Wednesday, 9 November 2022

Escutar a Comunhão dos Santos

Stephen P. White

As recentes festividades de Todos os Santos e Fiéis Defuntos dão-nos a ocasião para nos afastarmos das circunstâncias presentes da Igreja e do mundo, e para ver as coisas com um horizonte mais alargado.

Mais do que uma constelação distante de exemplos morais, mais do que uma hoste de intercessores a rezar por nós diante do Trono da Graça, a Comunhão dos Santos é aquilo que espera cada um de nós cuja salvação foi alcançada pelo sacrifício de Jesus Cristo. A gloriosa diversidade de santos é aperfeiçoada pelo esplendor de Deus Trino, cuja vida agora partilham em pleno, na mesma medida em que o relfecte.

Se fomos feitos para a beatitude, se é esse o nosso destino final e objectivo, então a comemoração dos Fiéis Defuntos é uma recordação de que o caminho é estreito. As almas no Purgatório irão para o Céu. Mas enquanto rezamos pela sua purificação e rápida entrada na beatitude, não podemos se não recordar a necessidade urgente de arrependimento e de conversão nas nossas próprias vidas.

O que nos traz de volta ao lugar onde estamos, esta Igreja peregrina na Terra. E a verdade é que por aqui as coisas não andam especialmente bem.

Ao longo dos últimos meses e até anos a Igreja tem estado a atravessar mais um dos seus períodos de autorreflexão, que às vezes mais parecem um exercício de umbiguismo do que de examinação de consciência, em particular em torno do Sínodo sobre Sinodalidade.

Roma parece estar a preparar-se para declarar que o sínodo foi um enorme sucesso, antes mesmo de ter começado – isto apesar de algumas sérias preocupações com os níveis de participação e ingenuidade, para usar um termo simpático, em relação a alguns dos fundamentos da fé.

Independentemente do sínodo, é desconcertante ver que muito poucos católicos parecem compreender o que significa “sinodalidade” ou o que este Sínodo pretende alcançar. E é ainda mais desconcertante que toda a gente envolvida no sínodo parece estar disposta a passar ao lado deste facto inconveniente.

Por meio do nosso baptismo, todos participamos da missão da Igreja. Cada um de nós participa desta missão de acordo com a nossa particular vocação e circunstância. E a natureza hierárquica da Igreja e da autoridade eclesial existe para servir, e não para contradizer, esta missão compartilhada. Não existe um sector do Povo de Deus a quem este imperativo missionário não diga respeito.

Esta é, de forma resumida, a visão da Igreja conforme o Vaticano II e o Lumen Gentium, e em todo o lado onde a Igreja floresce é essa a realidade que vemos em acção. Se é isso que significa sinodalidade, então não podia ser mais a favor.

Mas se é isso que significa a sinodalidade, não é certamente assim que o Sínodo tem sido “vendido” e “promovido”.

É compreensível que todos aqueles que são responsáveis por conduzir o processo sinodal queiram que este seja um sucesso. Mas ao enfatizar a radical novidade do Sínodo, numa tentativa aparente de o tornar “relevante” e “excitante”, estão a prestar-lhe um mau serviço. Todo esse marketing e os slogans, que se aproximam do triunfalismo, que estão a sair de Roma parecem quase pensados para exacerbar o problema.

Confiar no Espírito Santo é uma coisa. Confiar nas promessas feitas a Pedro de que as Portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja é uma coisa. Mas confiar cegamente no discernimento e no juízo de um grupo de pessoas escolhidas acima de tudo pela sua disponibilidade para dizer o que quer que seja – por mais implausível e inconsistente – para poder apresentar o processo sinodal, ainda em desenvolvimento, como um triunfo imaculado, é outra coisa completamente diferente.

Na conferência de imprensa de apresentação do Documento da Etapa Continental, um dos conselheiros do secretário-geral do sínodo disse que “a sinodalidade não é uma forma de ser Igreja, é a forma de ser Igreja”. Tudo bem, mas então é suposto acreditarmos que até agora a Igreja não tem sido verdadeiramente a Igreja? Devemos acreditar que todos os ensinamentos e a sabedoria da Igreja ao longo de mais de dois mil anos não foram também fruto de cuidadoso discernimento?

Devemos mesmo acreditar que o sensum fidelium consiste das opiniões de uma proporção minúscula dos católicos que estão vivos hoje, ignorando dois milénios de testemunhos cujo discernimento e santa sabedoria são agora tratados muitas vezes com desprezo e rancor simplesmente porque descobrimos uma coisa nova e brilhante para substituir o que é “antigo” e “atrasado”?

A sinodalidade ou tem raízes profundas na vida da Igreja, ou é radicalmente e totalmente nova, mas não pode ser ambos. Aqueles que enfatizam a segunda para tentar convencer os fiéis de que o progresso está a ser um enorme sucesso – apesar de poucos perceberem alguma coisa do sínodo ou se preocuparem sequer com o assunto – parecem ter vistas curtas. Certamente isso não é um exemplo do tipo de discernimento e reflexão sóbrios dignos deste sínodo ou da Igreja.

A semana passada juntámo-nos ao resto da Igreja na celebração dos santos e para rezar pelas almas dos fiéis defuntos. Enquanto a barca de Pedro atravessa mares revoltos, podemos treinar ser uma “Igreja de escuta” voltando as nossas atenções para o testemunho daqueles que, pelas suas vidas, proclamaram a Verdade que salva. Ouvir, e imitar, aqueles que descobriram o caminho pela graça, através da porta estreita.

Uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus. (Hebreus 12, 1-2)

Eis uma palavra em que podemos confiar. Eis o Povo de Deus, determinado a livrar-se do pecado, com os olhos fixos em Jesus. Eis a Igreja da qual nós pecadores, aqui na Terra, somos apenas uma pequena parte. Ouçamos esta nuvem de testemunhas e caminhemos – ou corramos mesmo – juntamente com eles ao longo do caminho estreito.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 3 de Novembro de 2022)

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