Wednesday, 29 November 2023

Fé, Certeza e Dúvida

Tens a certeza de que Deus existe? Tens a certeza que não? De que lado está o ónus da prova nesta questão? São os crentes que têm de provar que Deus existe? Ou devem ser os ateus a provar o contrário? Muitos optam por se pronunciar “agnósticos” – não sei mesmo.

Tudo bem, a não ser que a questão da existência de Deus seja tão importante e relevante como saber se o vulcão por cima da minha casa está prestes a explodir. Como não sou vulcanólogo, posso legitimamente dizer “eu não sei mesmo”. Mas não posso propriamente dizer que a resposta à questão não tem qualquer importância para a minha vida e realização. Dizer-me “agnóstico” e voltar para casa não é uma resposta “neutra”. Com os meus gestos estou a colocar-me do lado dos que dizem que esta não é uma preocupação relevante.

Tenho pensado muitas vezes que o verdadeiro objectivo da famosa “aposta” de Pascal era tentar levar os seus compatriotas, com a mania de que eram tão sofisticados, a enfrentar esta questão existencial da mensagem do Evangelho: E se, com a tua vida, já apostaste tudo nesta questão? E se todo o teu dinheiro (ou toda a tua vida) dependessem da resposta a uma certa questão, estarias mesmo disposto a permanecer “agnóstico” sobre ela?

Posso ter a Certeza de que Jesus é Deus feito homem, e que a sua morte sacrificial nos dá a salvação? Talvez não. E então?

E se não colocarmos a questão desta forma, em busca da certeza?

Esta busca pela certeza é uma tendência que foi introduzida na consciência moderna por René Descartes, que acreditava que dizer “eu sei” implicava ter a certeza – tão certo como estou de que 2+2=4. Um antigo professor meu dizia que este era o tipo de erro que, na escola de Aristóteles, teria levado a uma bela reguada. “Não, Descartes! Não! Não podes esperar o mesmo grau de certeza em todos os assuntos!”

Podes ter a certeza sobre Deus, Jesus e tudo o resto? Talvez não. Mas há outras questões sobre as quais não podes ter a certeza. A tua mãe ama-te? Podes ter a certeza disso? Talvez ela seja um génio malvado a enganar-te simplesmente para te poder manipular quando fores mais velho.

Bom, talvez seja possível, sim, mas o que é que ela poderia esperar ganhar que pudesse justificar todo o esforço e sacrifício que está a fazer agora? E como é que podia ter a certeza de que todos os esforços valeriam a pena? É possível, se bem que não seja inteiramente razoável, ou provável. Mas não posso ter a certeza, de facto.

E temos ainda outras questões com as quais as pessoas se debatem. Devo casar com esta pessoa? Posso ter a certeza de que vai “resultar”? É impossível ter a certeza. Talvez seja possível discernir melhor ou pior, mas quem exigir uma certeza absoluta nunca irá casar. Aqueles que pensam no amor e no casamento como escolhas que fazem, em vez de uma situação de que podem ter a certeza, tendem a ter mais sucesso a longo prazo.

Eu tive um professor que defendia que a “crença” era “agir como se fosse verdade”. Não me parece que seja a melhor das definições de fé, mas leva a algumas considerações interessantes. Se eu vejo uma ponte frágil e velha e decido atravessá-la, é porque creio que aguentará o meu peso. Como é que sabem que acredito? Porque estou a atravessá-la. Posso estar a fazê-lo de forma hesitante, com algumas dúvidas, mas estou a fazê-lo.

Um homem está a afogar-se e eu vejo um barco antigo. Se saltar para ele e remar em direcção ao homem, estou a demonstrar a minha crença de que o barco aguenta comigo. Estou a agir como se fosse verdade. Creio nisso – creio tão firmemente que estou disposto a arriscar a vida com base nessa crença.

Em “O Homem em Busca de um Sentido”, Viktor Frankl diz o seguinte sobre o tempo que passou em Auschwitz: “Tínhamos de parar de perguntar sobre o sentido da vida, e antes pensar-nos como aqueles que estavam a ser questionados pela vida – diariamente, a cada hora. A nossa conduta não devia consistir em conversa e meditação, mas em acção recta e conduta recta”.

E se, em vez de certezas sobre a ideia de Deus, nos pensássemos como estando a ser “questionados pela vida”, e a resposta a esta pergunta tivesse a ser dada com as nossas vidas. E se em vez de esperar pela sensação da certeza nos limitássemos a dizer: “Eu escolho viver como se uma vida de amor altruísta fizesse sentido”.

Quando agem com amor altruísta e ensinam os seus filhos a fazer o mesmo, os “agnósticos” e os ateus que dizem acreditar que vivemos num universo vazio e desprovido de sentido, revelam que não acreditam mesmo no que dizem acreditar. Eles acreditam no mesmo que os cristãos – sobre a vida e sobre o mundo. A diferença está em que os cristãos têm razões para a esperança que carregam. E podem dar nome a essa esperança.

Posso ter a certeza sobre o amor de Deus? Estás a gozar? Há dias em que o universo me esmaga e não sei se há valor no que quer que seja, sobretudo quando contemplo as trevas que andam pelo mundo e que habitam o meu próprio coração.

Embora não possa ter a certeza, posso escolher tentar viver como se o Deus de Amor existe e criou um universo em que a chave da realização humana é o Amor feito carne. Eu prefiro viver desta forma porque, na minha experiência, é o que faz mais sentido. Se quiseres chamar a isso “fé irracional”, força.

E sim, talvez seja como o tipo que está num barco velho e frágil, que nem sei se me vai manter à tona de água, a remar em direcção ao homem que se afoga. Mas eu prefiro ser esse tipo do que aquele que se encontra sentado na margem, a fazer perguntas infindáveis sobre a navegabilidade do barco. Esse tipo já fez a sua escolha. E eu fiz a minha. Mas nenhuma dessas escolhas é neutra.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 28 de Novembro de 2023)

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2 comments:

  1. Olá Jovens, bom dia, no Último JDJ tivemos num workshop com o Filipe Avilez, hoje no seu blog li um artigo difícil para vós e talvez complicado de entenderem, mas muito interessante que vai ao encontro de dúvidas que alguns colocaram na catequese, recomendo ler se tiverem paciência e depois colocar as dúvidas na próxima catequese. https://actualidadereligiosa.blogspot.com/2023/11/fe-certeza-e-duvida.html?fbclid=IwAR3gFHwx7BYfKm179fSSGnlW1G2Km_ocwYaEPE7XR22sYcwwDPB39zlVmKM&m=1

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