James V. Schall S.J. |
A sequência – Trindade, Logos, criação, a queda, a promessa,
o povo escolhido, as profecias, a Imaculada Conceição, a Anunciação, a Palavra
encarnada e a Natividade – explicam-nos aquilo que aconteceu no Natal. Não se
tratou de um evento isolado, apesar de ter acontecido num local inconsequente,
num canto obscuro do mundo. Tudo se encaixa num plano cujos contornos são
claros. Devemos debruçar-nos sobre “plano”, como São Paulo lhe chamava.
A segunda leitura no breviário para a véspera de Natal é de
um sermão de Santo Agostinho. Começa assim: “Despertai, humanidade! Por vós
Deus se fez homem (…) teríeis sofrido a morte eterna se Ele não tivesse nascido
no tempo.” Agostinho parte do princípio de que não estamos a prestar atenção ao
que é mais importante. Por isso
grita: “Despertai!”. E quem é que procura acordar? “Humanidade”, todos nós,
cada um de nós.
O que se passou que, adormecidos, não tenhamos notado? “Deus se fez homem”. Porque é que o
fez? Admira-nos não só que o possa fazer mas também que o tenha feito. Mas foi isso que aconteceu. Onde? “Na
história”, dizem-nos. Sabemos o local: Belém. Sabemos o tempo: Quando
César Augusto era imperador de Roma e publicou um édito, que levou um casal
peculiar da casa de David a voltar à sua origem.
Em Belém a mãe, Maria, deu à luz um rapaz, a quem devia
chamar Emmanuel, “Deus connosco”. Porque é que Deus precisa de estar “connosco”
desta forma? Evidentemente, a humanidade tem um problema. Sem o seu nascimento “no
tempo” a humanidade, deixada à sua sorte, teria “sofrido a morte eterna”. Não é
um destino muito simpático.
Porque é que a humanidade estava sujeita à “morte eterna”? É
aqui que entra o “plano”. A maior parte da humanidade, ao longo do tempo,
reconheceu que há algo de desordenado que paira sobre a nossa espécie. Somos
tentados a pensar que podemos lidar com o assunto sozinhos. As provas, contudo,
mostram que estamos basicamente na mesma situação que qualquer outra geração
desde o princípio do tempo. A verdade é que não conseguimos lidar com este
assunto sem ajuda.
Para resolver este problema, “Deus fez-se homem”. “Despertai!” Não poderia ter
encontrado uma forma mais simples? Bom, foi isto que se passou. Lidou
com o problema directamente, tornando-se homem. A vida interior de Deus é Trinitária.
A Segunda Pessoa, o Logos, a Pessoa que reflecte por inteiro o ser do Pai,
fez-se homem. Depois de nascer, os pais levaram o menino ao Templo. Lá,
encontraram um idoso a quem tinha sido prometido que não morreria sem
contemplar a “salvação” de Israel. Quando ele viu o menino sabia que estava a
olhar para o Senhor. Simeão disse a Maria, contudo, que o seu coração seria
trespassado pelo sofrimento. Ela meditou sobre estas palavras.
Mas agora esta Criança nasceu “no tempo”. No momento do seu
nascimento as coisas não ficam na mesma. Nos campos os pastores estão
acordados, mas vêm ver o que se passa. Este nascimento não saiu nos jornais de
Jerusalém, Atenas ou Roma, mas chegou-nos de fonte segura. As testemunhas e
aqueles que ouviram falar relataram o que viram. Algo mudou no mundo. O que é
que foi?
Nos limites do mundo já não se encontrava apenas o mundo.
Agora, o mundo continha, do lado da humanidade, um recém-nascido que era também
o Logos feito carne. Ele “viveu entre nós”. Esta vinda não se destinou apenas a
reparar a desordem das nossas almas, mas a trazer-nos o propósito para o qual
fomos criados em primeiro lugar. Não existimos apenas por razões humanas, mesmo
quando existimos enquanto seres humanos.
“Despertai!” Agostinho pergunta: “Que graça maior poderia
Deus ter feito nascer sobre nós do que fazer o seu filho unigénito tornar-se
filho do homem, para que um filho do homem pudesse, por sua vez, tornar-se
filho de Deus?” É claro, não há graça maior que esta. Este é o plano. Mas
depende de estarmos despertos. Podemos rejeitar o plano, como se fosse tonto ou
inferior a nós. A Natividade do Filho de Deus, nascido entre nós, não nos
obriga. Apenas nos oferece um dom, um dom que explica o que somos, porque sentimos
aquilo que sentimos.
As últimas palavras de Agostinho são estas: “Pergunta se este
plano foi merecido; pergunta pela sua razão, pela sua justificação e vê se
encontras outra resposta para além da mera Graça”.
Neste tempo de Natal estas são as únicas palavras que
ouvimos. É tudo Graça, é tudo dado.
James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de
Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais
recente livro chama-se The
Mind That Is Catholic.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 24 de Dezembro
de 2013 em The
Catholic Thing)
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