Wednesday, 2 August 2023

Sobre sínodos

Entre Outubro de 1971 e Outubro de 1987 realizaram-se sete assembleias do Sínodo dos Bispos, seis ordinários e um extraordinário que analisou a implementação do Concílio Vaticano II, 20 anos depois do seu encerramento. Eu era o secretário de imprensa da delegação dos bispos americanos em todas essas assembleias, e até contribui para alguns dos textos sinodais. Mais tarde cobri outras assembleias sinodais como jornalista.

Embora nada disto me faça especialista em sínodos, dá-me uma certa perspectiva, assente na experiência, a partir da qual consigo apontar os problemas que ameaçam tornar o próximo encontro no Vaticano uma experiência em sinodalidade menos satisfatória do que os participantes, ou o Papa Francisco, possam querer.

O primeiro e mais evidente problema é o tamanho. Dizem-nos que o sínodo de Outubro vai ter 364 delegados eleitores, 120 nomeados pelo Papa em Julho. Em contraste, os sínodos passados tendiam a ter 250 participantes, ou menos – e mesmo isso era muito.

A principal questão que isto levanta é evidente. Como é que 364 pessoas, vindas de muitas nações e culturas diferentes, e sem qualquer conhecimento prévio uns dos outros, podem esperar chegar a um consenso – ainda que interino – sobre o que quer que seja em apenas 25 dias (tendo ainda em conta que uma boa parte do tempo será dedicado a liturgias e eventos cerimoniais)?

Claro que a resposta honesta é que não podem. E isso aponta para o segundo grande problema. Os organizadores do sínodo – presumindo que estão todos a agir de boa fé – provavelmente sentir-se-ão na obrigação de apresentar qualquer coisa, com base nas notas tiradas durante as discussões e nas suas próprias ideias preconcebidas.

Com o tempo a escassear, o resultado deste trabalho será apresentado aos participantes, já cansados, numa altura em que estes estarão à procura de alguma coisa – qualquer coisa – para mostrar como fruto da primeira fase do Sínodo da Sinodalidade. Infelizmente, porém, todo o processo contribuirá ainda para reforçar as suspeitas que já existem de manipulação.

E recordem-se, entretanto, que já está agendado para Outubro de 2024 um segundo sínodo, provavelmente definitivo. Se a primeira fase está a tornar-se grande e impraticável, é difícil ver como a segunda pode escapar a um destino igualmente infeliz e inconclusivo.

O terceiro problema tem a ver com secretismo – ou, talvez seja mais correcto dizer uma ausência demoralizante de transparência. Na preparação de sínodos passados, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos optou por eleger os seus delegados em sessões abertas das suas assembleias gerais, na presença dos jornalistas. O Vaticano não gostava disso, mas os bispos persistiram.

Para além disso, durante as sessões do sínodo os americanos faziam conferências de imprensa regulares, e davam entrevistas. O Vaticano também não gostava disso, porque preferia limitar o fluxo de informação aos seus próprios briefings de imprensa. Mas também aqui os americanos persistiram e a coisa parecia correr bem. Aliás, a credibilidade geral do sínodo provavelmente saiu reforçada.

Desta vez, aparentemente para cumprir com as regras do Vaticano, os bispos americanos escolheram os seus delegados em sessões secretas e os nomes só foram divulgados quando a Santa Sé anunciou os restantes participantes. Quanto à informação durante o encontro de Outubro, resta saber como é que o Vaticano lidará com isso, mas a preferência por secretismo e centralização revelada até agora não dá grande confiança de que este encontro vai ser aberto e transparente.  

De acordo com o documento de trabalho para o sínodo, as consultas pré-sinodais revelaram vários temas mais ou menos sensíveis para colocar em cima da mesa, incluindo padres casados, diaconisas e o ministério para pessoas LGBTQ+. Nesse contexto, é de notar que para além dos cinco bispos americanos escolhidos pelos seus pares como delegados, o Santo Padre nomeou outros cinco que são normalmente considerados particularmente em linha com as suas opiniões. 

Claro que o Papa está no seu direito, mas há aqui uma certa tensão com a imagem do sínodo como um processo sem um desfecho predeterminado e onde todos são livres de manifestar a sua opinião.

Por fim, deixa-me oferecer uma observação pessoal sobre este exercício eclesial.

Temos ouvido dizer repetidamente que o resultado desejado de todo este processo é uma Igreja sinodal equipada para evangelizar as periferias. Muito bem. Mas que mensagem é essa que queremos fazer chegar às periferias? “Juntem-se a nós num enorme processo de consulta a que chamamos ‘Igreja’"? Espero francamente que não.

Em busca de uma resposta melhor, recorri à poderosa encíclica Fides et Ratio do Papa João Paulo II, de 1998. Aí encontrei algumas questões que, segundo João Paulo, as pessoas sempre colocaram: Quem sou eu? De onde vim e para onde venho? O que há depois desta vida? Porque é que existe o mal?

Estas podem bem ser questões perenes, mas há muitas razões para pensar que hoje muitas pessoas – incluindo muitas que estão nas periferias – já não as colocam. Em vez disso, o canto da sereia desta nossa cultura secularizada, distrai-os com imagens, sons e apelos constantes ao consumo que os movem a fazer outro género de perguntas: Como é que posso obter? Como posso guardar? Como posso gozar? O que é que eu quero, ainda sem o saber?

Se aquilo que eu disse está certo, segue-se que a Igreja sinodal deve reconhecer essas questões sobre obter, guardar, gozar e aprender a querer e tê-las como ponto de partida para levantar as tais questões perenes. Por outras palavras, muito mais do que as habituais questões prementes, terá de abordar – de forma urgente – a evangelização, como dizer às pessoas, com amor e convicção, que hoje, como sempre, as respostas que procuram têm um nome e uma face humanas: Jesus Cristo.


Russell Shaw é autor de Papal Primacy in the Third Millennium (2000). O seu mais recente livro é American Church: The Remarkable Rise, Meteoric Fall, and Uncertain Future of Catholicism in America (2013).

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 27 de Julho de 2023)

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