Wednesday, 24 January 2024

Eucaristia e Transubstanciação

Em 2019 uma sondagem preocupante da Pew Research Centre, revelou que apenas um em cada três católicos acredita que a Eucaristia é verdadeiramente o Corpo e Sangue de Cristo.

Claro que o resultado destas sondagens depende em larga medida de que perguntas são feitas, e a quem. Assim, por exemplo, se a pergunta era sobre a crença na transubstanciação, alguns podem ter tido a mesma reacção que eu tive quando me perguntaram recentemente se acredito na “impanação”.

Mas que raio é a impanação? Fui investigar. Ao que parece, “impanação” é a crença de que Cristo está presente no pão e no vinho, mas estes não deixam de ser pão e vinho. Por isso, não, não acredito na “impanação”. Até poderia ser uma coisa inocente, mas não é, e eu não estava disposto a concordar sem compreender.

Houve quem pensasse que eu tinha professado essa crença porque tinha escrito que Cristo está “verdadeiramente presente no pão e no vinho”. O que eu estava a realçar era o “verdadeiramente presente”. Mas em bom rigor, já não se trata de pão e vinho, mas sim do Corpo e Sangue de Cristo. Claro que não faria sentido eu dizer que o Corpo e o Sangue de Cristo estão “verdadeiramente presentes” no Corpo e no Sangue de Cristo. Por isso, para simplificar, dizemos que Cristo está presente no pão e no vinho.

Certa vez uma jovem rapariga disse-me que nunca poderia ser católica, porque não conseguia aceitar a doutrina da transubstanciação. “Espera”, respondi, “vamos dar um passo atrás”. A doutrina da transubstanciação é uma tentativa de descrever a “Presença Real” de Cristo na Eucaristia, usando categorias da física medieval. A substância é agora o Corpo e Sangue de Cristo, mas os acidentes de pão e vinho mantêm-se.

Mas o objectivo da doutrina era de exprimir o que significa dizer que Cristo está verdadeiramente presente no pão e no vinho – ou no que era pão e vinho e ainda parece pão e vinho mas que é, em substância, o Corpo e o Sangue de Cristo. O termo “transubstanciação” pode parecer estranho, mas de facto faz bastante sentido.

A minha amiga deu a resposta habitual. “Bom, eu acredito que Ele está espiritualmente presente”. Respondi: “Calma aí. Isso não é estar realmente presente. Na Igreja antiga afirmavam claramente a crença de que Cristo está realmente presente na Eucaristia, tão presente como esteve em vida, e tão presente como estava quando ressuscitou dos mortos”.

Não foi uma coisa fácil de aceitar nessa altura, nem é fácil de aceitar agora. Foi por isso que tantos abandonaram Cristo quando Ele insistiu que deveriam comer o seu corpo e beber o seu sangue. Esse abandono em massa não faz qualquer sentido se pensarmos que ele estava a usar uma linguagem simbólica. Poderia facilmente ter dito: “Espera, não estou a falar do meu corpo e sangue verdadeiros, isso seria nojento. Não, estou a falar simbolicamente, metaforicamente”. O problema ficaria resolvido num instante. Mas não foi isso que aconteceu.

“Vamos, então, começar do fim e andar para trás”, disse eu. “Acreditas que Cristo viveu, que verdadeiramente conquistou a morte e ressuscitou de entre os mortos?” Ou achas que Ele só está simbolicamente vivo, tipo, ‘vivo nos nossos corações’?”. Respondeu-me de forma clara. “Acredito que Cristo ressuscitou e ascendeu à direita do Pai. Digo-o todos os domingos quando vou à Igreja.”

“Ok, então acreditas que Cristo ressuscitou corporalmente dos mortos, de forma que o apóstolo Tomé poderia ter tocado nos buracos deixados pelos pregos nas suas mãos, e na ferida da lança no seu lado? Ou será que Cristo estava ‘presente’ na sala apenas metaforicamente, porque eles o recordavam em amor, ou algo desse género?” Também não aceitou esta ideia de que Cristo estava apenas presente de forma simbólica ou metafórica entre os apóstolos.

“Então, se acreditas que Deus encarnou verdadeiramente, e se acreditas que Jesus Cristo era Deus encarnado, o Verbo feito carne; e se acreditas que Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos, não apenas de forma ‘espiritual’ ou ‘metafórica’, mas verdadeiramente, enquanto unidade de corpo e de alma, e se sabes que esta era a fé dos Apóstolos e da Igreja antiga; e se reconheces que a doutrina da ‘transubstanciação’ era uma tentativa honesta de descrever a crença da Igreja de que Cristo está verdadeiramente presente na Eucaristia, mas que quando a consumimos não estamos a mastigar os seus ossos, porque embora seja agora o Corpo e o Sangue de Cristo, ainda mantém as propriedades, os ‘acidentes’ de pão e vinho; isso tudo ajuda a contextualizar o estranho termo ‘transubstanciação’?”

Mas a questão mais de fundo, existencial, é a seguinte: Jesus era Deus encarnado? E será que acreditamos que Deus ama a humanidade pecadora de tal forma que verdadeiramente se “esvaziaria da sua divindade” e tomaria para si a nossa humanidade, sacrificando-se depois por nós na Cruz?

Porque (a) é isso que significa consumir a Eucaristia; é a nossa participação encarnada, sacramental, no sacrifício de Cristo, e (b) se consegues acreditar em tudo aquilo sobre Deus e o amor de Deus ser tão grande que Ele se tornou homem, viveu entre nós e morreu pelo perdão dos nossos pecados, e a restauração da nossa comunhão com Deus, então parece estranho insistir que Deus não pode estar presente na Eucaristia.

Deus criou cada átomo do universo, fez coisas incríveis, mas não consegue, ou não quer, tornar-se presente de forma contínua, de forma encarnada, na Eucaristia?

Sejamos honestos, então. O problema é mesmo a “transubstanciação”? Ou a crença num Deus Criador que nos ama de tal forma que se fez homem e morreu na Cruz? É um conceito compreensivelmente difícil de aceitar, mas, só para ficar muito claro, a Boa Nova é isso mesmo.

Ah, e caso estejam preocupados, essa minha amiga tornou-se católica há anos, e assim continua. Parece que afinal a doutrina da transubstanciação não era um problema tão grande como pensava.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 23 de Janeiro de 2024)

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