E devemos mesmo pensar sobre a
nossa fé. Não o fazer seria um mau serviço à fé em si. A revelação de Deus é
feita a criaturas racionais e deve ser recebida e respondida como tal. Jesus
Cristo, a plenitude da revelação de Deus, é o Logos – o verbo, a ideia e ou o
pensamento – tornado carne. Deus é o nosso “culto racional” (Romanos 12,1). A
ausência de pensamento deturpa e distorce a fé católica. Conduz a uma fé
superficial, supersticiosa e frágil, pronta para ser estilhaçada mal seja
confrontada por uma boa pergunta.
Fiéis que não pensam tornam-se
alvo fácil para predadores. São como a semente que caiu ao longo do caminho. “Quando
um homem ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que
foi semeado no seu coração” (Mateus 13,19). Um magistério que não pensa
torna-se uma tirania que não ensina a palavra de Deus com autoridade, mas impõe
simplesmente o seu poder.
Agora, para apreciar a pergunta
de Nossa Senhora, temos de a contrastar com a pergunta de Zacarias que surge
mais cedo no Evangelho de São Lucas (ver Lucas 1,5-23). O Anjo Gabriel
aparece-lhe no templo. Junto ao altar, anuncia a resposta às orações de
Zacarias, o nascimento de João Baptista. Em resposta, Zacarias pergunta: “Como
terei certeza disso?” À primeira vista, a pergunta é semelhante, praticamente a
mesma feita por Maria. Mas a diferença é profunda.
Como terei a certeza disso?
Bom, tens à tua frente o mensageiro de Deus. Isso devia ser prova suficiente.
Se o envio de anjo por Deus não é suficiente, então que mais será preciso? Em
termos modernos, a pergunta de Zacarias soaria a algo como “deve ser, deve”, ou
“Ai sim? Então prova.” Ele não está aberto à verdade que lhe está a ser
anunciada. Pelo contrário, insiste que Deus lhe dê provas. Zacarias é um
cético, não procura conformar a sua mente à realidade, mas insiste que a
realidade se comprove ao seu gosto. Isso torna Zacarias uma imagem adequada da
maioria dos pensadores modernos.
A pergunta de Maria é
diferente. “Como pode ser isso?” pode ser traduzido como “como será isso?” ou
ainda “Como é que isto vai ser?” O ponto é que ela aceita que aquilo que o anjo
lhe anunciou será. Mas também quer saber como. Maria confia – tem fé – de que o
mensageiro de Deus está a dizer a verdade. Depois, quer compreender como é que
esse milagre irá ocorrer
Na verdade, a fé é necessária
para qualquer tipo de pensamento. Todos os professores compreendem isto, porque
a primeira coisa que os seus alunos devem fazer é confiar neles. Se o aluno não
tiver este tipo de fé natural, se recusar-se a confiar, então não será capaz de
receber aquilo que o professor tem para partilhar. Os revolucionários
instam-nos questionar a autoridade, mas esse é o mantra daqueles que se recusam
a ser ensinados e por isso nunca aprenderão a pensar.
Em segundo lugar, Maria mostra-nos
que devemos fazer perguntas com a disposição certa para receber a resposta. A
pergunta de Zacarias era a única resposta que ele queria. A pergunta de Nossa
Senhora revela abertura a aprender. Aqui devemos recordar a frase de Newman de
que “dez mil dificuldades não formam uma dúvida”. Uma dificuldade é uma
perplexidade ou questão sobre algum aspecto da fé. Leva a questionar e à
disposição para acolher o que Deus tem para dizer.
Já a dúvida tem as suas raízes
no cepticismo, e conduz ao mesmo. Coloca Deus no Banco dos Réus e coloca sobre
Ele o ónus da prova. A ironia é que Deus fez muitas coisas para provar o seu
amor por nós. Mas não estamos abertos às suas respostas. Estamos constantemente
a mudar o alvo, insistindo que ele se prove de acordo com os nossos critérios.
Terceiro, Maria revela que as
nossas questões devem servir para a autodoação. A sua pergunta não é apenas um
exercício intelectual. Não está a perguntar só porque era giro saber. Ela não
sofre do vício de curiositas. Antes, pergunta, procura compreender mais,
para que se possa conformar à verdade de Deus. É por isso que devemos fazer
perguntas sobre a fé: para que, ao compreender melhor, possamos dar-nos
mais.
O castigo de Zacarias foi ficar
mudo – porque os cépticos não têm nada de útil para dizer. Maria foi premiada
com uma explicação e uma prova. Ela não as exigiu; Deus deu-lhas na sua
generosidade. Nem sempre Ele fala tão rápida ou claramente. Mas retribui sempre
aqueles que o buscam com corações retos e sinceros, que desejam conhecê-lo e
compreendê-lo mais, não segundo os seus critérios, mas segundo os dele.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote
na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez
no domingo, 24 de Março de 2023 em The Catholic
Thing)
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