James V. Schall S.J. |
Num recente artigo no “L’Osservatore Romano”, Sandro
Magister comentou a ausência de respostas significativas à violência contra os
cristãos no Médio Oriente. Mas este “silêncio público dos líderes espirituais
islâmicos não surpreende. Acontece o mesmo cada vez, e em cada parte do mundo, que
ocorre um acto de violência com origem muçulmana”. A matança de cristãos por
parte de muçulmanos claramente não é vista como um problema islâmico, ou pelo
menos não como um problema que seja discutido livremente em público.
Este silêncio não se pode explicar apenas com um “calculismo
oportunista, ou por medo de represálias”. No Egipto, ambas as facções islâmicas
que lutam pelo poder reclamam o direito a usar a força e encaram a acção
política como “jihad, como guerra santa.” Logo, a violência é legitimamente
usada como um princípio de acção sancionado pela religião.
Para compreender as causas desta violência, sugere o jornal
do Vaticano, devemos regressar à conferência de Ratisbona de Bento XVI de 2006.
A reacção violenta do mundo islâmico perante esta conferência foi a “trágica
confirmação” da verdade da sua tese. “A violência oriunda da fé é um produto
inevitável da ligação frágil entre fé e razão no pensamento islâmico e no seu
entendimento de Deus”.
A violência recorrente nos países islâmicos, tanto contra os
seus próprios crentes como contra aqueles que pertencem à “área de guerra”, isto
é, todos os outros, tem raízes teológicas. “Nenhum Papa anterior a Bento XVI
teve a visão e a coragem de tecer um juízo tão claro sobre o Islão, nem de
formular com tanto rigor as diferenças entre o Islão e o Cristianismo.”
Muitos, mesmo no interior da Igreja, criticaram Bento XVI.
Porém, quando ele viajou para a Turquia nesse mesmo ano, realçou que o Islão
tem de enfrentar os mesmos problemas que o Cristianismo durante o Iluminismo,
nomeadamente, “direitos humanos e uma verdadeira liberdade de fé e da prática
religiosa”.
Qual era a principal conclusão de Bento XVI? Ilustrou-a
recordando uma conversa medieval entre um imperador bizantino e um cavalheiro
persa. A questão básica estava em saber se era divinamente permitido espalhar a
fé pela violência, como o Islão tinha feito contra as terras cristãs no Médio
Oriente. Algumas passagens do Alcorão dizem que não; outras dizem que sim. Como
se pode justificar a utilização das que sancionam a violência? Justificam-se com
a filosofia, ou talvez com ausência dela. Esta justificação é aquilo que de que
se fala quando se menciona as “origens intelectuais” da violência islâmica. Não
se trata de uma mera aberração, foi concebida como uma forma de seguir a
vontade de Alá.
Como assim? A revelação cristã dirigiu-se à razão, daí a sua
atenção a Platão e Aristóteles. Isto significa que a razão era autónoma. Algo
contrário à razão – como a ideia de que Deus aprovava da violência para forçar
uma conversão – não podia ser algo “revelado” por Deus acima da razão.
Ele, o Logos, também é responsável por tudo o que no mundo
não é Deus. Esta proibição não significa que não se pode usar a força para nos
protegermos contra uma violência injusta por parte de outros. Significa, isso
sim, que a utilização da força bruta para expandir a nossa religião não é de
Deus.
Cristãos rezam numa igreja destruída por extremistas |
Se esta proibição da violência é ditada pela razão, então
como é que os exércitos islâmicos e os indivíduos, ao longo dos séculos, não
tiveram dificuldade em recorrer a ela? A resposta é filosófica. Esta
justificação filosófica surge de diversas formas ao longo da história. Faz
parte da nossa cultura hoje em dia, na forma de relativismo e de
multiculturalismo. Basicamente, significa que não existe nada de objectivo.
Logo, nada limita nada. Somos “livres” para fazer o que bem entendermos. Esta
posição costuma ser apelidada de “voluntarismo”, uma forma dominante de
liberalismo.
Na sua forma islâmica, ela parece ter as suas raízes em
al-Ghazali e em Ibn Hazm, a quem Bento XVI se referiu. No Islão, a noção de que
Deus está limitado por alguma coisa, incluindo os seus próprios decretos ou a
razão, é considerada insultuosa. Alá pode fazer o oposto do que comanda. Ele
pode chamar bom ao que é mau e mau ao bem. Não está sujeito a qualquer
obrigação de revelar a verdade ao homem. E se o fizer pode mudar de ideias e
desejar o oposto mais tarde. Estas posições estão claramente referidas na
conferência de Ratisbona.
Logo, a raiz filosófica da violência significa que é
perfeitamente legítimo usar da violência para converter pessoas, desde que Alá
o ordene, como aparentemente faz. Negar esta possibilidade como “irracional”
seria em si uma blasfémia. Seria afirmar que a razão pode limitar a liberdade
de Alá, à qual nos devemos submeter como sendo a única realidade à qual devemos
dar atenção.
Se os líderes muçulmanos não entendem que devam protestar
contra a perseguição em larga escala de cristãos, e de outros, em terras
muçulmanas, é porque na sua religião lhes falta o critério pelo qual podem
julgar como irracional algo que é suposto ser revelação.
James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de
Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais
recente livro chama-se The
Mind That Is Catholic.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 2 de Outubro de
2013 em The
Catholic Thing)
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