Friday, 13 December 2013

"Igreja não pode separar a Caridade da Evangelização"

Transcrição integral da entrevista ao padre Abel Bandeira sobre os Direitos Humanos de uma perspectiva católica e missionária. A notícia está aqui.

Pode dar-nos uma ideia do seu percurso nos jesuítas? Por onde já andou e em que missões esteve?
Eu comecei como sacerdote a trabalhar no Monte da Caparica, num bairro de inserção social, depois também passei pelo ensino no Colégio São João de Brito, como professor de religião. Ultimamente tenho estado em Moçambique como pároco responsável pela paróquia de São João Baptista na arquidiocese da Beira. Este é o meu percurso durante  15 anos como sacerdote.

Tanto na Caparica como agora, na Beira, lida com pessoas em estado de pobreza…
Exactamente. No monte da Caparica, juntamente com outro jesuíta, vivemos numa casa de um bairro social. Estávamos com as pessoas que tinham sido inseridas quando vieram das antigas colónias, e outras famílias, estávamos num meio pobre. Agora aqui na paróquia de São João Baptista também é uma paróquia que apanha pessoas da periferia da cidade da Beira e tocamos a pobreza de uma forma muito directa.

As pessoas com quem trabalha gozam em pleno dos seus direitos humanos?
Sinceramente não. Aqui na paróquia praticamente todos os dias vêm pessoas pedir comida, outras que dormem ao relento e pedem dinheiro para voltar à sua terra natal, porque vieram para a Beira iludidos com pensamentos de que podiam arranjar trabalhar e acabam por ficar desalojados. Aqui na paróquia temos essa experiência de, por um lado, ajudar pessoas que precisam de comida e por outro ajudar pessoas a voltar para as suas terras para poderem voltar a ter uma ligação às suas raízes.

De que forma é que a igreja, no seu entender, ajuda a garantir os direitos humanos destas pessoas?
A Igreja, pela graça de Jesus, impele-nos à caridade. Somos convidados por Jesus a ajudar aquele que tem fome, que tem sede, daquele que precisa de roupa, do que está doente, do que está preso. O imperativo da caridade é urgente, está sempre a acontecer, temos de o actualizar permanentemente, e a Igreja só se realiza quando executa esse mandamento.

Graças a esse mandamento a Igreja está presente nos lugares mais pobres do mundo. Não é por acaso que encontramos a Igreja em bairros sociais, a fundar as escolas e hospitais em países pobres que precisam de educação e de melhoramentos de saúde. A Igreja no seu todo, e de modo especial nas periferias, marca presença para ser uma presença de Jesus Cristo através de cada um de nós que somos baptizados.

É possível separar a assistência humanitária da evangelização?
A Igreja não pode separar as duas coisas. Temos de ajudar as pessoas e também levar-lhes a Boa Nova. A Boa Nova leva-se através de obras, porque as obras falam mais alto que as palavras. A Igreja, por exemplo, acolhe refugiados de todo o mundo e muitos deles não são católicos, não são cristãos. Mas o exemplo de acolher o irmão que está numa situação de guerra e precisa de apoio. Por isso a Igreja anuncia o Evangelho com obras e também o deve fazer com palavras. Como dizia São Francisco, primeiro anunciem o Evangelho com obras e depois, se for preciso, com palavras.

Os jesuítas trabalham muito na área da educação. Até que ponto o direito à educação, que também é um direito humano, no meio dos outros direitos?
O direito à educação é uma base muito importante para o desenvolvimento da personalidade de qualquer pessoa humana. Se a pessoa tiver educação facilmente terá acesso a outros direitos, à dignidade pessoal, à defesa do bom nome, todos os direitos que estão consignados na carta dos direitos humanos. A educação é de facto uma arma muito poderosa, se conseguirmos através da educação incutir os valores do Evangelho, estamos a semear com muita força e estamos a preparar um futuro com mais êxito e sucesso.


O Papa tem também palavras muito duras nesta exortação em relação ao sistema económico internacional. Vivendo aí nas periferias, sente que essas críticas são justas? E acredita que há alternativas ao sistema actual?
O Papa tem falado concretamente do fetichismo do dinheiro. O dinheiro é uma coisa que enfeitiça as pessoas, as pessoas levantam-se da cama por dinheiro, perdem energias por dinheiro, separam-se dos irmãos do sangue. De certa maneira o Papa tem razão ao dizer que é preciso por o dinheiro ao serviço da pessoa humana e não o contrário. Não deixar que as bolsas sejam mais importantes que as pessoas que morrem todos os dias nas cidades das grandes metrópoles mundiais.

É possível uma alternativa económica, não podemos ser escravos desta conjuntura económica que é oferecida, nos grandes mercados, da banca internacional. É preciso uma alternativa que seja mais humana, mais solidária com os mais pobres, neste caso com os mais pobres do hemisfério sul.

Vivendo em África, como encara as queixas de alguns portugueses que dizem que as medidas estão a pôr em causa a dignidade dos portugueses e a empobrecer o país?
Eu tive o privilégio de passar aí 45 dias em Portugal e ver a diferença entre Moçambique e Portugal. Evidentemente as pessoas têm os seus direitos, têm direito a uma boa reforma, a cuidados de saúde, essas coisas são importantes. Mas para mim foi claro ver que Portugal tem muita coisa boa, por exemplo estradas sem buracos. Entrar numa auto-estrada e fazer 200 km, sem um buraco, é uma riqueza muito grande. Aqui em Moçambique é impossível pensar nisso. Outra coisa que se vê é que mesmo os hospitais portugueses estão muito bem apetrechados.

Como as pessoas vivem no seu ambiente e não têm a capacidade de comparar com outros ambientes é difícil relativizar. Quem chega de fora a Portugal vê que o país, apesar da forte crise que está a viver, de certa maneira está a fazer um caminho de purificação. Porque muitos portugueses criaram a ilusão de que poderiam ter um nível de vida mais elevado, mas essa ilusão desmoronou-se e agora é preciso enfrentar uma realidade, uma realidade que é dura, mas temos de lidar com o real porque o real é que nos cura. Não vamos viver na ilusão. Entre o real e a ilusão temos de viver com o real. Agora, acho que a Igreja portuguesa, nomeadamente a Conferência Episcopal, e os sacerdotes, vão chamando atenção para as situações de carência que existem em certas zonas do país, é preciso estar atento, a Igreja precisa de estar solidária, não deve deixar esses irmãos bater no fundo ou entrar em becos sem saída onde o desespero toma posse e deixa de haver esperança.

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