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David Carlin |
Nos anos 30 e 40 do Século XX a esquerda americana
dividia-se em três grupos:
Primeiro, a extrema-esquerda (os vermelhos) – composta
sobretudo por membros do Partido Comunista dos Estados Unidos.
Depois, a esquerda mainstream (os rosas) – composta
sobretudo por socialistas, alguns dos quais anticomunistas e outros
pró-comunistas (companheiros de estrada).
Em terceiro lugar, a esquerda moderada, composta por
liberais, quase todos democratas, como Walter Reuther, Hubert Humphrey,
Franklin e Eleanor Roosevelt.
Nessa altura a extrema-esquerda influenciava a esquerda
mainstream e esta influenciava a esquerda moderada. Por outras palavras, os
comunistas influenciavam os socialistas e os socialistas influenciavam os
democratas liberais. Assim, indiretamente, os comunistas influenciavam os
democratas.
Quando começou a Guerra Fria, logo depois da II Guerra
Mundial, e as relações amigáveis que existiram durante a guerra entre os EUA e
a União Soviética se dissolveram rapidamente, os democratas liberais decidiram
que deviam erguer um “muro de separação” entre eles e todos os que se situavam
à sua esquerda. Por isso os liberais tornaram-se ferozmente anticomunistas e
antissoviéticos e expulsaram os comunistas e os seus companheiros de estrada
dos sindicatos. A anterior atitude de “nenhum inimigo à esquerda” deu lugar a
uma atitude de “todos à esquerda são inimigos”.
Este “muro de separação” não só permitiu aos liberais
evitar qualquer influência vermelha ou cor-de-rosa, como lhes permitiu ainda
formar alianças políticas e culturais com os centristas, ou seja, os americanos
comuns que não se consideram nem de esquerda nem de direita, nem liberais nem
conservadores.
Era esta aliança entre os liberais e os centristas que
caracterizava o Partido Democrata, configurada em personalidades como Harry
Truman, John Kennedy e Lyndon Johnson. Isso permitiu aos liberais (isto é,
esquerda moderada) apresentarem-se como 100% americanos. Os liberais podiam
apresentar-se como sendo tão patriotas como a direita e mais, convenciam-se que
o seu patriotismo era mais inteligente, logo mais eficiente, que o patriotismo
desmiolado da direita.
Esta era uma aliança que se adequava perfeitamente à
razão e ao coração dos católicos americanos. Por razões religiosas os católicos
opunham-se fortemente ao comunismo e a qualquer forma de esquerda ateia, e por
causa do seu estatuto socioeconómico (eram na esmagadora maioria operários ou
de classe média baixa) tendiam a apoiar políticas sociais de esquerda moderada.
Um Partido Democrata liberal-centrista caía-lhes no goto, tanto que se podia
dizer que o Partido Democrata era o partido católico.
O pico desta aliança liberal centrista chegou em Novembro
de 1964 quando Lyndon Johnson foi eleito Presidente por esmagadora maioria.
Isto aconteceu poucos meses depois da passagem da Civil Rights Act de 1964 e
poucos meses antes do Voting Rights Act de 1965.
Mas depois veio a Guerra do Vietname. As secções mais
radicais da esquerda americana, que tinham permanecido do lado de lá do “muro
da separação” há cerca de vinte anos, começou a desmantelar esse muro. A
esquerda radical foi, logo desde o início, fortemente contra o envolvimento no
Vietname enquanto que a esquerda moderada (democratas liberais) apoiava o
envolvimento americano.
Com o passar dos meses e dos anos o apoio liberal pela
guerra foi amolecendo; cada vez mais a esquerda radical e a esquerda moderada começaram
a concordar quanto à oposição à guerra. Este consenso antiguerra da esquerda
tornou-se perfeitamente claro em 1968 quando dois liberais, Eugene McCarthy e
Bobby Kennedy, concorreram à candidatura democrata com base numa posição
antiguerra. O muro de separação estava a ruir. (Ironicamente foi Hubert
Humphrey, um dos arquitectos desse muro, quem se tornou o candidato democrata
nesse ano).
Entretanto a esquerda americana mudou. Em meados dos anos
60 a esquerda radical já não era composta sobretudo por membros do Partido
Comunista, uma vez que o comunismo tradicional da União Soviética e dos seus
satélites já não exercia grande atração para os radiais americanos, que eram sobretudo
jovens imbuídos do espírito da revolução. Outras formas de comunismo já eram
mais atraentes para estas pessoas, como por exemplo o de Mao, na China e o de
Castro, em Cuba. Estes regimes pareciam genuinamente revolucionários, ao
contrário do comunismo maçadoramente burocrático da União Soviética.
Com o passar dos anos e a chegada dos anos 70 o apoio
pela guerra do Vietname desapareceu quase por completo entre os liberais e
passou a existir sobretudo entre conservadores como o Presidente Nixon e Henry
Kissinger. Eventualmente até eles desistiram.
O muro de separação tinha desaparecido. Entre liberais, a
ideia era: “Durante anos estávamos errados sobre o Vietname, mas os radicais
tinham razão. Devíamos tê-los escutado. Mais, se se eles tinham razão quanto ao
Vietname, talvez tivessem razão sobre outras coisas. Devemos dar-lhes um lugar
à mesa”.
Desde os anos 70, portanto, a esquerda radical e as suas
ideias têm entrado aos poucos para o Partido Democrata. Cada vez mais o partido
influenciado pela esquerda mainstream, que por sua vez é influenciada pela
esquerda radical, abraçou crenças e valores radicais. O centro de gravidade do
partido derivou muito mais para a esquerda.
E é assim que o partido veio gradual, mas enfaticamente,
a abraçar ideias radicais em relação ao aborto, à homossexualidade, casamento
entre pessoas do mesmo sexo e transgénero. Com a subida de influência de Bernie
Sanders caminhou cada vez mais no sentido de que a América se devia tornar
“socialista”, querendo com isso dizer que o Governo federal deve ter enormes
poderes para dirigir a economia nacional tanto na produção como na
distribuição. Agora podemos dizer que a esquerda radical não só está dentro do
partido como quase o controla completamente.
E onde é que ficam os católicos, outrora tão satisfeitos
com o partido de Roosevelt, Truman, Kennedy e Johnson? O católico comum tem
estado a derivar – lentamente, sem grandes certezas – em direção ao Partido
Republicano. Será que os católicos vão conseguir transformar o Partido
Republicano naquilo que o Partido Democrata já foi, um partido quase católico?
Teremos de esperar para ver.
David
Carlin é professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode
Island e autor de The Decline
and Fall of the Catholic Church in America
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 30 de Outubro
de 2020 em The Catholic Thing)
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