Wednesday, 18 November 2020

Quais são as Fundações da Universidade?

Randall Smith
Até há pouco tempo poderia ter assistido a uma conferência com o título “É Possível uma Universidade Cristã?”. Com isto queria-se dizer: “Pode uma universidade moderna e ‘pluralista’ ser cristã?” Ou será que as convicções cristãs da instituição prejudicariam a busca aberta e imparcial pela verdade? A resposta poderá parecer bastante evidente, tendo em conta que a universidade surgiu na Europa cristã medieval e floresceu nesse mesmo ambiente durante séculos.

Agora, porém, uma conferência com o título “É possível uma Universidade Cristã?” teria mais a ver com a questão: “Será que no futuro continuará a ser possível uma universidade identificar-se como cristã?”. Os campus talvez possam continuar a ter uma capela, desde que nada lá seja dito que seja desconfortável para a administração. Mas será que o Estado, a administração ou o corpo docente irão continuar a permitir que a universidade mantenha a sua missão enquanto instituição distintamente cristã?

Há uma história importante a contar sobre a relação entre a primeira questão – É possível uma universidade cristã? – e a segunda: Deve ser permitido uma universidade ser cristã? O ponto de partida para ambas as questões é que poderá haver (e que provavelmente há) uma fundação melhor para a educação que deve acontecer numa universidade do que a convicção cristã.

Fundndo uma universidade sobre o Cristianismo, presumiu-se, destruiria a livre troca de ideias que é essencial para a sua missão. Mas infelizmente foram poucos os que se questionaram por que razão, se o Cristianismo e o livre intercâmbio de ideias são incompatíveis, é que as universidades surgiram e floresceram precisamente num berço cristão? Menos ainda foram os que perguntaram o que aconteceria quando se criassem as chamadas “universidades livres”, sem qualquer filiação religiosa. Foram elas mais livres do que os seus pares confessionais? Raramente, ou nunca. Em vez disso acabaram por se sujeitar ao poder imperial do Estado.

O autor de um recente artigo no “Church Life Journal” fornece uma recordação importante sobre as obras que fazem parte do muito debatido cânone ocidental.

Hobbes refere-se a si mesmo como um anti-Aristóteles, Nietzsche chamou a um dos seus livros o anticristo, e por aí fora. Os projetos políticos incluídos na descrição são também diametralmente opostos – monarquia versus democracia, capitalismo versus socialismo, teocracia versus secularismo – todas estas oposições e muitas outras têm sido sugeridas dentro dos limites da Civilização Ocidental… Hobbes e Schmitt queriam banir certos livros. Platão quis banir os poetas e instalar mitos edificantes. Nietzsche queria ultrapassar e esquecer toda a “moralidade escrava”. Marx poderá ter abandonado a sala do seminário para se juntar à revolução.

Seja como for, a “revolução” acabaria por banir a maioria dos livros que ele tinha estado a ler.

Plotino e Porfírio pensavam que a literatura cristã dos primeiros tempos devia ser descartada. Os aristotelianos do Renascimento queriam banir a obra de Galileu. Os aliados renascentistas pitagorianos de Galileu queriam livrar-se de Aristóteles. Mais recentemente, a união de estudantes da University College London baniu o Clube de Nietzsche, por ser “fascista”. Em boa verdade o próprio Nietzsche provavelmente os teria banido a todos e certamente não admitiria que ninguém se juntasse a um clube com o seu nome. Mais recentemente ainda os estudantes da mesma instituição britânica quiseram banir todos os “filósofos brancos”. E não é por acaso que um dos livros mais banidos da história – e ainda hoje – seja a Bíblia. 

Não deixa de ser interessante que em qualquer faculdade de humanidades de uma universidade católica séria pode-se ler as obras de Platão, Aristóteles, Cícero, Lutero, Rousseau, Marx e Nietzsche e levá-los a todos a sério. Se os discípulos devotos de qualquer um desses pensadores mandasse, porém, a lista de leitura permitida seria muito mais limitada. Será que a Universidade Nietzschiana o deixaria ler Marx ou Aristóteles? E a Universidade Marxista deixaria ler Cícero ou Aquino?

É possível? Parece que sim.

A estranha presunção de que, se simplesmente nos livrássemos do Cristianismo as universidades seriam mais “livres”, não tem pernas para andar, como comprova a história antiga e recente. Não é que o Cristianismo não tenha tido também as suas tensões com a universidade. Mas isso não tem mal, porque a questão perene da universidade cristã é compreender a relação entre a fé e a razão.

A convicção crista que sempre serviu de base a essa questão é de que as verdades da fé e da razão jamais estarão em contradição, porque ambas derivam de Deus. Como João Paulo II disse, de forma tão eloquente: “A fé e a razão são como as duas asas com que o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”. O trabalho de compreender esta relação entre a fé e a razão tem, contudo, sido frequentemente um desafio dinâmico, mudando conforme as alterações nas ciências e na filosofia dominante de cada tempo. Mas é precisamente esse desafio que tem animado a vida intelectual da universidade.

Quando Cristo, o Verbo feito carne, é entendido justamente como o centro da missão da universidade, então toda a verdade, seja qual for a sua origem, é bem-vinda e importante. É quando essa convicção cristã é substituída por um “sistema” ou “processo” ou “ideologia” que todo o edifício começa a ruir a partir de dentro.

Olhemos para a universidade contemporânea, agora confortavelmente isolada de qualquer resquício de cristianismo. Estas instituições são mais livres? Estão a treinar os seus estudantes para serem melhores servidores da humanidade? Ou transformaram-se em refúgios de uma ideologia partilhada e da “cultura de cancelamento”? Será que se perderam em larga medida, fazendo-se servidores de Mamon em vez da verdade?

A universidade é um produto distintamente cristão. Quando Cristo se encontra no seu centro, toda a criação é importante, obra das mãos de um Deus de amor. Quando Cristo está no centro não há nada de genuinamente humano que não ecoe no coração dos seus membros. Quando perde Cristo como centro, torna-se rapidamente um servo de Mamon, da ideologia ou do Estado.

É possível uma universidade cristã? Ainda é possível? A resposta a essas perguntas dar-nos-á a resposta a uma terceira: Ainda é possível uma universidade? Em relação a isso os dados não são nada animadores.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 9 de Novembro de 2020)

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