Wednesday, 15 November 2023

A transformação prometida pelo baptismo

Pe Brian Graebe

O Vaticano esteve nas notícias novamente, a semana passada, por causa da resposta a perguntas sobre a elegibilidade de pessoas transgénero para serem baptizadas ou servirem como padrinhos ou testemunhas dos sacramentos. A maior parte do documento, em si, não tem nada de controverso. A fasquia para negar os sacramentos a alguém, especialmente no caso do baptismo, é muito alta. Salvo uma hostilidade aberta à fé (e nesse caso é pouco provável que a pessoa procure sequer o sacramento) a presunção deve ser sempre a favor de baptizar.

A prática da Igreja comprova essa generosidade. O sacramento requer um elemento muito comum – a água – e qualquer pessoa, mesmo um ateu, pode administrá-lo validamente. Seja qual for a questão psicológica que uma pessoa transgénero esteja a atravessar, ou com a qual se confronta, a graça salvífica de Deus está ao dispor de todos os que a procuram de coração sincero. Na medida em que reafirma estas verdades básicas, a resposta do Dicastério para a Doutrina da Fé sublinha a visão acolhedora e inclusiva da Igreja a que o Papa Francisco tem dado prioridade.

Ao mesmo tempo, contudo, o documento peca por aquilo que deixa de fora. No rito do baptismo a Igreja, na pessoa do seu ministro, deve afirmar não apenas a verdade sobrenatural do sacramento, mas também a verdade natural do recipiente.

Ao longo do rito do baptismo o ministro, normalmente um padre, opta por pronomes masculinos ou femininos, com base no sexo do baptizando. Um homem pode acreditar que é uma mulher, e talvez até escolha usar um nome de mulher. Em si, isso não o deve desqualificar de ser baptizado. Contudo, o padre tem obrigação de se referir a ele como um homem. Por exemplo, na oração antes do baptismo propriamente dito, o padre diz: “Ajudemos com as nossas preces este nosso irmão, preparado para receber a vida nova do Baptismo. Oremos a Deus nosso Pai, para que, na sua grande misericórdia, o guie e acompanhe até à fonte baptismal.” Só nesta oração, a masculinidade – se for o caso – do catecúmeno é afirmada três vezes.

A Igreja não pode ser cúmplice do erro. Referir-se a este catecúmeno como uma mulher, usando a linguagem correspondente, seria tomar parte de uma mentira e semear mais confusão. Pastoralmente, a escolha da linguagem a usar no rito devia fazer parte de uma conversa mais longa com o candidato, bem antes da realização da cerimónia, em que o padre explica, com sensibilidade e com clareza, a antropologia da Igreja, procurando também compreender melhor o entendimento e motivação do candidato em procurar o sacramento. Infelizmente, estas considerações – pastoral, doutrinal e litúrgica – não constam da recente resposta do Vaticano.

Mas este problema não está limitado ao baptismo. A afirmação do sexo biológico estende-se também ao papel de uma pessoa transgénero enquanto padrinho ou testemunha. A Igreja pede que haja, sempre que possível, um padrinho, pelo menos um, embora possa haver – e frequentemente haja – dois. Nesse caso deve ser um padrinho e uma madrinha.

Esta paternidade espiritual deve espelhar a paternidade física. Se um homem transgénero, que se considera mulher, se apresentar para ser padrinho num baptizado, e partindo do princípio que preenche os restantes critérios, deve ficar bem claro que ele se apresenta como padrinho, junto de uma madrinha.

Aceder ao pedido de que este homem seja uma madrinha, junto de um padrinho, seria uma distorção do significado espiritual da instituição de padrinho e, novamente, confirmaria e perpetuaria o erro identitário de que este indivíduo sofre. Tal acomodação representa uma falsa compaixão e a subordinação da verdade objectiva à subjectividade dos sentimentos.

Os sacramentos não são propriedade da Igreja, mas de Cristo. Servem para conformar a alma mais perfeitamente com Ele, que é a verdade e que nos convida a permanecer nessa verdade. Essa verdade inclui a biologia da pessoa, que Deus criou homem e mulher.

Ao deixar de fora estas importantes considerações, o documento do Vaticano levanta mais questões do que aquelas a que responde. A confusão dos nossos tempos requer que a Igreja seja uma voz cada vez mais firme no deserto, por mais impopular ou desconfortável que isso possa ser.

O fenómeno transgénero não dá quaisquer sinais de retroceder. Pelo contrário, existe um esforço agressivo em todos os sectores da sociedade – e até dentro da Igreja – de o normalizar e até de penalizar quem utiliza os “pronomes errados”.

Por isso, a Igreja tem de ter a coragem das suas convicções. O seu acolhimento é também, e sempre, um convite e um desafio à conversão, convidando cada alma a deixar para trás o “velho eu” e revestir-se de Cristo. Essa é a identidade que o baptismo oferece, e a transformação que promete.


Brian A. Graebe, é padre na arquidiocese de Nova Iorque e autor de Vessel of Honor: The Virgin Birth and the Ecclesiology of Vatican II (Emmaus Academic).

(Publicado em The Catholic Thing na terça-feira, 14 de Novembro de 2023)

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3 comments:

  1. É por causa de padres transfóbicos, como esse, que muitas pessoas LGBT se sentem afastadas da Igreja. Esse padre nem percebe que o uso dos pronomes não se refere ao sexo biológico, mas sim ao género com que cada um se identifica. O que ele defende nesse texto é um desrespeito pela pessoa. Tudo contrário ao que Jesus Cristo ensinou..

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  2. Muito claro. O ponto é que a Igreja quando se refere ao uso dos pronomes, refere-se ao sexo biológico. Se uma pessoa não quer ser batizada com o pronome relativo ao sexo biológico, ninguém a obriga. Na Igreja o corpo revela a pessoa, há uma unidade inseparável entre corpo e alma. Se o corpo é masculino, a alma também é masculina. O que é visível revela o invisível e por isso não pode ser diferente. Há muitas razões para que as pessoas se possam sentir mal no seu corpo e por isso devem ser objeto de terapia exploratória - tentar perceber o porquê. Mas isso não pode mudar a realidade biológica. Negar a realidade é entrar na ideologia e isso sim é desrespeitar a essência da pessoa.

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  3. A Igreja está no mundo há 2000 mil anos e já assistiu ao enterro de muitos impérios, ideologias, doutrinas, ditadores, imperadores, perseguidores, etc. e continuará a assistir a este desfile, onde agora se incluem as ideologias de turno.
    Ou se tem a convicção de que Jesus é Deus e que ele encarnou há 2000 mil anos e fundou a Igreja (católica) ou não se tem essa convicção.
    Se se tem tal convicção, então também se tem a convicção de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, homem e mulher.
    E não vamos nós alterar isto e proceder como Adão e Eva no paraíso terreste.
    Penso que uma pessoa trans que esteja convicta disto não só aceita o que este sacerdote diz, como o faz seu e não quer de modo algum que seja de oura maneira.
    Se não se tem aquela convicção, então tudo é possível, porque «eu é que sei» o que é a verdade.

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