Wednesday, 29 January 2014

Ganhas tu e ganho eu

Este ganha sempre!
O porta-voz da Santa Sé criticou hoje o artigo do Rolling Stone que eu já tinha criticado ontem. Ganhei.

Também esta manhã o Papa Francisco criticou os usurários que obrigam as famílias a pagar juros tão altos que não sobra dinheiro para dar de comer aos filhos. Ganha o Papa.

O Patriarca de Lisboa invocou a inspiração divina sobre os funcionários judiciais. Ganhamos todos…

E o porta-voz da CEP acredita que o “impasse” sobre o novo bispo das Forças Armadas deve ficar resolvido em breve. Quem ganha com este impasse não faço ideia.

Por fim, um artigo com o qual todos ficamos a ganhar também. Matthew Hanley lembra que ser pró-vida implica também procurar a verdade sobre quando ocorre a morte. Um bom texto sobre as implicações da morte cerebral.

Determinar a Morte Cerebral

Matthew Hanley
Hoje [Quarta-feira dia 22 de Janeiro] centenas de milhares de pessoas vão marchar, por todo o país, em protesto contra a chacina da vida intra-uterina. Católicos e outros têm mantido esta luta viva, com bons resultados, durante décadas. Mas sendo uma confissão que valoriza tanto a fé como a razão, o Catolicismo também faz distinções cuidadosas sobre outros assuntos ligados à defesa da vida.

A maior parte das pessoas, por exemplo, não sabe, especificamente, o que constitui a morte cerebral. Não é exactamente o tópico mais simpático sobre o qual reflectir. E, graças a Deus, poucos entre nós têm razão para o fazer. Mas o caso trágico da Jahi McMath, de 13 anos, chamou a atenção da nação e reforçou a necessidade de se falar sobre este assunto claramente e com cuidado.

Um olhar rápido sobre o caso da Jahi: Foi admitida a uma operação electiva para remover as amígdalas, para aliviar a apneia de sono. Pouco depois começou a ter hemorragias severas, seguidas de paragem cardíaca e danos cerebrais. O resultado catastrófico é muito pouco comum depois de uma operação destas. Os médicos determinaram, dois dias depois, a morte cerebral.

Noutro caso parecido uma menina sofreu danos neurológicos devastadores depois de uma operação semelhante, no mesmo hospital, mas não morreu. A família obteve uma indemnização de 4,4 milhões de dólares.

Ninguém sabe ao certo o que correu mal no caso de Jahi McMath. Daquilo que saiu nos media parece evidente que existe fricção entre a família e o hospital e, subsequentemente, entre os respectivos advogados e porta-vozes. A insistência da família de a manter ligada a um ventilador levado tem causado grande discussão.

Mas será que estamos diante de um caso crucial na luta entre a cultura da morte e a cultura da vida, como alguns descreveram o caso da Terri Schiavo? Numa medida que poderá ter tornado o assunto mais confuso, a Fundação Terri Schiavo apoiou publicamente a família de Jahi McMath. Quando falo em apoio não me refiro a uma manifestação de solidariedade para a família (coisa que todos sentimos), mas sim a ter expressado a crença de que a menina está viva, como a família insiste.

É necessário fazer uma distinção importante. Schiavo nunca esteve com morte cerebral. Ela estava num estado que tem sido chamado: “estado vegetativo persistente”. A destruição do seu cérebro não era completa. Respirava espontaneamente sozinha, sinal claro que o tronco cerebral estava intacto. Nunca se debateu se ela estava morta ou não; nunca se considerou que o estava.

A condição de Schiavo começa agora a ser referida como “Síndrome de Vigília sem Resposta”. A mudança de terminologia não é uma mera medida politicamente correcta; é simultaneamente mais respeitosa da dignidade do doente e mais correcta.

De facto, uma das descobertas recentes e mais fascinantes das neurociências é de que alguns doentes na condição de Schiavo têm maiores capacidades e noção do seu envolvente do que se presumia.

Um estudo publicado na JAMA Neurology em 2013, por exemplo, demonstrou o sucesso de uma técnica de ressonância cerebral (fMRI) na detecção da percepção consciente e mesmo da capacidade de comunicação de alguns doentes que, de resto, estão incapazes de reagir.

Este tipo de descoberta fornece provas adicionais ao que já tinha sido entendido como evidente: estes doentes, apesar das afirmações de alguns académicos que os querem dar como mortos, estão claramente vivos.

Em contraste, quem satisfaz os critérios neurológicos de morte perdeu irreversivelmente as funções críticas de todo o cérebro. Perdeu aquilo a que se chama as funções cerebrais superiores e não consegue manter as suas funções vegetativas autónomas. Que todas essas capacidades se tenham perdido irreversivelmente é entendido como prova que ocorreu a morte e não um dano sério e debilitante.

A controvérsia no caso Schiavo andava em torno de saber se a nutrição e a hidratação artificiais deveriam ser retiradas, e quem é que poderia tomar essa decisão. Mas a Jahi já foi submetida a seis exames neurológicos independentes, cada um dos quais resultou num diagnóstico de morte cerebral.

Não é difícil perceber porque é que a mãe de Jahi diz que não aceita a sua morte enquanto o coração estiver a bater, é fácil simpatizar. Mais difícil é compreender o alcance e os limites da tecnologia moderna. Enquanto o caso de Jahi estava em tribunal, um homem em França recebeu o primeiro coração inteiramente artificial – mais uma prova radical de que não precisamos do nosso próprio coração para que a vida persista. O mesmo não se pode dizer do cérebro.

As últimas notícias indicavam que a Jahi tinha sido admitida num estabelecimento não identificado em Nova Iorque. De acordo com uma notícia, a Jahi “tinha sido recebida de braços abertos por uma organização católica que acredita no direito à vida”.

Esta referência também pode causar alguma confusão, podendo dar a entender que a mentalidade católica do direito à vida exclui a legitimidade dos médicos determinarem a morte. Pio XII especificou, nos anos 50, que cabe aos médicos fazer essa determinação.

Poucos sabem que a Igreja tem reflectido cuidadosamente sobre a questão da morte cerebral ao longo das últimas décadas. Cada vez que se pronunciou sobre a matéria, tem sido em apoio da legitimidade desta forma de determinar que a morte ocorreu.

Um lamento ouvido frequentemente é de que no caso de Schiavo tinha-se perdido um bom momento pedagógico. Talvez isso explique porque razão algumas distinções básicas continuam a ser ignoradas, embora algumas pessoas talvez prefiram que assim seja.

Um convidado da CNN juntou o caso de McMath e de Schiavo, dando a entender que ambas estavam mortas – um pensamento confuso, no mínimo. A razão pela qual o disse foi para poder rejeitar todo o activismo pró-vida, seja pela McMath ou pela Schiavo ou qualquer outra pessoa, como uma manifestação da política anti-aborto, que provavelmente considera um absurdo irracional.

A necessidade de nos opormos aos abusos característicos da cultura da morte – e de estarmos atentos a outros abusos – é evidente e não pode ser subestimado. Mas a nossa forma de oposição é de fazer brilhar a luz da verdade, expressa na caridade. Essa luz da verdade é também necessária para discernir e aceitar quando uma morte trágica de facto já aconteceu.


Matthew Hanley é Investigador sénior no Centro Nacional de Bioética Católica. Matthew Hanley é autor, juntamente com Jokin de Irala, de ‘Affirming Love, Avoiding AIDS: What Africa Can Teach the West’, que foi recentemente premiado como melhor livro pelo Catholic Press Association. As opiniões expressas são próprias, e não da NCBC.

(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 22 de Janeiro 2014 em The Catholic Thing)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday, 28 January 2014

Francisco é fixe, Bento é Besta para a Rolling Stone

Quando a sua equipa marca, grita “Golo!”? Então não há razão para não louvar a Deus com o mesmo entusiasmo. É isso que diz o Papa Francisco…

Papa Francisco que hoje chegou à capa da famosa revista “Rolling Stone”. O artigo tem 12 páginas e é muito favorável ao Papa, mas tem problemas, entre os quais comparar o Papa Bento XVI a Freddy Krueger… não estou a inventar.

Os movimentos pelos direitos dos animais em Itália estão a pedir ao Papa para não “condenar à morte” mais pombas brancas, lançando-as da janela do Vaticano para serem atacadas por gaivotas e corvos, isto depois do lamentável incidente de domingo passado.


É já no final deste mês que os Simplus voltam ao palco. A banda de inspiração cristã tem um álbum novo e dá um concerto em Cascais no final do mês de Fevereiro. Toda a informação neste cartaz.
Clicar para aumentar

Monday, 27 January 2014

Cristãos esmagados pela onda arco-íris

Recentemente escrevi um artigo sobre co-adopção/adopção por homossexuais em que argumentei que esta lei tem como principal objectivo contribuir para a “normalização” da homossexualidade na sociedade, coisas que apenas se conseguirá com a marginalização do Cristianismo e outras religiões que condenam a prática da homossexualidade. Alguns comentadores acusaram-me de alarmismo, o que me levou a escrever um novo artigo com casos verídicos. Penso que este pode ser um contributo útil para este debate, que se quer sério e não refém de sentimentalismos.

Na Nigéria a perseguição aos cristãos é outra. Ontem morreram mais 22 num ataque terrorista a uma igreja.

Nos países nórdicos cresce a pressão social e médica para banir a circuncisão por motivos religiosos. Não são só os cristãos que têm razões de queixa de discriminação…

Um relicário com sangue de João Paulo II foi roubado de uma igreja italiana. É possível que tenha sido levado por satânicos, diz a polícia italiana.

No final da semana de oração pela unidade dos cristãos o Papa falou da ferida causada pela separação. Já hoje, o Papa falou da vergonha que foi o holocausto.

No conflito entre Obama e a Igreja Católica, vitória provisória para a Igreja. Mas só provisória, por enquanto…

De Beijos e Comunicação

Randall Smith
A verdadeira comunicação é muitas vezes mais difícil do que imaginamos, especialmente no que diz respeito a temas como sexo e romance.

Nos primeiros anos da universidade tive uma discussão com o meu amigo Ed. Eu dizia que ele não devia beijar uma mulher a não ser que estivesse aberto à possibilidade de se casar com ela. Atenção, não estava a dizer que teria de estar pronto para casar logo, apenas que deveria estar aberto à ideia e que, se o casamento com esta mulher em particular fosse uma perspectiva impossível ou impensável, então ele não devia estar a envolver-se desta maneira. O Ed nunca tinha ouvido ninguém dizer algo tão radical na vida e, naquela altura, achou a ideia absurda.

“Sou da Califórnia do Norte”, explicou, “e os jovens californianos têm uma compreensão sofisticada do sexo, por isso podemos envolver-nos em entretenimento sexual mútuo” (como ele lhe chamou), “sem que isso tenha implicações românticas”. Ele podia, explicou, “curtir” com “uma amiga” e seria “apenas diversão”. Nada mais.

É verdade que cada pessoa é diferente, mas mesmo assim eu não estava convencido.

Passadas algumas semanas o Ed trouxe um amigo até ao meu apartamento para repetir a discussão. “Ei, Smith”, disse ele, a rir-se, “diz ao Chris aquilo que me disseste a mim”.

E eu disse.

“É inacreditável”, respondeu o Chris. “É da Idade das Trevas. Eu sou da Califórnia do Sul”, disse ele (começava a notar um certo padrão), “e nós curtimos a toda a hora e não tem de significar nada”.

A Califórnia, ao que parece, tinha-se tornado a Terra do Beijo Insignificante.

Infelizmente para o Chris, estava acompanhado pela sua namorada. E embora ela tivesse ficado calada o tempo todo, passada uma semana acabaram. Quando, mais tarde, nos tornámos amigos e voltámos a falar daquela noite ela disse-me: “Estava sentada a ouvir e a pensar ‘O quê? Beijar não significa nada? Pois para mim significa!’”

Não é que o Chris fosse imoral. Simplesmente era novo e insensato e, claro, era da Califórnia. Deus sabe bem que eu não era mais “moral” do que ele, em termos de possuir as virtudes relevantes. Uma coisa é reconhecer que não sabemos comunicar efectivamente com mulheres sobre assuntos românticos, outra é aprender a fazê-lo sabiamente e bem. A esse respeito ainda tenho muito pouco a aconselhar aos jovens salvo isto: perseverem e rezem.

É precisamente porque sei que tão pouco sei sobre o que as mulheres pensam, que acho sempre estranho que outros homens presumam que sabem. O Chris presumiu saber o que a sua namorada queria; ele partiu do princípio, sem ter discutido o assunto com ela, que ela partilhava da sua atitude para com a relação física que tinham. O meio de onde ele vinha tinha-o convencido que toda a gente pensava da mesma maneira sobre a intimidade física. Pior, ele vinha de uma cultura que o tinha convencido que todas as mulheres encaram a intimidade física da maneira que certos homens gostariam que encarassem.

"Olha, dois bons amigos"

Se pensa que o que fazemos com o nosso corpo não tem qualquer significado intrínseco, então porque é que o sorriso é uma expressão universal de felicidade entre seres humanos? Não há um grupo na Terra que expresse a alegria com uma cara carrancuda. Até bebés recém-nascidos reagem positivamente perante um sorriso e choram quando vêem uma cara carrancuda. Os bebés até conseguem detectar a diferença entre um sorriso verdadeiro e um falso. Dizer que um beijo pode ser insignificante é como dizer que um sorriso não tem de significar que se está feliz. A questão é que, na verdade, normalmente é isso mesmo que significa. E as pessoas que nos vêem a sorrir têm boas razões para perguntar: “Porque é que estás tão contente?” Se nessa altura respondêssemos: “Porque é que um sorriso tem de significar que estou contente?”, achariam que eramos doidos.

De igual modo, a pessoa que andou a beijar não tem pelo menos uma boa razão para pensar que talvez tenha significado algo para si? Quando vemos duas pessoas a beijarem-se num filme o que é que pensamos: “Olha, dois bons amigos”? Não. Dizemos: “Ah, estão apaixonados”.

Dizer que um beijo não significa nada é tão insensato como tentar insistir que uma mulher que cozinha para nós todas as noites não está necessariamente interessada numa relação a longo prazo. Pensam que estou a brincar, mas conheci um rapaz que pensava isso. “Somos só amigos”, insistia. O facto de esta mulher estar a fazer-lhe o jantar todas as noites não lhe sugeria qualquer compromisso a longo-prazo, por isso partiu do princípio que para ela também não poderia querer dizer nada. Era como aquelas crianças que tapam os olhos com as mãos e dizem aos adultos à sua volta: “Não me conseguem ver”.

Jovens que estão a pensar em qualquer forma de intimidade física bem podem virar o bico ao prego e considerar não apenas o que eles pensam (ou presumem) que se está a passar, mas como é que a outra pessoa está a interpretar este acto físico. Estou a partir do princípio que o acto “não significa nada” porque é isso que quero, mas não necessariamente o que ela quer?

Vivemos num mundo pluralista e multi-cultural (ou pelo menos é isso que nos dizem), no qual é suposto os jovens serem sensíveis a outras culturas. E sabemos que certos gestos inocentes nos Estados Unidos podem ser interpretados de forma diferente, por exemplo, na Itália (não façam certos gestos com as mãos lá a não ser que queiram ter chatices). Por isso pessoas de boa vontade farão por ter cuidado.

Ter atenção aos sentimentos de outras pessoas e não partir do princípio que toda a gente interpreta um beijo como sendo “meramente para efeitos de entretenimento”, pode ser um bom começo no que diz respeito a lidar com o sexo oposto.

A não ser, claro, que queira ser um perfeito idiota.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 16 de Janeiro 2014 em The Catholic Thing)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday, 21 January 2014

Adopção, co-adopção e desmentidos de desmentidos

Ainda não se sabe quando será o referendo, mas já começou a campanha. A minha contribuição está aqui, onde tento mostrar porque é que a questão da adopção por homossexuais tem implicações grandes graves para a sociedade. Leiam e comentem.


Obama vai ao Vaticano em Março, soube-se hoje. Ele e o Papa terão certamente muito que conversar!

A minha colega Ângela Roque foi ao encontro de pessoas que trabalham no terreno para combater o tráfico humano. É uma história que vale a pena conhecer. O Papa também falou deste problema, num curto improviso durante o Angelus.

Na Sexta-feira assistimos a uma interessante novela do Vaticano. Surgiu uma notícia a dizer que Bento XVI tinha laicizado 400 padres em 2011 e 2012; rapidamente o director da sala de imprensa do Vaticano desmentiu. Mas menos de uma hora depois o mesmo Lombardi veio dizer que não, afinal era verdade.

Já começou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Tudo a rezar!

“Vanguardas pretendem impor adopção por homossexuais à sociedade”

Transcrição integral das declarações de Manuel Braga da Cruz sobre co-adopção e adopção por homossexuais. Notícia aqui.

O que é que este debate, e a eventual aprovação, dizem sobre a sociedade?
Este problema transcende e muito a mera questão técnica de saber quem pode adoptar. Uma sociedade forte é uma sociedade organizada, uma sociedade que é apenas composta por indivíduos atomizados não é só uma sociedade fraca, é uma sociedade que fica à mercê de desígnios políticos, nomeadamente totalitários, como a história do século XX nos ensina.

A maneira de a sociedade conseguir resistir às tentativas demagógicas de a levar para horizontes que não são desejáveis é ser uma sociedade organizada institucionalmente, uma sociedade assente em instituições. Entre essas instituições a família é seguramente a mais importante e a mais básica. Ora, a questão da co-adopção é uma que remete não apenas para a educação que nós queremos que seja dada a todos os portugueses, mas também para a organização da sociedade.

A educação, obviamente, tem a ver com o processo da socialização e o processo da interiorização dos papéis no interior da família. E todos sabemos por experiência e por tradição que a família é um equilíbrio de papéis. Entre esses está o papel do pai e o papel da mãe, que historicamente têm a sua evolução e a sua diversidade, mas que são indispensáveis para a formação integral da pessoa humana.

Admitir que uma adopção possa ser feita por um agregado que não integre esta diversidade de papéis no interior da família é particularmente grave não só porque debilita a criança que é educada, como debilita a própria instituição familiar e, por aí, também a família.

Portanto esta questão da co-adopção está muito longe de ser apenas uma questão de saber quem pode adoptar uma criança, claro que é isso também, mas remete para questões muito mais vastas e de maior importância. Nos últimos anos temos vindo a assistir a uma deliberada orientação política que visa debilitar a sociedade, em nome do reforço da liberdade individual. Isso enfraquece a cidadania, enfraquece a sociedade civil e torna a sociedade facilmente manipulável por objectivos políticos.

Estamos perante uma questão que altera a ordem civilizacional em que temos vivido ao longo de milénios. Não é coisa pouca, é uma questão muito importante que não pode ser decidida ligeiramente e apressadamente.

Por isso é fundamental haver um debate na sociedade para esclarecer o que está em jogo, para não haver uma decisão tomada à surrelfa, apressadamente, nas costas dos cidadãos, para impor modelos que algumas vanguardas pretendem impor à sociedade portuguesa.

Quando fala em vanguardas, está a dizer que estamos perante um caso de engenharia social?
Acho que essas vanguardas visam em primeiro lugar a liberdade do indivíduo, numa perspectiva muito egoísta, e que não têm em devida consideração não apenas os direitos da criança e os direitos educativos da criança, como não têm em consideração aquilo que deve ser uma sociedade civil forte, actuante e adulta numa democracia.

Qual deverá ser o papel da Igreja no referendo?
O papel da Igreja na instituição deve ser de contribuir para o debate cívico, que também é político obviamente, através do esclarecimento daquilo que é a sua doutrina social, que resulta de uma longa e vasta, historicamente falando, sabedoria que amadureceu ao longo dos séculos na sua visão e compreensão do homem.

A Igreja deve contribuir para este debate, não apenas os bispos mas também os leigos, para que se compreenda todo o alcance do que está em causa e aquilo que deve ser ponderado antes de uma decisão neste domínio.

Sunday, 19 January 2014

Sobre a co-adopção e adopção de crianças por homossexuais

Sempre que se fala de assuntos ligados aos direitos dos homossexuais é preciso lembrar que há duas vertentes que não se devem confundir.

Por um lado, estamos a falar de pessoas. Pessoas cuja dignidade é inerente à sua condição humana e não depende da sua orientação sexual ou das suas práticas.

Por outro lado estamos a falar de fenómenos que têm um impacto social e por isso podem ser discutidos também sob essa perspectiva.

Exige-se por isso alguma contenção de parte a parte. Nem um homossexual deve-se sentir ofendido na sua dignidade ou atacado pessoalmente por alguém defender que o casamento deve ser só entre um homem e uma mulher, nem os opositores do “casamento” gay e da adopção por parte de homossexuais devem tornar as suas críticas pessoais.

Dito assim parece simples, mas facilmente qualquer discussão destas descamba. É mais uma prova da falta de profundidade filosófica da nossa sociedade actual e há culpas de parte a parte.

Tendo em conta isto, penso que é perfeitamente claro que existam pares de homossexuais que não tenham outra intenção do que cuidar de uma criança da melhor forma possível, dar-lhe todo o amor que possam dar e a melhor educação ao seu alcance, e entendo que se sintam magoadas quando se sugere o contrário.

Mas também não tenho dúvidas de que o objectivo desta campanha a favor da co-adopção ou adopção é de mudar a sociedade, como foi antes a campanha a favor do chamado casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A geração de vida é inerente ao casamento e à constituição de família, a adopção é uma solução para quem não o pode fazer de forma natural ou para quem, por mera generosidade, quer dar um lar e uma família a uma criança institucionalizada.

Daí que este seja de facto o passo lógico a dar depois da legalização do “casamento” homossexual, o que revela como foram ingénuos os que acreditaram que naquele debate apenas estava em causa a vida íntima de duas pessoas maiores de idade e que mais ninguém seria afectada.

E daí também que o lobby homossexual queira tanto legalizar a adopção, pois esse é o passo definitivo para a normalização da homossexualidade aos olhos da sociedade. É que quando as crianças passam a estar à mistura, torna-se praticamente impossível conduzir um debate normal que não misture as tais duas vertentes de que falei no início do texto.

Como é que uma professora pode manter um debate aberto sobre a homossexualidade numa sala de aulas em que estão presentes filhos adoptivos de homossexuais? Como é que se pode discutir os méritos e deméritos deste estilo de vida* sem magoar os sentimentos ou traumatizar os filhos dos homossexuais?

E como vão crescer essas crianças? Previsivelmente vão considerar a homossexualidade e a sua prática uma coisa perfeitamente natural, tal como os seus amigos mais próximos.

Não estou a dizer que todas as crianças de homossexuais vão crescer deturpadas e com problemas psicológicos por causa da sua experiência e o lobby gay estará sempre disponível para nos mostrar casos de crianças normalíssimas que têm “duas mães” ou “dois pais” e recordar-nos que Hitler e Stalin eram filhos de heterossexuais. Não me parece que haja dados para poder tirar grandes conclusões sobre isso ainda, a composição psicológica, afectiva e emocional dos homens é simultaneamente muito frágil e muito resiliente.

Afinal de contas, dirão, há muitos homens e mulheres que cresceram sem uma mãe ou sem um pai, por abandono ou por orfandade e que hoje em dia são pessoas normais. Mas também é verdade que em vários países se começa a ver o efeito do fenómeno crónico das mães solteiras, de crianças que nascem sem nenhuma figura paterna de referência, perpetuando um ciclo negativo de gerações de homens sem qualquer sentido de responsabilidade para com os seus filhos. Parece-me evidente que quem cresce num ambiente em que as figuraspaternas são duas pessoas do mesmo sexo fica imediatamente em desvantagemperante os seus pares que têm um pai e uma mãe.

Quem é que instrumentaliza crianças?
Voltando à tal questão da total “normalização” social da homossexualidade, entendo que para muitas pessoas isto não seja chocante, que pelo contrário, seja desejável. Mas o exemplo de outros países onde este debate já ocorreu mostra que o avanço desta causa só se consegue à custa da marginalização de quem pensa de maneira diferente.

E é precisamente isso que me preocupa. Não tardará o dia em que uma pessoa que acredite, seja pelo senso comum, seja por convicção assente nas suas crenças religiosas, que a homossexualidade não é um estilo de vida normal nem desejável, se verá impedida de ocupar certos cargos públicos, de fazer ouvir a sua voz na praça pública. Não é por acaso que esta campanha está a ser feita em nome dos “direitos humanos” dos homossexuais, porque se essa ideia se tornar norma, então imediatamente todas as principais religiões e todas as pessoas que pensam de maneira diferente serão vistas como obstáculos à realização dos direitos humanos dos outros.

Chegará muito rapidamente o dia em que o Cristianismo, sem o qual a noção dos direitos humanos como nós os conhecemos não seria sequer possível, é marginalizado em nome de “direitos humanos” inventados. Em que a civilização ocidental, construída sobre fundações cristãs, se verá ostracizada das sociedades ocidentais.

Não é preciso ser engenheiro para saber o que acontece a um edifício quando se destroem as fundações, pois não?

Filipe d'Avillez

*Depois de publicado o texto percebi que algumas pessoas achavam que eu estava a equiparar a homossexualidade a um estilo de vida. Não era essa a minha intenção quando escolhi o termo. O que quero dizer é que embora a homossexualidade, enquanto orientação, não é criticável nem social nem moralmente (e é essa a posição da Igreja Católica também), a transformação dessa homossexualidade num estilo de vida que a glorifica e ostenta já supõe uma escolha que me parece, por isso, ser criticável. Lamento se fui ambíguo e espero que com esta adenda a questão fique mais clara. Agradeço a quem me alertou para a falha.

Friday, 17 January 2014

Cristãos sem complexos mas com barragens

O Papa Francisco quer cristãos sem complexos e sem vergonhas, tendo voltado a criticar a mundanidade.

Há dias demos a notícia de que o Governo na Ucrânia estava a ameaçar a Igreja Greco-Católica local. Hoje o ministro da Cultura, que tutela as religiões, recuou.

O bispo de Bragança inaugurou hoje um monumento que marca o Santuário de Santo Antão da Barca, em Alfândega da Fé, que vai ficar submerso pela nova barragem (ver foto).

Wednesday, 15 January 2014

O Dia em que a Liberdade Religiosa Morreu

Austin Ruse
Sam Casey estava sentado à cabeceira da maior mesa de reuniões em Washington, a observar, de  boca aberta, o esvaziar de metade da sala e o ferimento grave da liberdade religiosa. Passou-se de repente num dia de Julho em 1999, mas na verdade o esventramento da mais poderosa coligação transpartidária do país estava a ser preparado há semanas.

A história legislativa da liberdade religiosa na América pode ser descrita de muitas formas, mas uma delas é como um jogo de ping-pong.

A Constituição proíbe o Governo Federal de estabelecer uma religião oficial, mas também impede o Governo de colocar obstáculos ao livre exercício da religião. Precisamente o que significa o livre exercício, quem pode ser impedido e como, é um dos assuntos mais melindrosos.

Os casos judiciais modernos começaram nos anos 60 quando uma trabalhadora têxtil chamada Adell Sherbert se converteu aos Adventistas do Sétimo Dia. A fábrica onde trabalhava passou a operar seis dias por semana, obrigando-a a trabalhar ao Sábado, algo que a sua fé não permitia. Foi despedida. O Estado recusou-lhe subsídio de desemprego e ela processou, invocando liberdade religiosa. O Supremo Tribunal deu-lhe razão.

Com esse caso o Tribunal criou o Teste Sherbert, com critérios para determinar se o Governo estava a violar a liberdade religiosa de alguém ou não. A pessoa devia ter uma crença religiosa sincera, sobre cuja prática o Tribunal tivesse colocado um fardo substancial. O Governo devia mostrar a existência de um “interesse constrangedor do Estado” para colocar esse fardo sobre o crente e ainda dar provas de o ter feito da forma menos restritiva possível.

É uma fasquia alta.

Nos anos 80 houve o caso de Alfred Smith e Galen Black, que trabalhavam numa clínica de reabilitação mas fumavam peiote como parte da sua religião nativa-americana. Quando a clínica descobriu, foram os dois despedidos. O Estado recusou-lhes os subsídios. No caso Employment Division v. Smith, o Tribunal acabou com o Teste Sherbert que tinha protegido a liberdade religiosa. A decisão acabou por prender-se com o facto de os homens estarem a cometer um acto ilegal e argumentou que a lei contra o uso de peiote não era dirigida estritamente contra o uso religioso do narcótico, mas contra o seu uso em geral.

Esta decisão, alcançada em 1990, conduziu a uma reacção enorme da comunidade religiosa e dos defensores das liberdades civis. Cristãos de direita e de esquerda, bem como a esquerda secular, galvanizaram-se. A coligação única, que incluía a ACLU, o Congresso Mundial Judaico, a Christian Legal Society e a Coligação pelos Valores Tradicionais, exigiu mudanças.

Tenham em conta que estas associações estavam em lados opostos da discussão sobre o aborto há anos. Ainda assim, estavam de acordo no que diz respeito à liberdade religiosa. Em apenas três anos conseguiram que o Congresso passasse a Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, que trouxe de volta o Teste Sherbert. Passou na Câmara dos Representantes por unanimidade e no Senado por 97 votos contra 3, tendo sido assinado pelo Presidente Clinton.

Quatro anos mais tarde foi largamente revogada. No caso City of Boerne v. Flores, em que a cidade de Boerne, no Texas, recusou-se a deixar o bispo católico demolir um edifício histórico para alargar os serviços da Igreja, o Supremo Tribunal determinou que, ao criar a lei, o Congresso tinha ultrapassado os seus poderes ao abrigo da quinta secção da 14ª emenda. Decidiram que a lei obrigava o Governo Federal, mas não os Estados.

A coligação pela liberdade religiosa começou então a preparar a Lei de Protecção da Liberdade Religiosa, com vista a ultrapassar algumas das objecções do Supremo Tribunal, nomeadamente demonstrando a existência de uma necessidade concreta de protecção, por haver pessoas lesadas.

A coligação apresentou no Congresso volumes de provas de discriminação religiosa contra igrejas e pessoas em todo o país, uma “elenco completo”, nas palavras de Casey. A lei passou na Câmara de Representantes por 306-118, uma maioria mais pequena, mas ainda substancial, que incluiu 107 democratas.

Mas depois embateu num obstáculo conhecido como Teddy Kennedy e um mais pequeno conhecido como Joe Biden.
Just killed religious freedom...
No espaço de poucos anos, algo tinha mudado.

A coligação convocou uma reunião para o dia 22 de Julho de 1999. Mais de 60 pessoas juntaram-se à volta daquela mesa de reuniões na sede dos Veteranos de Guerras Estrangeiras. Sam Casey, que na altura estava na Christian Legal Society e actualmente trabalha na Jubilee Campaign, presidiu.

Segundo Casey: “Estavam lá todos, esquerda, direita e centro. Há anos que lutávamos juntos, com sucesso. Tínhamos ganho na câmara dos representantes e agora estávamos presos no senado, precisávamos de decidir quais os próximos passos”.

Mas a reunião começou com uma intervenção de Oliver “Buzz” Thomas, do Comité Baptista Conjunto, a anunciar que tinha chegado à conclusão que a Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, que estavam precisamente a tentar salvar, era, na verdade inconstitucional. Isto apesar de ele ter ajudado a formulá-la e de ter testemunhado a seu favor. Então anunciou que o seu grupo estava a abandonar a coligação e saiu porta fora.

Metade da sala foi atrás.

Foi nesse instante que Casey e os outros perceberam o quão forte se tinha tornado o lobby gay. A nova objecção da esquerda era de que a liberdade religiosa seria usada para impedir o avanço dos direitos dos homossexuais. Estas objecções nem faziam parte do debate poucos anos antes, mas agora estavam a destroçar a mais potente coligação transpartidária da história dos Estados Unidos e a impedir a criação de legislação que servia para proteger crentes.  

Os restantes grupos, exclusivamente da direita cristã, chegaram a um acordo sobre uma lei para proteger a prática religiosa de reclusos, mais nada.

Casey tinha entrado naquela sala convicto de que a sua posição era maioritária mas saiu consciente de que fazia parte de uma minoria remanescente, a tentar preservar o que fosse possível.

Uma das tristes ironias de tudo isto é a questão de animosidade. A decisão no caso Smith obriga o queixoso a provar a existência de animosidade contra si por causa das suas crenças religiosas. No caso dos homossexuais, contudo, os juízes federais e o juiz Kennedy, do Supremo, mantiveram recentemente que a oposição ao casamento homossexual é, por si, prova de animosidade contra os homossexuais e por isso é inadmissível.

Parece que o mundo está de pernas para o ar, e que os homossexuais estão por cima.


Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 10 de Janeiro de 2014)

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Tuesday, 14 January 2014

Monday, 13 January 2014

Novos cardeais e o horror do aborto

Como é evidente, a grande notícia religiosa do fim-de-semana foi a nomeação de cardeais por parte do Papa Francisco. Na lista não constou D. Manuel Clemente. Deveria ter estado? Não devia ter estado? É grave? Leia a minha análise aqui.

Entretanto hoje foi divulgada uma carta escrita por Francisco aos novos cardeais, na qual avisa que o cardinalato não é uma honra nem um privilégio, mas um serviço.

Este fim-de-semana o Papa também baptizou crianças em Roma. Entre elas uma filha de mãe solteira e um filho de pais casados apenas civilmente.

Esta manhã, o Papa discursou perante o corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé. É uma espécie de “Estado do mundo” que o Papa faz nestas alturas. Hoje falou muito das ameaças à paz e criticou o aborto como um “horror”.

A não nomeação de D. Manuel Clemente para Cardeal

Ontem o Papa nomeou 19 novos cardeais. Para os lusófonos destacam-se duas coisas, em primeiro lugar a presença de D. Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro. O Brasil, maior país católico do mundo, em termos demográficos, vê assim reforçada a sua representatividade no colégio eleitoral para três cardeais.

Esta nomeação era esperada, na medida em que qualquer decisão do Papa Francisco pode ser esperada…

A segunda notícia, portanto, foi a ausência de D. Manuel Clemente da lista dos futuros cardeais. Sobre isto há várias considerações a ter em conta.

1º O Papa tinha obrigação de nomear D. Manuel Clemente? Em certo sentido sim. Há várias dioceses onde existe a tradição de o arcebispo titular, ou Patriarca no caso de Lisboa e de Veneza, serem feitos logo cardeais no primeiro consistório depois da sua nomeação. Contudo, no caso de Lisboa não existe só uma tradição mas uma bula, mesmo, que o estipula. Nesse sentido, sim, o Papa está obrigado pela bula do seu antecessor.

Por outro lado, e por ridículo que possa soar, uma bula obriga o Papa na medida em que ele apetece manter-se obrigado, porque a autoridade da Bula vem precisamente da mesma fonte que a pode decidir revogar ou simplesmente ignorar. Nesse sentido, o Papa não estava obrigado a coisa nenhuma.

2º Muita gente tem citado a “regra” de não poder haver dois cardeais eleitores da mesma diocese, pelo que D. Manuel terá de esperar até D. José cumprir 80 anos. Para começar, essa regra não existe. O que existe é uma prática recente nesse sentido, mas não está nada escrito em lado nenhum.

3º Portanto, o que se passou ontem, e sem qualquer juízo de valor, apenas constatação, foi que o Papa optou por ignorar uma regra escrita para cumprir uma tradição que, assim, se vê reforçada e vai ganhando peso.

4º Mas com tudo isto estamos a partir do princípio que o Papa vai, de facto, nomear D. Manuel Clemente cardeal quando D. José cumprir 80 anos. Eu acredito que assim seja, mas não há qualquer garantia nesse sentido. Pode fazê-lo, respeitando assim pelo menos nessa forma, a tradição no que diz respeito ao Patriarcado de Lisboa, mas também pode decidir fazer como fez com a bula… ignorar. Os cépticos farão bem em pôr os olhos em Veneza, o único outro Patriarcado latino no Ocidente e em Bruxelas, cujos responsáveis também não foram feitos cardeais apesar dos seus antecessores não constituírem obstáculo, ou por já terem ultrapassado os 80 anos, ou por terem sido enviados para outra diocese.

5º O que é que isto nos diz sobre D. Manuel Clemente? Absolutamente nada. Tanto quanto sei o Papa não conhece bem D. Manuel e por isso não terá nada contra ele nem nenhuma razão pessoal para não o nomear. Mas talvez nos diga alguma coisa sobre as prioridades do Papa e a realidade da Igreja em Portugal…

O Papa fez questão de nomear alguns cardeais de dioceses obscuras (Haiti, Burkina Faso, só para dar dois exemplos), que não estavam sequer representadas no colégio dos cardeais. Já há muito que se comentava que o colégio dos cardeais era demasiado eurocentrico e ocidentalizado. Francisco parece estar a querer mudar isso.

Tendo em conta a realidade da igreja portuguesa, que pode ser descrita como morna na melhor das intenções, seria de espantar que Portugal seja sacrificado neste novo equilíbrio de forças? Sobretudo quando lembramos que já temos dois cardeais eleitores, D. José e D. Manuel Monteiro de Castro.

Cardeal Cerejeira com tripla tiara... outros tempos
Como já disse, eu acredito que D. Manuel venha a ser nomeado quando D. José cumprir 80 anos, talvez até antes. Mas já está visto que a bula deixou de ter valor e isso, por si só, diz muito sobre um país que já foi um dos principais do mundo católico, sobretudo no que diz respeito à expansão da fé, mas que caminha rapidamente para ser território de missão.

Convém recordar, também, que há um limite para o número de cardeais que o Papa pode nomear. Claro que não é um limite rígido, mas há um limite do senso-comum. Não fazia sentido nomear 40 cardeais eleitores ontem, por isso é natural que alguns tenham tido que ficar em lista de espera por mais um ou dois anos sem que isso implique qualquer oposição pessoal contra eles.

Por fim, gostaria apenas de comentar outra ausência que me deixou um bocado desiludido, a ausência do Patriarca (ou Arcebispo-maior) da Igreja Greco-católica da Ucrânia, Sviatoslav Shevchuk, que lidera a maior igreja católica de rito oriental.

Alguns católicos orientais argumentam que os seus patriarcas não têm nada que ser feitos cardeais, uma honra menor que a que já possuem e própria da Igreja Latina, que não é a deles. Mas para lá desses preciosismos, a verdade é que a presença de orientais reforça a imagem global de uma Igreja que respira com dois pulmões e não apenas com um.

Shevchuk tornar-se-ia o cardeal mais novo, de longe, com apenas 43 anos, mas não vejo qualquer problema com isso. Se, contudo, a sua não inclusão, tendo em conta que o seu antecessor já não é eleitor, se deve a medo de ofender Moscovo, então é uma verdadeira pena.

Friday, 10 January 2014

Cabelos, mártires e bispos centrais

Um mártir a sério...
Comecemos por uma das notícias mais fascinantes do dia. Uma mulher nos EUA ficou com o cabelo preso no motor de um kart… os funcionários cortaram o cabelo para a soltar e agora ela vai processar a empresa. O que tem isto a ver com a religião? Tudo! Saiba porquê. E já agora aproveito para recuperar este meu post sobre a importância do cabelo nas diferentes religiões.



Os bombistas suicidas gostam de se definir como mártires. Mas querem saber o que é um verdadeiro mártir? É isto.


E um alerta pra os católicos… quando reza o credo sabe bem o que está a dizer? É que o Papa não quer “papagaios” nas igrejas.

Chamo ainda atenção para uma notável nota pastoral dos bispos da República Centro-Africana, apelando ao perdão, condenando o linchamento de muçulmanos e rejeitando a ideia de que decorre um conflito inter-religioso.

Não deixe ainda de ler o artigo desta semana do The Catholic Thing, no qual Randall Smith defende que a nossa personalidade não deve ser vista apenas como um pilar da nossa individualidade, mas ser posta ao serviço dos outros.

Thursday, 9 January 2014

Mais mártires, menos novelas

Isto não é amor cristão!
Um esclarecimento de última hora directamente do Vaticano… o amor cristão NÃO É, repito, NÃO é, como o amor das telenovelas. Obrigado.


A perseguição aos cristãos aumentou em 2013, segundo dados da Open Doors. Só na Síria há provas do martírio de mais de 1000 cristãos o ano passado. Dados trágicos.



Aproveito ainda para divulgar uma coisa que não tem a ver com religião, mas é muito meritória e uma boa oportunidade para alunos do secundário que queiram uma experiência internacional. Conheça aqui os United World Colleges e as bolsas disponíveis em Portugal.

Wednesday, 8 January 2014

Uma Visão Sacramental do Corpo

Randall Smith
Num artigo anterior realcei que a nossa cultura, que tem encorajado os adolescentes a pensar que se podem tornar pessoas diferentes mudando a marca da roupa que usam, está agora a encorajá-los a acreditar que podem tornar-se pessoas diferentes alterando os seus órgãos sexuais – como quem muda um casaco.

A formo como os publicitários vendem artigos aos jovens é associando-os a um certo tipo de pessoa: cerveja com um tipo porreiro, fixe e universitário; perfume ou roupa com um tipo magro, urbano e social; um carro com um certo tipo másculo, bem-vestido, sofisticado e urbano.

Ironicamente, os jovens dizem muitas vezes que estão a “expressar a sua individualidade” com as coisas que compram, quando isso é o oposto da verdade. A escolha de certos produtos em vez de outros é normalmente motivado por um desejo de se tornar mais como o modelo de pessoa “fixe” a que aspiramos. Logo, longe de se tornarem “mais individualistas”, os adolescentes procuram tornar-se mais como os outros.

Estas práticas culturais reforçam a ilusão moderna de que a nossa identidade não é algo que recebemos (da natureza, de Deus, da cultura, da tradição), mas algo que criamos individualmente, sozinhos.

Enquanto no passado os jovens podiam ver-se como sendo oriundos de (e por isso, de certa forma, em divida para com), uma certa família, tradição cultural ou religiosa, agora, por causa da influência do modernismo, os jovens tendem a ver-se como auto-criadores. Seja qual for o seu passado, sejam de onde forem, independentemente de quem forem os seus pais, podem recriar-se de novo: podem ser “aquilo que quiserem ser”. Têm o dever de se criarem, aparentemente ex nihilo.

Há muito neste ponto de vista que é bom, claro, dado que a Igreja sempre enfatizou a importância do livre arbítrio. Em certo sentido sim, criamo-nos pelas escolhas que fazemos.

Mas há algo que se pode perder com este ponto de vista também: nomeadamente, a noção da nossa ligação e responsabilidade para com os outros. Se eu me crio ex nihilo, então não devo nada a ninguém. Sou responsável apenas por mim e pelo meu projecto de auto-criação. É verdade que isto me poderá induzir a deixar os outros em paz para se dedicarem aos seus próprios projectos de “auto-criação” (embora as crueldades da vida adolescente contemporânea sugiram o contrário), mas poderá também (e mais provavelmente) levar-me a negar qualquer responsabilidade em relação aos outros.

A minha individualidade é mais individual que a tua
Quando falo aos meus alunos sobre a forma como os agentes do marketing procuram seduzir os adolescentes, um deles dirá algo como: “Mas temos de vestir alguma coisa”. Respondo que sim, “mas seria melhor se, em vez de encararmos as nossas escolhas como expressões de uma individualidade radical, as víssemos como expressões de socialização. Isto é, eu escolho as roupas que escolho precisamente para me poder misturar mais facilmente em certas situações sociais. Uso fato e gravata quando é apropriado usar fato e gravata, mas roupa mais casual quando isso contribui para que as pessoas à minha volta se sintam mais confortáveis. A minha roupa não serve para me definir como algo que está à parte e é diferente dos outros. Seria melhor encará-la como algo que posso usar para me ajudar a unir a eles”.

E se tivéssemos uma visão “sacramental” das coisas, incluindo do corpo humano? E se eu visse o meu corpo (ou a minha roupa) como algo que serve de instrumento do meu amor a Deus e ao próximo?

João Paulo II dizia frequentemente que não podemos amar o nosso próximo – não nos podemos revelar a ele ou tornar-nos presentes a ele – se não através do nosso corpo. Deste ponto de vista, o meu corpo e tudo aquilo que ajuda a formar a minha “personalidade” deve ser entendido como estritamente “meu” de um ponto de vista, mas também de outros e para os outros. Eu moldo o meu carácter de certas formas porque quero ser prestável aos outros e poder cuidar deles.

Tal como a modernidade nos levou a adoptar a noção de propriedade como algo essencialmente “meu”, posto à parte dos outros e unicamente para meu usufruto, agora também temos a ideia dos nossos corpos e das nossas identidades como sendo algo que nos põe à parte dos outros e com os quais os outros não devem interferir. É significativo que as pessoas falam hoje dos seus corpos como sendo da sua “propriedade”, a serem usados como entenderem.

João Paulo II sugeriu, pelo contrário, que uma vez que somos feitos à imagem de um Deus trinitário, descobrimo-nos ao fazer de nós mesmos um dom sincero aos outros. Por isso ele propôs que ao trabalharmos seja para nós mesmos, mas também com e para os outros, e insistiu numa noção de propriedade “privada” que é ao mesmo tempo “minha” mas também sempre para outros.

O mundo boémio da liberdade sexual esteve sempre claramente ligado ao mundo burguês do capitalismo laissez-faire. Ambos assentam numa noção de individualismo radical e auto-criação que a Igreja sempre rejeitou. É por isso que os ensinamentos autênticos quer da moral sexual quer da justiça social ofendem sempre uma das partes nos debates entre conservadores individualistas e liberais individualistas. É por isso que “conservadores” e “liberais” estão sempre a tentar afirmar um dos lados do ensinamento da Igreja, enquanto evitam o outro, embora uma compreensão autêntica quer da moral sexual quer da justiça social insista que ambos se baseiam na mesma visão “sacramental” de toda a realidade criada, na qual todas as coisas criadas, incluindo nós mesmos e os nossos corpos, devam ser entendidas como “instrumentos” do amor de Deus.

“A verdadeira queda do homem”, escreveu o grande teólogo ortodoxo Alexander Schmemann, é viver “uma vida não-eucarística num mundo não-eucarístico”.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no Sábado, 4 de Janeiro 2014 em The Catholic Thing)

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