George J. Marlin |
Depois de romper com os seus laços coloniais com o Reino
Unido, em 1947, a Índia, uma nação de 1,2 mil milhões de pessoas, organizou-se
como uma república secular que assegura a liberdade de culto e de propagação da
fé.
O Cristianismo na Índia data dos Actos dos Apóstolos, mas
apenas 2,5% da população actual professa esta fé. O número total de católicos
ascende aos 19,5 milhões.
Infelizmente, durante o século XXI a cláusula da liberdade
religiosa na constituição indiana tem sido ignorada por fundamentalistas hindus
que têm planeado, coordenado e levado a cabo perseguições anticristãs. No dia
de Natal de 2008, por exemplo, mais de 100 igrejas e edifícios cristãos foram
pilhados, danificados ou destruídos e mais de 400 casas de cristãos foram
arrasadas.
Desde 2008 o centro dos terroristas hindus tem sido na aldeia
de Kandhamal, situada junto à selva, no Estado de Orissa. Mais de 56 mil dos
117 mil cristãos que lá vivem foram expulsos das suas casas, com seis mil
destas casas a serem incendiadas. Trezentas igrejas ou locais de culto foram
profanadas ou destruídas.
Os cristãos estão a ser perseguidos não só por causa da sua
fé, como acontece no Egipto e na Síria, mas porque se recusam a renunciá-la e a
abraçar o Hinduísmo. O resultado e que milhares de indianos, incluindo padres,
freiras e pastores, têm sido torturados de forma sádica. Muitos ficaram sem
membros, outros foram queimados vivos. Mais de 100 perderam a vida pela fé.
Perante estes crimes hediondos, o arcebispo de Bombaím,
Oswald Gracias, afirmou: “O sangue dos mártires sempre foi semente de cristãos.
Este é o mistério da Cruz! Não tenho dúvidas de que Deus enviará muitas bênçãos
sobre as pessoas de Orissa e da Índia em consequência do sofrimento dos
cristãos de Kandhamal.”
Mas o preço é pesado. Na sua obra “Early Christians
of the Twenty-first Century”, o jornalista premiado Anto Akkara, que
visitou Kandhamal 16 vezes, relata a forma como a violência anticristã foi
orquestrada e os testemunhos de vítimas e as suas famílias. O livro contém “uma
colecção de mais de 100 verdadeiros testemunhos cristãos encharcados em sangue,
testados e purificados através de um sofrimento inaudito”.
Akkara explica que a polícia limitou-se a observar enquanto
as igrejas eram destruídas e como, em muitos casos, as autoridades se recusaram
a registar a causa da morte como homicídio. Para evitar processos judiciais os
terroristas hindus esconderam as provas. Os corpos dos mártires foram cremados
ou lançados aos pântanos ou ribanceiras no meio da selva. Nos poucos casos que
chegaram a tribunal, os fundamentalistas hindus foram rapidamente absolvidos
por falta de provas.
Depois de meia dúzia de líderes cristãos, chefiados pelo
Arcebispo Raphael Cheenath, de Cuttack-Bhubaneswar, ter confrontado o
primeiro-ministro Manmohan Singh sobre a violência, Singh reconheceu publicamente
que o que se passava era uma “vergonha nacional”, mas tomou poucas medidas no
sentido de restaurar a confiança da comunidade cristã.
Cristãos em Kandhamal |
Para os fiéis, a garantia constitucional de liberdade
religiosa e igualdade perante a lei continua a ser um “slogan” vazio.
Há muitas histórias dramáticas no livro de Akkara, mas
aquela que mais me marcou é a de um padre de 56 anos e uma freira de 28.
O padre Thomas Chellan, director do Centro Pastoral
Divyajyoti e a sua assistente, a irmã Meena, conseguiram fugir por cima do muro
do centro enquanto os terroristas hindus destruíam o complexo, que incluía uma
igreja, um dormitório e outros serviços.
Mas no dia seguinte foram capturados. A cabeça de Chellan
foi regada com petróleo mas no instante antes de lhe pegarem fogo decidiu-se
não avançar. Em vez de o matarem, um grupo de 50 hindus espancou o padre e a
freira. “Parecia uma via-sacra”, afirmou mais tarde o sacerdote.
Os seus carrascos despiram-nos e começaram a violar a irmã
Meena. Depois conduziram os seus prisioneiros pelas ruas antes de tentarem
obrigar o padre Chellan a violar a freira: “Quando recusei, continuaram a
espancar-me e levaram-me até um gabinete governamental. Infelizmente, um grupo
de cerca de 12 polícias estava a observar tudo sem fazer nada”.
Finalmente, um oficial da polícia levou-os para outra
esquadra, a 12 quilómetros, onde acabou o seu suplício. No dia seguinte foram
libertados e levados para Bombaím para serem tratados.
A irmã Meena, depois de recuperada da sua experiência traumática,
recusou-se a permanecer em silêncio. Convocou uma conferência de imprensa em
Nova Deli e, diante de 200 câmaras de televisão, exigiu que a sua violação
fosse investigada. Descreveu tudo, cada detalhe grotesco, incluindo a forma como
a polícia a tentou dissuadi-la de apresentar queixa depois dos exames médicos
terem confirmado a violação.
“Talvez Deus quisesse que eu sofresse com o meu povo,
tornando-me um instrumento para falar em nome das pessoas sem voz de
Kandhamal”, afirmou à imprensa. Concluiu a conferência agradecendo publicamente
a Deus “por me ter escolhido para sofrer esta humilhação, dando-me a
oportunidade de sofrer pelas pessoas de Kandhamal. Tive a oportunidade de viver
a experiência da crucifixão”.
A fé sólida da irmã Meena e de milhares de outros foi o que
inspirou Anto Akkara a escrever o seu livro. Ele acredita que estas pessoas
merecem ser conhecidas como “Cristãos Primitivos do Século XXI” porque se mantiveram
fiéis “no meio da crueldade diabólica, da impunidade e da apatia do Estado”.
George J.
Marlin é editor de “The Quotable Fulton Sheen” e autor de “The American Catholic Voter”. O seu mais recente livro
chama-se “Narcissist
Nation: Reflections of a Blue-State Conservative”.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na quarta-feira, 30 de Outubro de 2013)
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