Transcrição integral da entrevista a Salvador de Mello sobre os Direitos Humanos de uma perspectiva católica e missionária. A notícia está aqui.
A declaração universal dos direitos humanos indica (artº 23) o direito ao emprego e a um salário justo que assegure condições de vida dignas. Enquanto gestor, tem de tomar decisões que influenciam a vida dos seus funcionários. Acredita que o facto de ser católico e do Grupo Mello ter uma identidade católica, influencia as suas decisões e a conduta do grupo?
Procuro que assim seja. O facto de ser católico e ter fé
leva-me a procurar agir de acordo com aquilo em que acredito e influenciar quem
me rodeia. Aliás, li recentemente um livro bastante inspirador, escrito pelo
meu amigo António Pinto Leite, presidente da ACEGE, que fala do Amor como
Critério de Gestão, que dá uma definição interessante, do meu ponto de vista,
que no fundo é que o Amor é a capacidade de tratarmos os outros como
gostaríamos de ser tratados se tivéssemos no lugar deles, com a informação de
que dispomos. Parece-me um princípio prático e concreto e que pode ser
aplicado.
Certamente já teve de
tomar decisões que implicam despedimentos ou rescisões. Quando isso acontece as
decisões são tomadas com critério puramente económico, ou entram também valores
morais?
O que me parece é que não pode haver critério económico sem
antes haver critério moral. Penso que a ética deve enquadrar e sobrepor-se aos
puramente económicos. Não pode valer tudo, obviamente, e os valores são
fundamentais para discernir e para nos dar rumo e consistência. A minha
experiência diz-me que é exactamente nas decisões mais difíceis que o dom da fé
e a ética são mais importantes.
Muitas vezes temos decisões difíceis para tomar e é nessa
altura que o facto de termos uma bagagem de princípios onde ir buscar
orientação e inspiração é importante.
Têm pessoas a ganhar
ordenado mínimo? E é possível viver uma vida com condições de dignidade a
ganhar menos de 500 euros por mês?
Penso que a dignidade humana é muito importante e aliás o
valor da dignidade humana é um dos valores pelos quais o grupo José de Mello
Saúde se rege. Dito isto, vivemos num contexto muito difícil, temos de ter
equilíbrio nas decisões que tomamos e nas decisões dos ordenados que
estabelecemos, mas nem sempre é possível pagar aquilo que gostaríamos que as
pessoas ganhassem e que nós próprios gostaríamos que as pessoas ganhassem.
Vivemos num contexto difícil e é a situação que temos.
Trabalha na área da
saúde, um sector muito sensível também a este respeito. Acredita que as medidas
de austeridade que o Governo tem aplicado estão a chegar ao ponto de pôr em
causa os direitos humanos dos portugueses, nomeadamente das franjas mais
frágeis da sociedade?
Penso que o processo de ajustamento pelo que estamos a
passar tem por objectivo e finalidade a melhoria das condições de vida dos
portugueses e do país, e não o contrário. Não me parece que seja esse processo
que ponha em causa os direitos dos portugueses, mas sim a acumulação de dívida
pelo que o país passou nas últimas décadas.
Houve nos últimos 20 anos um excesso de endividamento
colectivo que não resultou num crescimento da riqueza do país e essa foi uma
irresponsabilidade que agora todos estamos a pagar. Penso que não há
alternativa a este esforço colectivo, mas encaro o futuro com esperança. Penso
que depois deste ajustamento duro por que o país e todos os portugueses estão a
passar, o país sairá mais forte, mais capaz de enfrentar os desafios do futuro,
e acho que aquilo que se tem estado a passar em Portugal tem sido um exemplo
cívico extraordinário, as pessoas têm compreendido que a rota que estávamos a
seguir não era viável e que tinha de sofrer correcções. Penso de facto que este
processo era necessário e não vejo alternativa a ele.
A recente exortação
apostólica do Papa Francisco tem palavras muito duras sobre o sistema económico
em Portugal. Leu? Concorda com as críticas que ele faz?
Li com muito interesse a exortação apostólica e confesso que
não a encaro tanto como uma crítica mas sim a um apelo à responsabilidade de
todos, seja em Portugal seja no resto do mundo. O que o Papa faz, no meu ponto
de vista, é um apelo colectivo a que ninguém deve ficar indiferente. O Papa
diz-nos o que todos sabemos mas que às vezes queremos esquecer, é preciso fazer
mais por um mundo mais justo. Este é um tema no qual todos somos jogadores,
ninguém pode ficar no banco ou na bancada. Somos todos chamados a contribuir
para um mundo mais justo, por isso parece-me um apelo à responsabilidade muito
bem-vindo.
Mesmo com termos como
“Esta economia mata”?
Acho que é mais um apelo à responsabilidade, é assim que o
encaro, acho que há muito a fazer e foi o que me fez sentir, um apelo à
responsabilidade e a fazer mais e melhor.
Algumas das suas
passagens são mais directamente dirigidas a quem tem mais posses. Como é que
reage a este tipo de parágrafos?
No fundo é como na
parábola dos talentos. Quantos mais temos mais obrigação temos de os pôr a
render a favor da sociedade. Parece-me isso natural e justo.
Ainda por cima
acredito sinceramente que quanto mais damos mais recebemos. Não é só, nem
sobretudo, nos bens materiais, mas na entrega aos outros. Quanto mais damos,
mais recebemos e somos mais felizes e portanto, cada um fala por si, cada um dá
aquilo que quer e pode dar. Mas acho que de facto essa parte da exortação
fez-me lembrar a parábola dos talentos e é assim que vejo assunto.
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