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Roland Millare |
No tempo dos Padres da Igreja
não existia qualquer incompatibilidade entre servir a Igreja como intelectual e
o chamamento à santidade. O monge do deserto Evgário (c. 346-399) exorta-nos a
recordar que “aquele que é teólogo reza”. Durante um bom período, ser santo e
ser intelectual era a norma para homens e mulheres como São Tomás de Aquino,
São Boaventura, Santa Teresa Benedita da Cruz e São João Paulo II.
Através da sua obra escrita, e
pelo testemunho da sua vida, Bento XVI mostrou como devemos praticar a
exortação do teólogo suíço Hans Urs von Balthasar, de começar e terminar a
teologia “de joelhos”. Por outras palavras, a vocação académica e o chamamento
à santidade nunca devem ser mutuamente exclusivos.
Nas suas reflexões sobre a
história e o desenvolvimento da teologia na história da Igreja, Bento XVI
distingue cuidadosamente entre dois métodos teológicos: o escolástico e
o monástico.
A teologia monástica,
naturalmente representada por monges (tipicamente abades), dedica-se sobretudo
a inspirar e encorajar os desígnios amorosos de Deus, enquanto que a teologia
escolástica interessa-se por demonstrar a relação próxima entre a fé e a razão.
Os teólogos escolásticos interessam-se em apresentar explanações sistemáticas
da razoabilidade da fé e da unidade da revelação divina.
Agora e sempre, espera-se que
o Cristianismo possa dar ao mundo razões da sua esperança (1 Pedro 3,15). Todos
os crentes devem poder dar uma razão, ou apologia, da sua esperança a quem a
pedir neste mundo. A teologia monástica ou a teologia escolástica do período
medieval não são capazes, por si, de penetrar os corações empedernidos dos
homens e das mulheres dos tempos modernos.
O teólogo no mundo moderno
deve beber profundamente da sabedoria de ambos os métodos no estudo, oração, fé
e contemplação. Se o teólogo quiser tornar o logos razoável então deve estar
profundamente enraizado numa vida alimentada regularmente pelo Logos Encarnado,
através da leitura orante das Escrituras, oração mental consistente e a
celebração da liturgia.
No que toca à verdade temos
dois caminhos distintos: a verdade (logos) que recebemos ou a que
construímos para nós mesmos. No decurso do seu trabalho, Ratzinger sublinhou a
perspectiva de Giambattista Vico (1668-1774), que distingue entre uma verdade
que é exclusivamente produzida (verum quia factum) e uma verdade que nos
antecede (verum est ens). Posto assim, esta escolha levou Ratzinger a
tomar como sua a tese de Romano Guardini: a primazia do logos sobre o ethos.
A ameaça que nos coloca na
pós-modernidade é que a sociedade optou pela escolha de ver a verdade apenas
como o produto dos nossos próprios esforços. A verdade torna-se assim sujeita
ao capricho individual autónomo, ou à vontade da turba. O juiz Anthony Kennedy,
tornou-se o porta-voz desta mentalidade na sua sentença do caso Planned
Parenthood v. Casey (1992): “No cerne da liberdade está o direito de cada
um definir o seu próprio conceito de existência, de sentido, do universo, e do
mistério da vida humana”.
Assim o logos torna-se
subordinado ao ethos através do liberalismo e todas as formas de
filosofia materialista.
A linha actual na comunicação
social tem sido de que a maior contribuição do Pontificado de Bento XVI foi a
sua resignação. Mas a história poderá bem demonstrar que ele lembrou a Igreja
de como podemos interagir efectivamente com o mundo moderno – em particular o
Estado moderno – com a constante mensagem de que a razão, o direito natural, o logos,
são capazes, com o assentimento da fé, de alcançar muito mais do que a
concepção limitada de razão do homem moderno. Como escreveu James V. Schall,
S.J., Bento XVI colocou as fundações para uma teologia da política, ou política
filosófica, verdadeiramente cristãs.
Nos seus discursos na Universidade
de
Ratisbona,
no
Bundestag
alemão, em
Westminster
Hall, no Reino Unido, e no grande discurso que foi impedido de dar na
Universidade
La Sapienza, em Roma, Bento XVI explicou a quem estivesse disposto a
escutar e a ler cuidadosamente que a sociedade apenas pode florescer com o
livre exercício, em conjunto, da fé e da razão.
Bento XVI descreveu a sua
própria teologia como “inacabada” ou “fragmentária”, porém, à medida que formos
descobrindo os tesouros que se encontram nos seus livros, artigos, homilias e
discursos, encontrarmos a rica teologia que está ancorada na Palavra de Deus
como nos foi revelada na Escritura e na Tradição, interpretada fielmente pelos
Padres da Igreja, em especial por Santo
Agostinho.
Embora várias partes da sua
sinfonia teológica estejam por terminar, ele desenvolveu os contornos de um
método teológico que volta a enfatizar a unidade entre a fé e a razão, Oriente
e Ocidente, Escritura e Tradição, antigos e modernos, e muito mais. Desenvolveu
uma teologia completamente aberta que entra em diálogos frutíferos com
outros.
Bento XVI também deixa à
Igreja uma nova teologia missionária que tem o potencial de alcançar a
humanidade moderna através tanto da fé como da razão. A descrição da teologia
monástica que o próprio faz, resume bem a sua abordagem à teologia:
Fé e razão, em recíproco
diálogo, vibram de alegria quando ambas estão animadas pela busca da união
íntima com Deus. Quando o amor vivifica a dimensão orante da teologia, o
conhecimento, adquirido pela razão, alarga-se. A verdade é procurada com
humildade, acolhida com estupefacção e gratidão: numa palavra, o
conhecimento cresce unicamente no amor pela verdade. O amor torna-se
inteligência e a teologia, autêntica sabedoria do coração, que orienta e ampara
a fé e a vida dos crentes.
Já não temos de “esperar por
um São Bento novo e, sem dúvida, muito diferente”, para citar Alasdair
MacIntyre, porque Bento XVI foi beber à fonte da Palavra
de Deus e à celebração da Sagrada Liturgia
para colocar a teologia no caminho definitivo da renovação
e da santidade: a face de Jesus Cristo – o eterno Logos.
Roland Millare, STD é Vice-Presidente
de Currículo e Director de Programas para Iniciativas do Clero para a Fundação
São João Paulo II, em Houston. É doutorado em Sagrada Liturgia pela Universidade
Litúrgica, na Universidade St. Mary of the Lake, em Mundalein. É ainda
professor assistente de teologia de candidatos ao diaconato na Universidade de
St. Thomas, em Houston e na Diocese de Fort Worth. É autor de A Living Sacrifice: Liturgy and Eschatology in Joseph Ratzinger (Emmaus Academic, 2022).
(Publicado pela primeira vez no
Sábado, 7 de Janeiro de 2023 em The
Catholic Thing)
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