Randall Smith |
A formo como os publicitários vendem artigos aos jovens é
associando-os a um certo tipo de pessoa: cerveja com um tipo porreiro, fixe e
universitário; perfume ou roupa com um tipo magro, urbano e social; um carro
com um certo tipo másculo, bem-vestido, sofisticado e urbano.
Ironicamente, os jovens dizem muitas vezes que estão a
“expressar a sua individualidade” com as coisas que compram, quando isso é o
oposto da verdade. A escolha de certos produtos em vez de outros é normalmente
motivado por um desejo de se tornar mais como o modelo de pessoa “fixe” a que
aspiramos. Logo, longe de se tornarem “mais individualistas”, os adolescentes
procuram tornar-se mais como os outros.
Estas práticas culturais reforçam a ilusão moderna de que a
nossa identidade não é algo que recebemos (da natureza, de Deus, da cultura, da
tradição), mas algo que criamos individualmente, sozinhos.
Enquanto no passado os jovens podiam ver-se como sendo oriundos
de (e por isso, de certa forma, em divida para com), uma certa família, tradição
cultural ou religiosa, agora, por causa da influência do modernismo, os jovens
tendem a ver-se como auto-criadores. Seja qual for o seu passado, sejam de onde
forem, independentemente de quem forem os seus pais, podem recriar-se de novo:
podem ser “aquilo que quiserem ser”. Têm o dever de se criarem, aparentemente
ex nihilo.
Há muito neste ponto de vista que é bom, claro, dado que a
Igreja sempre enfatizou a importância do livre arbítrio. Em certo sentido sim,
criamo-nos pelas escolhas que fazemos.
Mas há algo que se pode perder com este ponto de vista
também: nomeadamente, a noção da nossa ligação e responsabilidade para com os
outros. Se eu me crio ex nihilo, então não devo nada a ninguém. Sou responsável
apenas por mim e pelo meu projecto de auto-criação. É verdade que isto me
poderá induzir a deixar os outros em paz para se dedicarem aos seus próprios
projectos de “auto-criação” (embora as crueldades da vida adolescente
contemporânea sugiram o contrário), mas poderá também (e mais provavelmente)
levar-me a negar qualquer responsabilidade em relação aos outros.
A minha individualidade é mais individual que a tua |
E se tivéssemos uma visão “sacramental” das coisas,
incluindo do corpo humano? E se eu visse o meu corpo (ou a minha roupa) como
algo que serve de instrumento do meu amor a Deus e ao próximo?
João Paulo II dizia frequentemente que não podemos amar o
nosso próximo – não nos podemos revelar a ele ou tornar-nos presentes a ele –
se não através do nosso corpo. Deste ponto de vista, o meu corpo e tudo aquilo
que ajuda a formar a minha “personalidade” deve ser entendido como estritamente
“meu” de um ponto de vista, mas também de outros e para os outros. Eu moldo o
meu carácter de certas formas porque quero ser prestável aos outros e poder
cuidar deles.
Tal como a modernidade nos levou a adoptar a noção de
propriedade como algo essencialmente “meu”, posto à parte dos outros e unicamente
para meu usufruto, agora também temos a ideia dos nossos corpos e das nossas
identidades como sendo algo que nos põe à parte dos outros e com os quais os
outros não devem interferir. É significativo que as pessoas falam hoje dos seus
corpos como sendo da sua “propriedade”, a serem usados como entenderem.
João Paulo II sugeriu, pelo contrário, que uma vez que somos
feitos à imagem de um Deus trinitário, descobrimo-nos ao fazer de nós mesmos um
dom sincero aos outros. Por isso ele propôs que ao trabalharmos seja para nós
mesmos, mas também com e para os outros, e insistiu numa noção de propriedade
“privada” que é ao mesmo tempo “minha” mas também sempre para outros.
O mundo boémio da liberdade sexual esteve sempre claramente
ligado ao mundo burguês do capitalismo laissez-faire. Ambos assentam numa noção
de individualismo radical e auto-criação que a Igreja sempre rejeitou. É por
isso que os ensinamentos autênticos quer da moral sexual quer da justiça social
ofendem sempre uma das partes nos debates entre conservadores individualistas e
liberais individualistas. É por isso que “conservadores” e “liberais” estão
sempre a tentar afirmar um dos lados do ensinamento da Igreja, enquanto evitam
o outro, embora uma compreensão autêntica quer da moral sexual quer da justiça
social insista que ambos se baseiam na mesma visão “sacramental” de toda a
realidade criada, na qual todas as coisas criadas, incluindo nós mesmos e os
nossos corpos, devam ser entendidas como “instrumentos” do amor de Deus.
“A verdadeira queda do homem”, escreveu o grande teólogo
ortodoxo Alexander Schmemann, é viver “uma vida não-eucarística num mundo
não-eucarístico”.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St.
Thomas, Houston.
© 2014 The
Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment