Wednesday, 27 December 2023

A Pergunta de Maria

Pe Paul Scalia

Ora aqui está uma coisa curiosa. A Bendita Virgem Maria – o último máximo de humildade, fé e obediência – faz algo que normalmente não associamos a essas virtudes. Faz uma pergunta: “Como será isso, se não conheço homem?”. Claro que a pergunta é feita precisamente com toda a humildade, fé e obediência. Ao fazê-la ela ensina-nos a perguntar e, por isso, a pensar rectamente sobre a nossa fé.

E devemos mesmo pensar sobre a nossa fé. Não o fazer seria um mau serviço à fé em si. A revelação de Deus é feita a criaturas racionais e deve ser recebida e respondida como tal. Jesus Cristo, a plenitude da revelação de Deus, é o Logos – o verbo, a ideia e ou o pensamento – tornado carne. Deus é o nosso “culto racional” (Romanos 12,1). A ausência de pensamento deturpa e distorce a fé católica. Conduz a uma fé superficial, supersticiosa e frágil, pronta para ser estilhaçada mal seja confrontada por uma boa pergunta.

Fiéis que não pensam tornam-se alvo fácil para predadores. São como a semente que caiu ao longo do caminho. “Quando um homem ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semeado no seu coração” (Mateus 13,19). Um magistério que não pensa torna-se uma tirania que não ensina a palavra de Deus com autoridade, mas impõe simplesmente o seu poder.

Agora, para apreciar a pergunta de Nossa Senhora, temos de a contrastar com a pergunta de Zacarias que surge mais cedo no Evangelho de São Lucas (ver Lucas 1,5-23). O Anjo Gabriel aparece-lhe no templo. Junto ao altar, anuncia a resposta às orações de Zacarias, o nascimento de João Baptista. Em resposta, Zacarias pergunta: “Como terei certeza disso?” À primeira vista, a pergunta é semelhante, praticamente a mesma feita por Maria. Mas a diferença é profunda.  

Como terei a certeza disso? Bom, tens à tua frente o mensageiro de Deus. Isso devia ser prova suficiente. Se o envio de anjo por Deus não é suficiente, então que mais será preciso? Em termos modernos, a pergunta de Zacarias soaria a algo como “deve ser, deve”, ou “Ai sim? Então prova.” Ele não está aberto à verdade que lhe está a ser anunciada. Pelo contrário, insiste que Deus lhe dê provas. Zacarias é um cético, não procura conformar a sua mente à realidade, mas insiste que a realidade se comprove ao seu gosto. Isso torna Zacarias uma imagem adequada da maioria dos pensadores modernos.

A pergunta de Maria é diferente. “Como pode ser isso?” pode ser traduzido como “como será isso?” ou ainda “Como é que isto vai ser?” O ponto é que ela aceita que aquilo que o anjo lhe anunciou será. Mas também quer saber como. Maria confia – tem fé – de que o mensageiro de Deus está a dizer a verdade. Depois, quer compreender como é que esse milagre irá ocorrer

Esta é, por isso, a primeira lição que Nossa Senhora nos ensina sobre como pensar: fazer perguntas com fé. A definição de teologia é uma fé que tenta compreender. Primeiro, acreditamos naquilo que Deus revelou; depois procuramos compreendê-lo melhor. Não condicionamos a nossa fé à compreensão. Não dizemos: “Acreditarei, depois de me convenceres”. Isso foi o que fez Zacarias, e foi punido por isso. A fé no que Deus revelou é necessária ao pensamento correcto na Igreja.

Na verdade, a fé é necessária para qualquer tipo de pensamento. Todos os professores compreendem isto, porque a primeira coisa que os seus alunos devem fazer é confiar neles. Se o aluno não tiver este tipo de fé natural, se recusar-se a confiar, então não será capaz de receber aquilo que o professor tem para partilhar. Os revolucionários instam-nos questionar a autoridade, mas esse é o mantra daqueles que se recusam a ser ensinados e por isso nunca aprenderão a pensar.

Em segundo lugar, Maria mostra-nos que devemos fazer perguntas com a disposição certa para receber a resposta. A pergunta de Zacarias era a única resposta que ele queria. A pergunta de Nossa Senhora revela abertura a aprender. Aqui devemos recordar a frase de Newman de que “dez mil dificuldades não formam uma dúvida”. Uma dificuldade é uma perplexidade ou questão sobre algum aspecto da fé. Leva a questionar e à disposição para acolher o que Deus tem para dizer.

Já a dúvida tem as suas raízes no cepticismo, e conduz ao mesmo. Coloca Deus no Banco dos Réus e coloca sobre Ele o ónus da prova. A ironia é que Deus fez muitas coisas para provar o seu amor por nós. Mas não estamos abertos às suas respostas. Estamos constantemente a mudar o alvo, insistindo que ele se prove de acordo com os nossos critérios.

Terceiro, Maria revela que as nossas questões devem servir para a autodoação. A sua pergunta não é apenas um exercício intelectual. Não está a perguntar só porque era giro saber. Ela não sofre do vício de curiositas. Antes, pergunta, procura compreender mais, para que se possa conformar à verdade de Deus. É por isso que devemos fazer perguntas sobre a fé: para que, ao compreender melhor, possamos dar-nos mais. 

O castigo de Zacarias foi ficar mudo – porque os cépticos não têm nada de útil para dizer. Maria foi premiada com uma explicação e uma prova. Ela não as exigiu; Deus deu-lhas na sua generosidade. Nem sempre Ele fala tão rápida ou claramente. Mas retribui sempre aqueles que o buscam com corações retos e sinceros, que desejam conhecê-lo e compreendê-lo mais, não segundo os seus critérios, mas segundo os dele.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 24 de Março de 2023 em The Catholic Thing

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