Monday, 28 February 2022

E se a Rússia perder esta guerra? O que vem depois da ressaca

Muito, muito atento... 
Há uma semana eu não acreditava que Putin fosse invadir a Ucrânia. Há dois dias não acreditava que a Ucrânia conseguisse resistir mais do que umas horas a uma invasão russa. Estão apresentadas as minhas credenciais de analista militar.

Neste momento, porém, temos de começar a considerar a possibilidade de a Rússia perder esta guerra, sendo que uma derrota, neste caso, é tudo o que não seja a rendição das Forças Armadas ucranianas nas próximas 48 horas.

Esta série de tweets que acabei de ler, de alguém que é de facto conhecedor de história e estratégia militar, explica porque é que é bem possível que esta aventura de Putin tenha sido um passo maior que as pernas. O efeito imediato será o fim do mito da força militar terrestre da Rússia.

Se isso acontecer o PCP culpará a NATO e o imperialismo, e as pessoas que ainda possuem alguma sanidade e barómetro moral irão para a rua celebrar. Mas temos de ter em conta que haverá efeitos secundários previsíveis e, nalguns casos, drásticos.

Para começar, a Arménia poderá despedir-se de Nagorno-Karabakh. Durante anos os arménios conseguiram manter o território porque as suas forças armadas eram organizadas e muito mais experientes que os Azeris. (Aliás, uma curiosidade que aprendi quando visitei o território foi que na altura da guerra do Afeganistão, uma vez que Nagorno Karabakh tinha sido “transferida” para a região do Azerbaijão, dentro da União Soviética, as autoridades locais mantinham os azeris na retaguarda e mandavam os arménios para a linha da frente. O resultado é que quando começou a guerra entre arménios e azeris os primeiros tinham experiência militar e os segundos não).

Essa superioridade militar arménia terminou esta década e os Azeris, financiados e armados pelos turcos, conseguiram recuperar uma grande parte do território. Só a intervenção russa impediu a destruição total da presença arménia em Karabakh. Se o mito do poderio russo acabar por se provar apenas isso, um mito, os arménios terão a vida muito dificultada.

Outro teatro de guerra que pode sofrer grandes alterações é a Síria. A intervenção russa permitiu não só salvar o regime de Assad, mas mudar o curso da guerra e empurrar os grupos da oposição até à fronteira com a Turquia, que os apoia. Desde então a Rússia e a Turquia têm deixado o conflito em banho-maria. Mas se a Rússia perder na Ucrânia é bem possível que esse equilíbrio seja afectado. Se – e num cenário de derrota militar na Ucrânia isso é bem possível – a invasão fracassada da Ucrânia acabar por levar a uma mudança no regime russo, então tudo se torna ainda mais imponderável.

Um efeito imediato disso é que as comunidades cristãs ficam mais enfraquecidas na Síria, se não mesmo em todo o Médio Oriente. Por mais que se possa desconfiar das suas intenções, a verdade é que o apoio de Putin tem sido benéfico para os cristãos no mundo árabe, pelo menos a médio prazo. Sem esse apoio, tudo será mais difícil, especialmente depois de terem ficado com o rótulo de apoiantes do regime sírio.

É verdade que a Síria continuará a contar com o apoio do Irão, mas mesmo o Irão ficará enfraquecido com um revés da Rússia e possível mudança de regime em Moscovo.

Um leitor atento terá percebido que ambos os cenários descritos têm algo em comum: A Turquia. A mesma Turquia que tem fornecido armas à Ucrânia.

Ao longo dos últimos anos a relação entre a Turquia e a Rússia tem sido bastante estranha. Adversários em várias frentes, desde a Síria a Nagorno-Karabakh, passando pela Líbia, têm mantido uma certa oposição respeitosa, não querendo entrar em conflito aberto, mesmo perante casos surreais, como quando a Turquia abateu um jato russo na Síria “por engano” ou quando o embaixador da Rússia na Turquia foi assassinado a sangue-frio. Não sei se o que os demove é medo, ou se sentem que é mais importante ambos irem minando juntos a influência dos Estados Unidos em várias partes do mundo, mas a verdade é que não se têm antagonizado.

Mas tudo isso poderá mudar. Se a Rússia mostrar ser afinal um tigre de papel, a Turquia irá perder qualquer receio de fazer valer o seu peso naquilo que considera ser o seu quintal. E o mundo, que terá deixado de ter de lidar com um saudosista do Império Soviético, terá de lidar com o saudosista do Império Otomano e que ainda por cima é membro da NATO.

E esse é um cenário assustador.


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