Wednesday, 3 May 2023

Conclusões do Relatório de Abusos em Maryland, EUA

Stephen P. White
Durante a Semana Santa a Procuradoria-Geral de Maryland, nos EUA, publicou um relatório de 456 páginas sobre a história de abuso sexual da Arquidiocese de Baltimore. O relatório inclui alegações contra cerca de 137 padres, cinco diáconos, quatro leigos e duas religiosas. Detalha abusos contra mais de 600 jovens.

O conteúdo do documento é simultaneamente horrível e vergonhosamente familiar para quem tem estado a seguir a crise de abusos na Igreja Católica. Não é só a questão dos abusos depravados, mas também as mentiras, a incapacidade de compreender a gravidade do mal, a deferência para com os abusadores, a indiferença para com as vítimas, as mudanças de paróquia de padres abusadores, o encobrimento.

Cada instância de abusos constitui um momento de grave trauma e dor na vida da vítima. Porém, por mais que nos esforcemos, ao ler um relatório destes os eventos terríveis começam a confundir-se. Se lermos um número suficiente deste tipo de documentos, começamos a ser imunes aos detalhes.

Mas há algumas coisas que ficam. Um dos detalhes mais preocupantes – se bem que menos gráficos – do relatório de Maryland é que 11 dos 137 padres nomeados no documento serviram na mesma paróquia entre 1964 e 2004. Contudo, a maioria das histórias, tanto de abuso como de falha no tratamento dos casos, são pateticamente previsíveis.

Mas ao ler este relatório houve outra coisa que sobressaiu. A Procuradoria-Geral de Maryland acaba de passar cinco anos a investigar a Arquidiocese de Baltimore, procurando qualquer prova de abuso sexual de crianças. Intimou centenas de milhares de páginas de documentação da Arquidiocese, conduziu centenas e centenas de entrevistas. E o que é que se conclui no final de tudo?

Resumindo, o relatório é confirmação independente de que a Igreja Católica, pelo menos na Arquidiocese de Baltimore, tem sido muito bem-sucedida em prevenir abusos, lidar com alegações quando estas surgem, e demonstrar transparência na condução desses casos. Levou demasiado tempo, e a um custo demasiado alto, especialmente para as vítimas, mas também para os fiéis – cuja confiança nos seus líderes sofreu uma erosão dramática.

Ainda assim, a tendência de melhoria é inconfundível. Como sabemos através de estudos nacionais, os incidentes de abuso sexual clerical na Igreja Católica neste país tiveram o seu ápice nos anos entre 1960 e 1980, depois caíram a pique.

Os casos sublinhados neste relatório revelam a mesma tendência. Têm sobretudo, mas não exclusivamente, mais de 25 anos – ou seja, antes da passagem do milénio. Em média, a data de ordenação dos padres nomeados neste relatório é 1960. Nenhum dos padres acusados foi ordenado depois de 1989. Dos abusadores nomeados, 103 já morreram. Dos 137 padres nomeados no relatório, 53 eram membros de ordens religiosas. (o relatório nomeia ainda cinco diáconos, quatro leigos e duas religiosas). Dos padres de Baltimore nomeados, apenas três nasceram em 1950 ou mais tarde, e todos esses já estavam referidos publicamente pela Arquidiocese como credivelmente acusados desde 2002.

Nos anos 90 a forma como se lidava com casos de abusos já tinha melhorado, mas faltava ainda a claridade e a firmeza de decisão que veio com a Carta de Dallas, em 2002. Sempre que são referidos no relatório, tanto o actual Arcebispo de Baltimore, o Arcebispo William Lori como o seu antecessor, Cardeal Edwin O’Brien, tomaram as medidas apropriadas para tratar das alegações. Por vezes até foram para além do expectável para garantir que os padres fossem afastados do ministério, ou que Roma tomasse as medidas necessárias.

A forma como a arquidiocese lidou com casos nos piores anos foi claramente inaceitável, ainda que fosse típico da época. E era bastante típico para a época. O relatório em si confirma-o quando elenca a história dos estatutos criminais relativos ao abuso sexual de menores por parte de Maryland.

Arcebispo William Lori, de Baltimore
“Foi só em 1963 que Maryland aprovou a primeira lei que criminaliza o abuso infantil”, diz o relatório. Só em 1974 é que o estatuto de abuso infantil de Maryland “deixou claro, finalmente, que incluía abusos sexuais”. As leis sobre abuso sexual de crianças e abuso físico só foram separados em 2003.

Claro que a medida para avaliar a forma como a Igreja lidou com casos de abusos não é o Estado, mas sim a lei da Igreja e, no final de contas, o Evangelho. Mas vale a pena sublinhar um ponto: não é apenas a Igreja Católica que tem evoluído e adaptado ao longo dos anos na compreensão do abuso sexual de crianças. 

Há duas semanas o governador de Maryland assinou uma lei a revogar permanentemente o prazo de prescrição para processos civis de abuso sexual infantil. Esta foi a principal recomendação, e o principal objectivo, do relatório da procuradoria. Esta mudança tem efeitos retroactivos. Para além disso, a nova lei coloca limites às indemnizações nestes casos, mas esses limites são quase o dobro para instituições privadas – como é o caso da Igreja – do que para as instituições públicas (como escolas).

Se a lei se mantiver – a sua constitucionalidade está a ser contestada – a Arquidiocese será sujeitada a uma torrente de processos. A Conferência Católica de Maryland opôs-se ao levantamento retroactivo dos prazos de prescrição, embora tanha defendido a sua eliminação daqui em diante.

Devia ser claro que a Igreja ainda tem muito que pagar pelos pecados e os crimes do passado. A vergonha e a verdade aqui é que o fardo desses pecados e crimes tem sido carregado pelos inocentes: as vítimas, em primeiro lugar, mas também de forma real, a totalidade dos fiéis.

Não há nada para celebrar no relatório de Maryland, o seu conteúdo é demasiado doloroso e vergonhoso para isso. Mas há décadas que a Igreja se tem esforçado para recuperar a confiança, insistindo que no meio da podridão já tem feito progressos assinaláveis, bem como reformas duradouras e eficientes a favor da transparência e da responsabilidade.

O procurador-geral de Maryland acaba de passar cinco anos a provar que, pelo menos na diocese mais antiga da nação, a Igreja Católica está a dizer a verdade.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 20 de Abril de 2023)

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