa, de que até os não crentes, ou os não cristãos, podem desempenhar um papel importante na história da salvação e que Deus também pode agir através das suas boas obras.

Francisco não está a dizer que “é tudo a mesma coisa, basta ser boa pessoa”, mas está a dizer que não é por ser ateu, ou não cristão, que uma pessoa boa está automaticamente condenada. O que já por si é significativo.

Claro que algumas pessoas poderão deitar as mãos à cabeça e dizer que com este tipo de linguagem vai haver pessoas que pensam que nesse caso não vale a pena ser praticante. Talvez seja verdade. Mas queremos uma Igreja que reduz toda a mensagem de Deus ao nível dos mais infantis de entre nós? Ou queremos um povo de Deus adulto? A minha experiência mostra-me que quando queremos que alguém se comporte como um adulto devemos tratá-lo como tal. Isto é linguagem para pessoas que são adultas na fé. E um adulto na fé não amua porque tem de fazer mais sacrifícios que o vizinho do lado só para descobrir que no fim o vizinho também se salvou. Aliás, a parábola dos trabalhadores que chegam mais tarde mas recebem o mesmo salário, não se aplica também a estas situações?

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