Francis J. Beckwith |
Até há pouco tempo o casamento era concebido universalmente
como sendo constituído de três características essenciais: conjugalidade,
permanência e exclusividade. As leis em vigor reflectiam, no geral, este
conceito.
A conjugalidade refere-se à forma como o casamento é
consumado: coito entre esposos masculino e feminino. A permanência refere-se ao
facto de o casamento não poder ser dissolvido (ou anulado) sem que certas
condições específicas sejam cumpridas ou um dos parceiros morra. A
exclusividade refere-se ao facto de os esposos não poderem ter relações de
intimidade sexual fora do casamento.
A conjugalidade só é uma condição devido à natureza da
relação sexual, que se destina à criação de prole através da união dos dois
corpos. É por isso que apertos de mão, abraços, beijinhos e outras formas de
toque, penetração ou intimidade não preenchem este requisito.
É também por isto que é errado dizer-se que todas estas
outras formas de relacionamento são indistinguíveis daqueles actos conjugais
que, devido a doença ou idade, não podem gerar filhos. Estes actos, embora
estéreis, não deixam de ser actos conjugais, da mesma maneira que um homem não
deixa de ser um animal racional só porque se encontra em coma e deixou de poder
exercer as suas faculdades racionais.
Tal como o doente ainda possui dignidade humana apesar de
não conseguir exercer as suas capacidades humanas, o acto conjugal estéril entre
um marido e a mulher possui a mesma dignidade, precisamente porque actualiza a
mesma união misteriosa e profunda que é, pela sua natureza, ordenada para a
criação de uma pessoa única e insubstituível que, literalmente, encarna a
união.
Dada a natureza sagrada da conjugalidade, um conceito que
em tempos era aceite sem qualquer controvérsia por praticamente toda a gente, a
exclusividade e a permanência fazem todo o sentido, especialmente para quem
acredita que as crianças não só se criam melhor com, como têm direito a, um pai
e uma mãe, ligados um ao outro sob a autoridade de uma aliança cujos contornos
não têm competência para dissolver ou mudarem meramente pelo consentimento.
Claro que tudo isto – conjugalidade, permanência e
exclusividade – já não é um dado adquirido e, para muitos dos cidadãos cuja
moral se formou na cultura pós anos 60, pode parecer literalmente incompreensível.
Com a entrada em vigor das leis de divórcio sem
culpabilidade, no início dos anos 70, a permanência começou a dissipar. A
exclusividade seguiu rapidamente o mesmo caminho. A revolução sexual trouxe
consigo não só o desvendar da moral que condenava a fornicação, mas também os
conceitos de “swinging”, casamentos “abertos” e mesmo o poliamor. As violações
da exclusividade começaram a ser vistas não como intrinsecamente erradas, mas
erradas apenas na medida em que os esposos não davam o seu consentimento.
Sem grandes surpresas, estas mudanças levaram à proliferação
de nascimentos fora do casamento, mães solteiras (com filhos de uma variedade
de pais diferentes), famílias destroçadas e famílias mistas.
Consequentemente, não permaneceu nada de especial no
casamento. Todas as relações podem, em princípio, ser quebradas, religadas ou
removidas desde que exista consentimento dos adultos envolvidos. Contudo,
aqueles que não podem consentir, como as crianças, podem ser eliminadas
(através do aborto) ou, como qualquer propriedade comum, distribuídos de forma
equitativa pelas partes interessadas através de procedimentos judiciais.
Dada esta trajectória, porque é que a conjugalidade há-de
se manter? É precisamente isso que insinua a retórica de quem apoia o
reconhecimento legal das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Isto faz todo o
sentido para muitos dos nossos concidadãos, à luz da sua experiência pessoal de
terem crescido numa cultura em que lhes foi ensinado que o “casamento” é um
artefacto moldado pela nossa vontade e não uma instituição sagrada que não
inventámos e à qual as nossas vontades e os nossos corpos ficam sujeitos quando
a ela aderimos.
O que nos leva a uma das grandes ironias do nosso tempo.
Recentemente um pasteleiro no Colorado foi avisado pelo Estado de que não se
podia recusar a fazer e decorar um bolo para um casal do mesmo sexo que se
tinha “casado” no Massachusetts, mas ia fazer a festa no Colorado onde,
actualmente, essas uniões não são reconhecidas. O pasteleiro tinha-se recusado,
por não poder, em consciência, apoiar materialmente um evento litúrgico que as
suas crenças teológicas consideram gravemente imoral.
Estranhamente, com o fim das condições de exclusividade e
permanência, e agora de conjugalidade, esta decisão significa que cada parceiro
de um casamento legalmente reconhecido (ou união de facto) tem literalmente
menos obrigações legais um para o outro do que o pasteleiro tem para com o
casal. Aparentemente, o Estado acredita que a preservação da relação entre o
pasteleiro e o “casal” homossexual é de maior importância para a causa da
justiça pública do que fazer o mesmo para as relações que afirma estar a
defender.
Dito de outra maneira: É mais difícil para um pasteleiro
no Colorado deixar os seus clientes, do que os parceiros num “casamento”
homossexual no Massachusetts deixaram-se um ao outro.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 20 de Junho
de 2014 em The
Catholic Thing)
Francis
J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na
Universidade de Baylor. É
autor de Politics
for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George
e Susan McWilliams), A Second Look at
First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of
Hadley Arkes.
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É par e não casal !!! Vem duas vezes -- casal -- sem aspas.
ReplyDeleteO texto é uma tradução. No orignal aparece também couple, sem aspas. É uma questão de respeitar a grafia original.
ReplyDeleteQue lhe estorva o casamento homossexual? Se eles se querem casar pois que se casem são livres, é importante se lhe chama casamento ou união? Já dizia a minha avó, "cada um sabe de si e Deus de todos".
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