Wednesday, 23 November 2022

O Caminho do Amor Misericordioso

Elizabeth A. Mitchell

Talvez já tenhamos lá estado. Deitados com o homem à beira do caminho, espancados pelo Acusador, feridos pelos nossos pecados, sentindo-nos inanimados e sós. Os espíritos da confusão, da discórdia, ira, insulto, dúvida e medo atacaram-nos quando menos esperávamos. Submetemo-nos a elas e deram cabo de nós. Roubando-nos a alegria e a paz, partiram e continuam a “passear pela terra, a patrulhá-la” (Job 1,7), em busca da próxima vítima.

Cristo identifica a nossa condição na parábola do homem roubado por salteadores no caminho para Jericó – a parábola do Bom Samaritano – explicando que “caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto”. (Lucas 10,30)

O abandono do pecado é real. Sentimo-nos isolados, incapazes de ser tocados pelo outro, entregues nas mãos dos salteadores mentirosos. Os ladrões espirituais destroçaram as nossas almas e partiram, deixando-nos a definhar.

E quando damos por nós nesta condição, juntos ao homem deitado à beira do caminho, incapazes de nos levantarmos e de restaurarmos a graça nas nossas almas, onde podemos procurar ajuda? Que mão amorosa nos procurará? Como podemos ser restaurados quando estamos já sem forças?

Recentemente estava à espera de me confessar e percebi que todos nós que estávamos na fila estávamos à beira daquele caminho. O caminho para Jericó. E que só uma pessoa é que iria parar, com toda a sua compaixão, e aceitar tocar nas nossas feridas e ligá-las: o padre, na confissão, agindo em nome de Cristo.

Com o seu vinho e óleo para os nossos pecados, o Espírito Santo ministra-nos através do sacerdócio sacramental. “Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele.” (Lucas 10, 33-34)

A única coisa que nos pode sarar, que pode restaurar as nossas almas, é a graça de Deus. Ele vem ao nosso encontro com profunda misericórdia, no meio da nossa exaustão e a incapacidade de nos curarmos a nós mesmos, e unge-nos com compaixão. O Senhor Deus, no seu poder e na sua misericórdia, levanta-nos da beira do caminho.

No seu Tratado Contra as Heresias, Santo Ireneu descreve esta graça como o “orvalho divino”, explicando:

“Por isso necessitamos deste orvalho divino para produzirmos fruto e para que não sejamos lançados ao fogo; e já que temos quem nos acusa, tenhamos também um Advogado, pois que o Senhor encomenda ao Espírito Santo o cuidado do homem, sua propriedade, que havia caído em mãos de ladrões, compadecendo-se de suas feridas.”

Somos levantados do caminho, e colocados no animal de carga do Senhor, levados para a hospedaria e restaurados. Por pura compaixão. Pura misericórdia. Lucas continua: “No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e lhe disse: 'Cuide dele. Quando eu voltar, pagarei todas as despesas que tiver'”. (Lucas 10,35)

Ireneu chama a nossa atenção para as moedas “régias” que são dadas por nós: “para que nós, recebendo pelo Espírito a Imagem e a Inscrição do Pai e do Filho, consigamos multiplicar o denário que nos foi confiado, retornando ao Senhor com juros.”

Juros para o Senhor.

Pelo nosso encontro com Deus e com a Sua graça, somos restaurados. E somos restaurados para O servir. O facto de termos estado deitados à beira do caminho teve um propósito. Estávamos lá para podermos ser colocados mais plenamente e para sempre sob o comando de Cristo, para sermos postos ao seu serviço uma vez restaurados para a vida e para a força. Fomos marcados pela imagem e pela inscrição do Pai e do Filho, que nos deram a cura e a salvação divina. Foi-nos dada uma missão e um propósito.

Jesus termina o seu ensinamento, dizendo “vá e faça o mesmo”. (Lucas 10,37)

Vá e faça o mesmo. Nós podemos ser vasos de misericórdia, jorrando óleo e vinho sobre as almas feridas e maltratadas que nos rodeiam. Estão em todo o lado. Não é preciso ir procurar nos recantos. Enchem a autoestrada, estão na bomba de combustível, estão na sua casa, sofrendo, a precisar de serem amados debaixo de um exterior duro. Estão demasiadamente fracos para amar, mas precisam de ser amados. Precisam de compaixão pura, unilateral. Tal como o Bom Samaritano confia a alma ferida ao Espírito Santo, também nós devemos fazer o mesmo. Como recebemos, devemos dar.

E a nossa caminhada não termina na hospedaria ou no caminho para Jericó. Presumivelmente estávamos a viajar quando fomos assaltados. Recebemos misericórdia pura. Devemos continuar, diferentes, a nossa caminhada. Com um coração purificado, penitente e agradecido, partimos pelo nosso caminho no seu serviço, para ir e fazer o mesmo. “Assim como recebestes Cristo Jesus como Senhor”, diz São Paulo, sob inspiração do Espírito Santo, “continuai a caminhar nele… fortalecidos na fé como vos foi ensinada e a transbordar de gratidão.” (Col. 2, 6-7)

Já não nos encontramos prostrados à beira do caminho. Pela graça fomos renovados. Usando a moeda régia que foi entregue para o nosso cuidado, confiando-nos ao Espírito Santo, partimos de novo no caminho do amor misericordioso.


(Publicado pela primeira vez no Domingo, 20 de Novembro de 2022 em The Catholic Thing)

Elizabeth A. Mitchell, é doutorada em Comunicação Social Institucional pela Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma, Itália, onde trabalhou como tradutora para a Sala de Imprensa da Santa Sé e para o L’Osservatore Romano. É decana dos alunos na Trinity Academy, um colégio católico privado no Wisconson. A sua tese “Artist and Image: Artistic Creativity and Personal Formation in the Thought of Edith Stein,” trata o papel da beleza na evangelização pela perspetiva de santa Edith Stein. Mitchell faz ainda parte da direção do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em La Crosse, Wisconsin, e é conselheira do Centro Internacional St. Gianna e Pietro Molla para a Família e para a Vida.

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