Wednesday, 15 March 2023

O Único Caminho para um Coração Limpo

Anthony Esolen
Recentemente, durante uma conversa, comentei que a introdução da pílula nas relações entre rapazes e raparigas jovens tinha elevado perigosamente o risco das relações sexuais. Todas os prazos saudáveis que medeiam entre um encontro amigável e uma noite na cama foram varridos. De repente, nenhum dos sexos sabia muito bem o que esperar do outro. O resultado, como tenho estado a dizer há muitos anos, foi a solidão de todos os que não alinham no jogo e uma variedade de destroços morais e pessoais para quem alinha. E talvez, no final de contas, uma solidão ainda mais profunda, incluindo uma alienação completa do sexo oposto.

Como é que não prevemos isto? Como é que os católicos, e em particular os teólogos e filósofos, não compreenderam aquilo que pagãos como Platão, Aristóteles, Zenão o Estóico, Cícero e Marco Aurélio viram, que mascarar o pecado não altera o seu efeito, tal como polvilhar com açúcar não diminui o efeito de um prato de veneno?

O meu interlocutor ficou admirado, respondendo que se a pílula tivesse sido disponibilizada 40 anos antes, as pessoas de então teriam agido exactamente da mesma forma que os seus descendentes. Estava a sugerir que a geração do meu avô era tão fraca, egoísta e podre como a que aceitou a pílula.

Respondi que não podemos julgar as pessoas por aquilo que achamos que teriam feito, mas apenas por aquilo que de facto fizeram. Ele admitiu que os mais antigos eram melhores na arte do cortejo, mas contrapôs que fumavam cigarros em elevadores com crianças, ao que eu poderia ter respondido que os nossos tempos também estão repletos de obscenidade públicas, entretenimento ordinário e pornografia, tudo na presença de crianças e, no que diz respeito aos primeiros dois, encorajando mesmo a sua participação.

Há que fazer distinções. A natureza humana não muda. Os alemães que se tornaram nazis talvez fossem pilares das suas comunidades se tivesse crescido noutro local ou tempo; e qualquer um de nós, sobretudo aqueles com tendência para movimentos intelectuais ou para encontrar bodes expiatórios, coisa não rara entre a humanidade, poderia ter-se tornado nazi.

Talvez seja mais seguro dizer que este exercício não faz muito sentido. É como pensar como seríamos se tivéssemos nascido de outro sexo. Isso implicaria ter todo um outro corpo, mas não existe um “eu” flutuando por aí, dissociável do meu corpo.

Posso imaginar, ou adivinhar, o que eu, enquanto pessoa já existente, teria feito caso não tivesse feito um curso em Princeton que mudou a minha vida, ou caso não tivesse conhecido a minha mulher Debra, mas mesmo aí estou em território minado. Se calhar, quando tentamos adivinhar o que teríamos feito perante um determinado conjunto de circunstâncias, estamos na verdade a basear essa suposição naquilo que de facto já fizemos em circunstâncias semelhantes.

Por exemplo, aqueles que actualmente se divertem em difamar outros, ou em interpretar as suas palavras ou acções à pior luz possível, talvez tivessem dado óptimos informadores. Ou, pegando na coisa de outra forma, talvez os que actualmente partem do princípio que o lugar da relação sexual é numa relação comprometida e exclusiva, com vista à permanência (por mais iludidas que as pessoas possam estar em relação a tudo isso), teria praticado a castidade e a continência antes do casamento naquela altura.

Ainda assim, fazemos o que fazemos e os nossos actos tornam-se aquilo que somos. John C. Calhoun tratava os seus escravos de forma bondosa, e isso fez mais do que deixar uma marca na sua alma. Esse pecado consumiu a sua alma e assimilou-se a ela de tal forma que na sua velhice Calhoun já não sentia qualquer vergonha por ser esclavagista, olhando-o mesmo como um bem.

Não pretendo julgar a disposição eterna da sua alma. Deus é o juiz. Mas aquilo que vemos, podemos declarar. O pecado deforma e o pecado praticado com uma consciência tranquila, como parece ter ocorrido com Calhoun, deforma ainda mais. Daí que a prostituta que chorou aos pés de Jesus estivesse em melhor estado que Simão o Leproso, que pecava com orgulho e com a consciência límpida como a luz do dia.

O pecado está para a alma como a doença para corpo, mas com uma diferença fundamental que torna o pecado ainda mais perigoso. O corpo consegue combater a doença com os seus próprios recursos. A alma não consegue combater o pecado desta forma. Isto acontece, mais uma vez, porque o pecado é mais do que um invasor. “Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte?”, clama São Paulo, descrevendo a luta daquele que sabe aquilo que é bom para a alma, que quer escolher esse bem, mas dá por si a escolher o mal. 

Pior ainda é a luta de quem já nem sequer reconhece o bem. Deve ser claro que nenhum esforço da alma lhe pode valer, uma vez que a escória está completamente misturada com o minério. O minério não tem qualquer forma de expulsar a escória, salvo uma. Só a operação da graça divina pode valer, com a palavra de Deus que penetra até à medula.

Daí decorre também a necessidade urgente de pregar a verdade. Ninguém nos diz que que Deus vai julgar uma ficção de nós mesmos, algo que poderíamos ter sido noutras circunstâncias, imaginárias. Ninguém nos diz que Ele deve salvar a mesma percentagem de nazis e de carpinteiros amish. Somos todos pecadores e todos ficamos aquém da glória de Deus.

Devemos voltar-nos para Deus e dizer: “Um novo coração me dá Senhor”. É algo grandioso que pedimos, porque a re-criação de uma só alma é uma maravilha maior do que a criação do mundo. Não devemos pedir a Deus que “julgue aquilo que eu poderia ter sido”, mas sim “perdoa aquilo que sou, e faz de mim uma pessoa nova”.


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Escreveu, entre outros, Out of the Ashes: Rebuilding American Culture, and Nostalgia: Going Home in a Homeless World, e mais recentemente The Hundredfold: Songs for the Lord. É professor e autor residente na Magdalen College of the Liberal Arts, em Warner, New Hampshire. Pode visitor o seu site em: Word and Song.

(Publicado pela primeira vez no sábado, 11 de Março de 2023 em The Catholic Thing)

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