Wednesday, 15 February 2023

Afinal quantos padres abusadores é que o relatório encontrou?

Há uma falha desnecessária e lamentável no relatório, que diz respeito ao número de padres identificados através dos testemunhos. 

A confusão deriva do facto de o relatório nunca nos dar os números isolados, optando por apresentar tabelas que são difíceis de interpretar, e que ainda por cima têm erros. 

Já explico a metodologia, mas para quem não tem paciência para ler mais, apresento já as minhas conclusões.

TOTAL DE VÍTIMAS: >611 - O > deve-se ao facto de alguns dos dados serem apresentados assim. 

De todos os números, este é talvez o menos fiável, porque as tabelas não permitem identificar se há duplicações entre o número de vítimas identificadas pelo relatório, o número de vítimas apresentados pelas dioceses/institutos religiosos/instituições e o número de vítimas identificadas pelo Grupo de Investigação Histórica. 

TOTAL DE ABUSADORES: 497 - Este número resulta da soma de todos os abusadores identificados pela comissão, pelas dioceses/institutos religiosos e instituições, menos os casos duplicados, que são 35.

TOTAL DE PADRES/RELIGIOSOS ABUSADORES: 413 - A soma total dos padres e religiosos identificados como abusadores nas tabelas é de 441. Contudo, embora o relatório não especifique se os casos duplicados são de padres, religosos ou leigos, há pelo menos 28 casos duplicados que só podem ser de padres, logo o número de padres nunca pode ser superior a 413, podendo inclusivamente descer para 409, caso os quatro restantes casos duplicados incertos sejam todos padres.

TOTAL DE FREIRAS ABUSADORAS: 4

TOTAL DE LEIGOS ABUSADORES: 82 - Resulta da soma de todas as tabelas e a subtração de dois casos de duplicação que só pode ser de um leigo. O número pode descer para 78 se todos os restantes quatro casos duplicados incertos sejam todos leigos.

TOTAL DE ABUSADORES INDETERMINADOS: 8

Ora, os mais atentos poderão ter reparado que a soma de padres/religiosos, leigos, freiras e indeterminados dá 507. Como se explica esta discrepância? Há quatro abusadores duplicados que não retirámos a nenhuma das outras categorias, por não sabermos se são padres ou leigos. Subtraindo esses quatro, ficamos com 503. Os restantes seis, por incrível que pareça, devem-se a erros nas tabelas!

Assim, na tabela das dioceses Braga aparece com um total de 45 abusadores, subdivididos em 40 padres, 5 leigos e 1 indeterminado, o que na verdade dá 46.

Évora tem 10 abusadores, dos quais 10 padres e um leigo, o que dá 11.

Santarém tem 7 abusadores, incluindo 7 padres e 2 leigos, o que dá 9. 

Viseu tem 7 abusadores, dos quais 7 padres e um leigo, o que dá 8.

Nas ordens religiosas masculinas temos os Capuchinhos com 2 abusadores, dos quais 2 são padres/irmãos e um é leigo, o que dá 3.

E, por fim, na Obra da Rua são dois abusadores, dos quais apenas 1 padre, o que obviamente dá 1.

Isto dá um saldo de seis abusadores (7 a mais e 1 a menos), o que, subtraído a 503 dá os tais 497.

Como é que sabemos que alguns dos duplicados têm de ser padres e outros têm de ser leigos? É simples. Veja-se o caso de Lisboa. A Comissão Independente recebeu relatos relativos a 66 padres e 10 leigos. A própria diocese fez chegar informaçao sobre 3 casos, todos padres e o Grupo de Investigação Histórica encontrou nos arquivos dados relativos a 8 casos, todos padres. Os casos duplicados aqui são 9. Dois desses estão entre os dados que chegaram através da diocese e outros 7 nos casos encontrados pelo Grupo de Investigação Histórica. Uma vez que a diocese e o GIH só encontraram casos relativos a padres, esses 9 casos duplicados só podem dizer respeito a padres. 

Infelizmente, em casos como o CNE, em que há 4 padres e 15 leigos apontados entre os abusadores, e quatro casos duplicados, não é possível saber se os duplicados são todos padres, todos leigos, ou uma mistura. 

Com isto, temos ainda mais uma questão a assinalar. Olhando para o número total de abusadores e para o total máximo de padres na lista, vemos que a percentagem de padres entre os abusadores é 83%, podendo descer até aos 82% se os quatro duplicados incógnitos forem todos padres. 

Mas a Comissão não disse que só 77% dos abusadores eram padres? Mais um dado pouco claro. Vejamos com atenção o que diz o relatório sobre isto: "Na esmagadora maioria dos casos, os alegados agressores eram padres (77% dos casos). (...) O segundo estatuto mais comum é o de professor em colégio religioso (9,6%), situação não raramente associada à primeira, pois o professor é igualmente padre. Em terceiro lugar (4,5%), surgem os casos em que as pessoas agressoras eram membros de ordens religiosas diversas (abades, madres, frades, freiras, entre outros)."

Ou seja, estas percentagens significam relativamente pouco. Só porque 77% dos agressores foram identificados como padres, não significa que alguns dos que foram identificados como professores, ou até outros, não fossem igualmente padres.

Em conclusão, eu tenho defendido sempre o trabalho da Comissão, e não são estes detalhes que põem em causa o relatório como um todo. Mas é uma pena que nesta parte a Comissão Independente não tenha feito um trabalho mais rigoroso. 





6 comments:

  1. Diga-me Filipe, uma frase rigorosa do estudo apresentado. Uma, credível?

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  2. Não digo que não hája num ou nouyro caso que tenha acertado, mais ou menos como um jogo de seta ao alvo, mas nada tem credibilidade.

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  3. https://twitter.com/joaogoncalvesfy/status/1625866950910902272?s=48&t=FKtL_iqdPZP6O63G2xIXQg

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  4. Estes números parecem todos em estimativa e não números certos que foram analisados pela Comissão que daí enviaram ao MP para investigar se esses casos são verídicos ou não .
    De 422 queixas ou 512 queixas,( em que não são todas validadas ou seja consideráveis válidas, por não terem os dados precisos ou testemunhas, ou até por serem mentira (falsas queixas, vi num post de uma pessoa que fez queixa só para saber se era contado ou não e como seria contabilizado)) como se chega ao número 4828?
    Houve 4828 queixas validadas pela Comissão??? Ou foram 512 ou 422 queixas no início, antes de serem analisadas!!!
    O relatório apesar de enviar ao MP as queixas que considera que têm de ser julgadas , têm de ser analisadas e julgadas.

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    1. O relatório explica como se chegou dos 512 testemunhos validados aos 4812 casos estimados. E deixa claro que é uma estimativa. Mas a estimativa é isso mesmo, por ter fundamento. Se não era um palpite.
      Os 512 testemunhos identificaram X outras pessoas que sabiam ter sido abusadas pelo mesmo agressor, foi somando esses dados todos que se chegou à estimativa dos 4812.
      Foram enviados para o MP os casos que não prescreveram.
      Ninguém da Comissão tem insinuado qua esta é um tribunal. Não é. É possível que todos os padres nomeados sejam inocentes? Claro que sim. Mas não é provável.
      Da minha parte, tenho feito questão de sublinhar que todos os suspeitos são inocentes até prova em contrário. Mas isso não implica que se descarte o relatório e a sua importância.

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    2. Caro Filipe como percebo leu o relatório todo, até por "dever de oficio". O que é considerado abuso, ou seja, perguntas e conversas são consideradas abusos? Um abraço Joaquim Mexia Alves

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