Wednesday, 9 August 2023

Introdução à Pregação

Celebrámos recentemente o 700º aniversário da canonização de São Tomás de Aquino, que teve lugar no dia 14 de Julho de 1323, no Palácio Papal, em Avignon. Esta foi a época a que já se chamou o “Cativeiro Babilónico do Papado”, quando sete papas seguidos residiram em Avignon, França, em vez de em Roma. Mais tarde, infelizmente, isso conduziria a um cisma, levando a um período em que houve múltiplos pretendentes ao trono de Pedro. O problema não foi totalmente resolvido até ao Concílio de Constância, em 1417. É sempre bom ter isto em mente quando imaginamos que as coisas nunca estiveram tão mal como estão agora.

Lembrei-me deste aniversário há pouco tempo quando alguém me perguntou sobre a pregação de São Tomás. Tomás era, como se sabe, um dominicano, membro da “Ordem dos Pregadores”, fundada por São Domingos. Porquê uma ordem dos pregadores? Porque no princípio do Século XIII havia muito pouca pregação para os leigos na Igreja.

Em muitos locais não se fazia pregação de todo (o que não é tão bom como possa parecer). Ou quando existia pregação era mal feita e cheia de erros doutrinais (soa familiar?). Os padres do Quarto Concílio de Latrão (1215) decidiram que era preciso mudar isto, por isso encarregaram os bispos de alocar recursos para formar bons pregadores. São Domingos fundou a Ordem dos Pregadores em parte como resposta a este chamamento na Igreja.

Embora São Tomás pertencesse à Ordem dos Pregadores, surpreendentemente pouca atenção tem sido dada à sua pregação ao longo dos séculos. Felizmente, porém, a Comissão Leonina publicou recentemente uma edição crítica dos seus cerca de 20 sermões autênticos, e existe uma boa tradução para inglês do Pe Mark-Robin Hoogland, disponível através da Catholic University of America Press.

Tendo em conta o estilo bastante peculiar destes sermões, eu escrevi um livro chamado “Lendo os Sermões de Tomás Aquino: Um guia para principiantes”. O objectivo é compreender que cada palavra no versículo bíblico inaugural tem a função de uma mnemónica que permite ao ouvinte recordar o conteúdo de todo o sermão, simplesmente recordando o versículo bíblico.

Perguntam-me frequentemente o que é que São Tomás tem para ensinar aos pregadores modernos? É uma questão complicada. O seu estilo, embora fosse a norma para quase toda a gente no Século XIII, é difícil de compreender hoje em dia. Mas há algumas lições.

A primeira é evidente: uma boa pregação está ligada à própria santidade. E, porém, há muitos santos pastores que não são necessariamente bons pregadores. A pregação, tal como a escrita, a canalização ou a jardinagem, é uma capacidade que tem de ser treinada e aprendida.

A segunda lição, que é parecida, é que um bom pregador prepara-se. Não é possível pregar da forma como Aquino e Boaventura faziam, no que era chamado o estilo de “sermão moderno”, sem uma preparação séria. Era impossível simplesmente improvisar.

A terceira coisa que podemos aprender com este estilo de pregação é o valor de construir um sermão de forma a ser lembrado. Se os fiéis saem da missa e alguém pergunta sobre o que é que foi a homilia, e ninguém se lembra, então temos um problema. Mais importante ainda, se os fiéis não se recordam sequer das leituras, então o mais provável é que a homilia tenha sido um fracasso.

São Tomás Aquino

Alguns leitores devem estar a perguntar: “Recordar a homilia e as leituras? Quando é que isso acontece?”. Sim, isso é um problema, um problema grave. Uma das coisas que aprendemos com os inquéritos sobre a sinodalidade (e que não precisávamos de inquéritos para descobrir) é que quase todos manifestam desagrado com a qualidade da pregação. De tal forma que se pensaria que o sínodo teria adoptado o tema para ser discutido, tal como aconteceu no Quarto Concílio de Latrão.

Até o Papa Francisco tem sugerido que a pregação precisa de ser reformada, embora me pareça que ele se estivesse a referir à sua excessiva duração. Não me parece que esse seja o principal problema. As más homilias tornam-se aborrecidas depois de trinta segundos. As boas passam a voar. Mas para resolver um problema, primeiro é preciso reconhecer que ele existe.

Posso, contudo, oferecer mais um conselho. Eu argumento, no livro “Aquino, Boaventura e a Cultura Escolástica de Paris Medieval”, que as aulas sobre livros da Bíblia que eram dadas nas universidades medievais pelos mestres tinham como objectivo dar aos seus alunos recursos para pregar. Essa era a uma preocupação central.

Compare-se isso com a nossa prática moderna. Independentemente das suas forças e fraquezas, os estudos bíblicos segundo o método histórico-crítico raramente dão boa matéria de pregação. Já ouvi pregadores a tentar fazê-lo, e correu sempre mal.

Não me refiro a explicar o sentido de palavras-chave no Grego ou Hebraico original. Tenho um colega na universidade que o faz, e os seus alunos ficam fascinados. Mas isso deve-se mais à paixão que ele claramente tem por cada texto e cada palavra: “Eu adoro este versículo, é belíssimo!”, diz ele, e nós brincamos, dizendo, “o senhor padre diz isso sobre todos os versículos”. Não, estou a falar mais de comentários do género: “Na verdade esta epístola não foi escrita por Paulo”, ou “isto foi acrescentado ao Evangelho mais tarde, por um editor”. Muita da pesquisa em que isto assenta é demasiado especulativa, e o efeito que tem sobre a assembleia é como serrar o tronco em que estamos sentados.

“Bom, senhor padre, se não temos de prestar atenção às Escrituras, então também não temos de prestar atenção a si. Porque a única razão pela qual estamos a prestar atenção a si é porque achamos que nos ajudará a compreender melhor a palavra de Deus. Por isso, se nos está a dizer que isto não é a palavra de Deus, vamos desligar-nos”.

Se calhar estamos a precisar de um novo curso: A Bíblia para Pregação: Como não tornar a melhor história de sempre e o livro mis importante de sempre vazios, insignificantes e aborrecidos”. Podemos listá-lo no catálogo como Introdução à Pregação.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 1 de Agosto de 2023)

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