Monday, 1 August 2022

Ao serviço da verdade ou à procura de escalpos?

O Patriarca de Lisboa está sob grande pressão, por não ter comunicado um caso de abuso de menores às autoridades. É um caso que levanta algumas questões, que já referi aqui.

Contudo, queria escrever um pouco sobre esta campanha que se tem gerado em torno do Patriarca, com muitos a pedir a sua demissão.

A razão pela qual não o fiz mais cedo é porque estive a semana toda num campo de férias católico, a supervisionar uma equipa de 20 animadores que estavam a entreter 60 crianças. E julgo pertinente dizer que todos esses 20 animadores foram obrigados, por ordem do Patriarca de Lisboa, a assistir a uma formação de várias horas sobre protecção de menores. O mesmo se aplicou a todos os animadores de todos os campos de férias católicos no Patriarcado, pelo menos. Desconheço se aconteceu noutras dioceses.

Este é apenas um exemplo, mas é revelador da seriedade com que o Patriarca tem tratado este assunto desde que assumiu funções. Lisboa foi a primeira diocese em Portugal a ter uma Comissão de Protecção de Menores e sabemos que já houve denúncias que estão a ser tratadas. Eu tenho sido crítico sobre alguns aspectos sobretudo ao nível da comunicação e transparência, e sei bem que muita coisa ao longo dos últimos anos tem sido mal feita, mas a questão é que temos no Sr. D. Manuel Clemente uma figura empenhada em melhorar e em tornar a igreja um local mais seguro para as crianças. Não nos podemos esquecer que o encontro entre o Patriarca e a vítima apenas aconteceu porque ele a pediu e, depois de um primeiro adiamento, insistiu nela, precisamente para poder escutar a vítima e ver como podia ajudar no seu caso particular.

O que dizer, então, sobre a reportagem do Observador, que espoletou tudo isto? Há duas vertentes importantes. Primeiro a reportagem. Sobre a reportagem em si, nada a criticar. É um trabalho profissional, que revela um caso que, respeitando ou não as normas da altura, foi mal resolvido. Nesse sentido é uma notícia, e penso que o Observador a tratou bem. Se no artigo ficaram coisas mal explicadas a culpa é em parte do próprio patriarcado, que não terá respondido de forma esclarecedora ao jornalista e depois veio tentar remediar a decisão com comunicados e cartas abertas.

Outra coisa diferente é a campanha que o Observador tem feito em torno da questão, e aí penso que merece críticas. A ideia com que fico – e posso estar a ser injusto – é que o Observador está novamente a tentar armar-se em Boston Globe e a tentar obter um escalpo como troféu.

Já tínhamos visto esta aspiração do Observador aquando da sua série de reportagens sobre abusos, há alguns anos. Na altura fizeram uma campanha extensíssima, a pedir testemunhos em todas as notícias que publicavam, a filmar reuniões de redacção e a apelar a denúncias. O resultado foram várias reportagens extensas e aprofundadas, mas sobre casos já conhecidos, e um caso novo. Pouca coisa para a fanfarra toda.

Agora vemos mais do mesmo. Uma notícia boa, mas depois vendida e explorada de uma forma que trai a própria seriedade do conteúdo.

No meio de tudo isto perde-se o essencial. O importante aqui, como em tudo, é zelar pelo bem das vítimas e evitar, na medida do possível, novos casos. Neste momento parece-me que a demissão do Patriarca – um homem que sempre se mostrou preocupado com este assunto e que, mesmo cometendo erros, tem contribuído muito para colocar as vítimas em primeiro lugar – em nada contribui para o bem das vítimas e o combate ao problema dos abusos em Portugal.

3 comments:

  1. Obrigada por escrever aquilo que a maioria de nós pensamos. O sr. D. Manuel Clemente merece todo o nosso respeito pela forma como tratou dos abusos omeando

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  2. Muito bem. Calmo e comedido

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