Repito aqui o que disse em relação aos “conservadores”. O
rótulo “liberal” é vago e é obviamente uma caricatura, que abarca muitos
géneros diferentes.
No entanto, apesar de os liberais gostarem de pensar que têm
este Papa no bolso, há muitas áreas em que ele os vai desiludir, como fica
claro ao longo deste documento.
Isto só serve para nos recordar que nem tudo encaixa nos
nossos esquemas. O Papa não é “nosso” nem “deles”, é de todos.
O sacerdócio reservado
aos homens, como sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma
questão que não se põe em discussão, mas pode tornar-se particularmente
controversa se se identifica demasiado a potestade sacramental com o poder. (...)
O sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu
povo, mas a grande dignidade vem do Baptismo, que é acessível a todos. (#104)
Às vezes fico com a ideia de que o Papa bem pode repetir
isto as vezes que quiser, que há pessoas para quem estas palavras simplesmente
não entram. Eu nem digo que deviam abandonar as suas ideias, apenas que deixem
de acreditar que Francisco concorda com elas. “Não se põe em discussão”.
Parece-me bastante claro.
A diversidade deve ser
sempre conciliada com a ajuda do Espírito Santo; só Ele pode suscitar a
diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a
unidade. Ao invés, quando somos nós que pretendemos a diversidade e nos
fechamos em nossos particularismos, em nossos exclusivismos, provocamos a
divisão; e, por outro lado, quando somos nós que queremos construir a unidade
com os nossos planos humanos, acabamos por impor a uniformidade, a homologação.
Isto não ajuda a missão da Igreja. (#131)
Incluí esta passagem também no texto sobre os
“conservadores” e penso que se aplica a ambos os lados da barricada, pelo que
me limito a repetir aqui a minha reflexão:
Esta passagem é muito importante para os nossos dias, quando
os novos meios de comunicação tornam cada vez mais fácil encontrar quem pensa
como nós e assim formarmos grupinhos e grupetas, cuja legitimidade
reivindicamos em nome da diversidade.
Por outro lado, não deixa de ter piada ver a ala mais
liberal a exigir o fim sem tréguas de tudo o que é movimento e grupo mais
conservador, contrariando precisamente essa diversidade que, supostamente,
tanto prezam.
O Papa dá aqui uma resposta que desarma ambos esses
excessos. A diversidade e a unidade não são incompatíveis… Desde que
verdadeiramente inspirados pelo Espírito Santo. E essa confirmação vem-nos pela
oração, antes de mais, mas vê-se também nos frutos. De resto o Espírito Santo
não é monopólio nem de conservadores nem de liberais, mas serve os propósitos
de Deus, sempre.
Desejo afirmar, com
mágoa, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado
espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem
necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua
bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta dum caminho de
crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve
traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e
prioritária. (#200)
Estas palavras são dirigidas directamente para aquelas
pessoas, e não são poucas, que começaram a acreditar que havia uma incompatibilidade
entre a evangelização e a justiça social. Essa crença fez pessimamente à Igreja
nas últimas décadas, legando-nos uma classe de religiosos que acredita que a
sua missão é apenas e só melhorar condições de vida, abrir clínicas e fazer
campanhas.
Não nos enganemos. Essas coisas são todas fundamentais, mas
não são nem podem ser fins em si mesmas. A nossa principal missão enquanto
baptizados é levar Cristo ao mundo. Como? Nalguns casos a celebrar missas,
nalguns casos a constituir família, nalguns casos a ensinar catequese, nalguns
casos a abrir escolas e sim, nalguns casos, a cuidar dos mais pobres de entre
os pobres e a acolher os moribundos.
Há um mundo de diferença entre o trabalho que fazia Madre
Teresa de Calcutá e o que fazem as freiras radicais americanas que andam há
anos a desafiar abertamente a autoridade dos bispos e os ensinamentos da
Igreja, apesar de todas poderem dizer que estão a ajudar os pobres e os fracos.
Mas essas freiras americanas são apenas uma face mais visível de um problema
que afecta toda a Igreja em todo o mundo, incluindo em Portugal.
Acredito que a principal questão aqui é que quando começamos
a tentar acabar com os problemas do mundo, mas deixando Jesus em casa, como se
Ele fosse um obstáculo – isto quando não O reinventamos como um activista
político revolucionário – leva-nos facilmente a acreditar que a solução para os
problemas do mundo está em nós, na nossa dedicação e na nossa força.
Essa perda de humildade é o primeiro passo da queda. É um
mal terrível e que urge combater a todo o custo. Ajudar sim, ajudar quem mais
precisa, ajudar aqueles que metem nojo aos nossos irmãos, claro! Mas sempre com
Cristo a guiar-nos o caminho e levando Cristo, que é o verdadeiro tesouro, a
todos.
Entre estes seres
frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predilecção, estão também os
nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a
dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e
promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para
ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros,
procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e
conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada
à defesa de qualquer direito humano. (...) Se cai esta convicção, não restam
fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos. (#213)
E precisamente porque
é uma questão que mexe com a coerência interna da nossa mensagem sobre o valor da
pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição sobre esta
questão. A propósito, quero ser completamente honesto. Este não é um assunto
sujeito a supostas reformas ou «modernizações». Não é opção progressista
pretender resolver os problemas, eliminando uma vida humana. (#214)
Palavras para todos aqueles que esfregaram as mãos de
contentes quando o Papa disse, numa entrevista, que a Igreja às vezes parecia
estar obcecada com questões fracturantes.
Não. Este não é o Papa que se vai render ao mundo na questão
do aborto. Este não é o Papa que vai abandonar a luta pelos mas fracos de entre
os fracos.
Porquê? Primeiro, porque ao contrário do que alguns querem
dar a entender, o Papa é católico e segundo porque ele mostra entender que esse
desrespeito pela vida dos nascituros é a pedra angular de todos os desrespeitos
por todas as formas de vida que infestam actualmente a nossa sociedade.
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