Wednesday, 11 October 2023

É possível um feminismo cristão?

Tinha ouvido dizer tantas vezes, que mal achei necessário investigar. Falo da repetida expressão de que o feminismo nem sempre tinha sido mau, que a primeira vaga tinha sido boa. Decidi então averiguar por mim, só para poder tirar a teima e confirmar o que sempre me tinham garantido ser verdade.

Surpreendentemente, descobri que nem tudo tinha sido cor-de-rosa na primeira vaga do feminismo. O que eu pensava que levaria apenas dois dias de trabalho para o meu livro The End of Woman: How Smashing Patriarchy has Destroyed Us, rapidamente se transformou em meses. Quanto mais fundo ia, pior era.

Emergiram três factores comuns: o oculto; a igualdade radical dos sexos (que mais tarde se transformaria em “abaixo o patriarcado”) e o amor livre. O que descobri foi que não só a primeira vaga tinha sido claramente uma ideologia anticristã, como plantou as sementes para o que mais tarde se tornaria um tipo de ideologia ainda mais sinistro.

A segunda vaga – por ter estado por detrás da legalização do aborto – pode ser descrita como a ideologia mais mortífera da história da humanidade. (O comunismo matou “apenas” 100 milhões de pessoas no Século XX, e tem vindo a decrescer.) Só nos Estados Unidos já foram abortados 60 milhões de crianças desde a decisão Roe v. Wade, em 1973. Morrem mais crianças devido ao aborto em todo o mundo do que por todas as outras doenças juntas. A culpa pode ser colocada exclusivamente aos pés do feminismo, uma ideologia que ensinou as mulheres a acreditar que as suas crianças são um obstáculo à sua felicidade, e não o caminho para a mesma.

Desde o início que o feminismo tem colocado a pergunta: “Como podemos ajudar as mulheres a ser mais como os homens?”, em vez de perguntar: “Como podemos ajudar as mulheres, enquanto mulheres?” Considerou-se que a vida dos homens era superior e, por isso, a imitar na medida do possível. Assim nasceu o mito da mulher independente-e-infértil.

Daí foi apenas uma questão de tempo até que Margaret Sanger introduziu a era do contraceptivo, seguido de perto pelo aborto, que permitiria finalmente às mulheres ter aquilo que consideravam ser a invejável vida sexual dos homens, sem a necessidade frequente de nove meses de gravidez e dezoito a criar um filho.

A transformação lenta de mulher para um ideal desordenado de masculinidade abriu a porta aos esforços tecnológicos actuais para transformar mulheres em pseudo-homens e homens em pseudo-mulheres. Entretanto, os dados continuam a mostrar que as mulheres não estão mais satisfeitas com a implementação crescente de princípios feministas. As métricas revelam que as mulheres actuais estão mais deprimidas, com mais tendências suicidas, viciadas em substâncias, com maiores taxas de divórcio e com maiores taxas de doenças sexualmente transmissíveis.

Entretanto, ao longo das décadas mulheres cristãs têm tentado construir um feminismo mais saudável do que aquele que nos foi oferecida pela segunda vaga. Muitos tentaram ir beber à primeira vaga; outros esperavam conseguir redimir o termo, tal como João Paulo II. E outros simplesmente usam o termo para significar “pro-mulher”, ignorando toda a bagagem ideológica.

Mas a questão permanece: pode-se ser cristã e feminista?

Se olharmos novamente para os três factores – o oculto, a destruição do patriarcado, e o amor livre – que definiram o movimento ao longo dos últimos duzentos anos, as respostas tornam-se mais fáceis.

Um cristão pode envolver-se no oculto? Essa é fácil, claro que não. E o amor livre? Também um não fácil. E destruir o patriarcado? Esta é ligeiramente mais complicada, mas a fé cristã, desde as suas raízes mais antigas na tradição judaica e no Antigo Testamento, deixa claro que a Igreja Cristã, e a Igreja Católica em particular, é um patriarcado.

Nos seus comentários às escrituras, Brant Pitre e John Bergsma sublinham a mudança dramática que aconteceu com a queda, em Génesis 3:

Houve uma inversão das normas. Ficou tudo de pernas para o ar. Na ordem divina estabelecida em Génesis 1-2, Adão, vice-rei de Deus, deve obedecer a Deus. Deve ainda comunicar a vontade de Deus a Eva, sua esposa, e juntos devem governar sobre os animais. Ao longo de Génesis 2 o animal (a serpente) governa sobre Eva, Eva comunica a vontade do animal a Adão e, em conjunto, os três desafiam Deus.

Este mesmo padrão primordial encontrou uma casa no feminismo. As mulheres adquiriram uma nova autoridade no feminismo enquanto rebaixam, dominam ou ignoram totalmente qualquer autoridade dos homens e de Deus.

Há quem argumente que pode, de facto, existir um feminismo cristão. Cabe-lhes a responsabilidade de mostrar muito claramente aquilo que significa feminismo para eles, para ter a certeza que a sua definição não inclui qualquer uma das características-chave do feminismo mainstream.

Mas a questão principal deve ser: porquê? Porque é que alguém quereria associar-se a uma ideologia que tem sido tão mortal, tão ineficiente – aliás contraprodutiva, mesmo – em conduzir as mulheres à felicidade?

Não há nada que equivale ao catolicismo no que diz respeito a honrar a dignidade inata das mulheres. A ideologia feminista não é necessária para revelar ou levar a cabo a posição pro-mulher do cristianismo. Demasiadas mulheres têm caído no mito da mulher independente, em oposição a Deus, homens, maridos ou filhos.

Acrescentar a mensagem corrompida do feminismo ao cristianismo não tem gerado claridade, antes conduziu a uma profunda confusão sobre o que significa ser mulher hoje, sobretudo uma mulher que diz querer seguir Cristo.


Carrie Gress é doutorada em Filosofia pela Catholic University of America. É editora de Theology of Home e autora de muitos livros, including The Marian OptionThe Anti-Mary Exposed, e co-autora de Theology of Home. É ainda mãe de cinco filhos que educa em casa. O seu mais recente livro é The End of Woman: How Smashing the Patriarchy Has Destroyed Us

Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 9 de Outubro de 2023)

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