Wednesday, 5 July 2023

Que sínodo, e que sinodalidade?

Stephen P. White
No seu livro “Justiça de Quem, qual Racionalidade?”, o filósofo Alasdair MacIntyre argumenta que as diferentes teorias de justiça não podem ser compreendidas, quanto mais avaliadas, sem ser no seio de uma tradição de inquirição racional. Sem se ter em conta a tradição a partir da qual se abordam questões importantes sobre justiça – ou, pior ainda, imaginando-se totalmente livre de tal tradição – o mais provável é que o próprio não compreenda e, pior, conduza os outros ao erro, agravando a confusão, o relativismo e o conflito.

A Igreja não é meramente uma escola de pensamento teológico ou filosófico. Nem a sua identidade se resume à sua tradição intelectual, por mais magnífica que seja. Contudo, quando a Igreja pensa sobre como se deve organizar para poder proclamar a Boa Nova de forma mais eficiente, fá-lo a partir de um contexto distinto, de uma tradição específica. Quando se esquece, ou ignora essa tradição, as coisas correm mal.

O que nos traz ao encontro do Sínodo da Sinodalidade, em Outubro, sobre o qual muito já foi escrito, incluindo muitas críticas. Embora eu partilhe de muitas dessas críticas, permitam-me tecer alguns comentários cautelosos em sua defesa.

Uma das maiores críticas do Sínodo – uma crítica à qual a sua liderança, incluindo o Papa Francisco, tem sido particularmente sensível – é de que já existe uma conclusão predeterminada para os trabalhos.

O processo sinodal, dizem os críticos, está pensado para dotar de credibilidade uma agenda predeterminada vinda do topo, pelas mãos dos seus próprios organizadores. Embora tal agenda possa não beneficiar de credibilidade ou de apoio, o processo sinodal fará com que pareça o resultado da voz do Povo de Deus, o infalível sensus fidei!

O perigo dessa visão está no facto de ser simultaneamente plausível (vide o “caminho sinodal” alemão) e de gerar níveis venenosos de cinismo e desconfiança, e não apenas entre os teoristas da conspiração e os malucos da internet. Durante o Sínodo para a Família, de 2015, um grupo de cardeais expressou preocupações semelhantes directamente ao Papa Francisco. A sua carta foi divulgada na imprensa, que tentou pintá-los como inimigos do sínodo e, por extensão, do Santo Padre.

Num esforço para antecipar tais críticas, o Instrumentum Laboris do actual sínodo enfatiza o facto de não estar a apresentar conclusões antecipadas, mas apenas tópicos e perguntas para consideração e discernimento. É por isso que o I.L. insiste, correctamente, que, “não é um documento do Magistério da Igreja, nem um relato de uma sondagem sociológica; não propõe a formulação de indicações operacionais, nem objectivos, nem a elaboração plena de uma visão teológica”.

Estas afirmações de neutralidade convencem na mesma medida em que se confia nos organizadores do sínodo.

Quanto ao Papa Francisco, tem insistido que “o sínodo não é um parlamento, ou uma sondagem de opinião; o sínodo é um evento eclesial, e o seu protagonista é o Espírito Santo. Sem a presença do Espírito, não haverá sínodo”.

Isto pode ser lido como uma admissão, que entendo como bem-vinda, de que o sucesso do Sínodo não é um dado adquirido. Se for um esforço meramente humano, falhará.

A Igreja não pode suspender a crença em, ou fingir neutralidade para com aquilo que lhe foi revelado – a Escritura e a Tradição – na esperança de melhor poder compreender como proclamar a Boa Nova. A Igreja não pode conduzir o sínodo como se não fosse portadora, e mesmo encarnação de uma particular Tradição. Seria um erro grave tratar o Magistério como apenas uma “agenda” entre outras.

É importante reconhecer que o Sínodo, se for conduzido com fidelidade e disposição apropriadas, pode vir a ser uma grande benesse para a Igreja. Na verdade, em todo o lugar onde a Igreja está viva e missionária já se encontra a “sinodalidade”, ainda que poucos a chamem assim.

Onde é que podemos ver a sinodalidade já em acção? Em qualquer lugar onde a Igreja escuta cuidadosamente e avalia aquilo que ouve à luz do que foi revelado pela Escritura e pela Tradição. Em qualquer lugar onde os baptizados compreendem genuinamente que o pensamento aprofundado não é a mesma coisa que o discernimento espiritual, mas que ambos são necessários.

Em qualquer lugar onde os baptizados, leigos e clero levam a sério a responsabilidade de fortalecer a comunhão e participar plenamente na missão da Igreja de acordo com a vocação, lugar e circunstância de cada um.

Isto é que é sinodalidade autêntica: uma expressão genuína da eclesiologia da Lumen Gentium, e um poderoso testemunho da verdade do Evangelho. Alguém duvida seriamente que a Igreja e a sua missão estariam bem servidas com mais disto?

Contudo, existem muitas regiões dentro da Igreja, sobretudo aqui no Ocidente, onde esta vitalidade já não existe. Frequentemente são estas partes moribundas da Igreja que, reconhecendo a sua obsolescência, tentam desesperadamente “fazer acontecer” a “sinodalidade”.

Onde a prevalência de uma eclesiologia atrofiada e mundana impedem a sinodalidade de florescer de forma orgânica, tornar-se-ão mais aparentes os esforços para a forçar. O resultado será uma sinodalidade contrafeita, que lança os leigos e o clero uns contra os outros numa luta de poder, que vê a fidelidade à Escritura e à Tradição como obstáculos à missão e que medem o Evangelho segundo o Espírito do Tempo.

Os católicos devem evitar um optimismo ingénuo sobre o sínodo, e resistir ao tipo de inovação mal pensada que fez tantos danos à Igreja na sequência do Concílio Vaticano II. Mas também devemos ter cautela com o tipo de cinismo implacável que, ao tentar evitar o desastre, também impede uma genuína abertura às iniciativas do Espírito Santo.

O Sínodo é um processo arriscado, sem dúvida. Mas é também uma oportunidade para um momento de verdadeira graça e rejuvenescimento, uma oportunidade para a Igreja se tornar mais perfeitamente aquilo que já é. Isto apenas acontecerá se a sua disponibilidade para escutar for igualada por uma determinação de permanecer fiel à Escritura e à Tradição. A Igreja não pode discernir bem se fingir não conhecer aquilo que, na verdade, já conhece.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing no Domingo, 2 de Julho de 2023)

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