Wednesday, 27 July 2022

Não Criminalizem a Mulher que Aborta

David G. Bonagura Jr.
A revogação de Roe v. Wade reactivou uma série de leis em vários estados que criminalizam o aborto, mas que estavam suspensas há cerca de cinquenta anos. Ao contrário de outras leis mais recentes, como as de Oklahoma e da Florida, muitas destas prevêem que as mulheres sejam processadas por tentarem abortar. Nestes estados, se uma mulher obtiver um aborto ilegal poderíamos vê-la a ser algemada e julgada. E podem ter a certeza que o veremos mesmo, porque os media e os defensores do aborto cobrirão furiosamente cada segundo do processo. Aliás, o New York Times desafiou-nos a tentar fazê-lo.

De agora em diante a posição pro-vida deveria espelhar as recentes leis que proíbem que as mulheres sejam processadas, mas permitem que todos os outros envolvidos em facilitar a obtenção de um aborto o sejam. E devemos divulgar ao máximo esta posição.

Mas o aborto não é um assassinato? O homicídio deliberado de uma pessoa inocente? Normalmente as mulheres carregam alguma responsabilidade pelo acto. Mais, argumentam alguns, a responsabilização pessoal das mulheres pode desencorajá-las de terem comportamentos sexuais irreflectidos. Pelo contário, dizem, garantir a imunidade criminal poderá levá-las a tentar fazer abortos ilegais sem qualquer medo.

Uma mão-cheia de activistas pro-vida defendem a criminalização das mulheres. Claro que o New York Times lhes dedicou uma reportagem recentemente, com direito a manchete.

Mas processar mulheres por abortar é uma má ideia, e não só porque levaria o país a voltar-se instantaneamente contra a proibição do aborto – imaginem só as reacções a imagens de uma rapariga de dezasseis anos a ser detida. A ideia é errada sobretudo porque o aborto é um crime singular, que carrega uma sentença perpétua de natureza diferente.

Todos os homicídios partilham um mesmo e trágico resultado, a perda de vida inocente que não pode ser restaurada. Contudo, nem todos os homicídios são julgados da mesma forma. A lei diferencia entre três graus de severidade de um homicídio, determinados pelos motivos e os meios. Desta perspectiva, o direito criminal segue o exemplo da teologia católica no julgamento de um acto imoral: o acto em si tem primazia, mas a intenção e as circunstâncias também são tidos em conta e podem atenuar a culpa do autor, embora jamais possam justificar a decisão errada.

Os homicídios são quase sempre motivados por um (ou mais) dos sete pecados mortais. O aborto, pelo contrário, é quase sempre motivado por medo, insegurança e pressão social, que pode vir tanto da situação económica da mulher como do pai da criança. (Sim, a luxúria também pode conduzir a um aborto, mas não é causa directa). Os homicidas são uma ameaça à segurança pública, mas as mulheres que procuram um aborto não.

Quando contemplamos o acto em si, o aborto é tão repulsivo, tão contrário à natureza, que se pode até argumentar que é pior que outras formas de homicídio. Mas para uma mãe consentir na matança do seu próprio filho, com quem deve partilhar uma ligação mais singular e bela que qualquer outra na criação, não pode estar de mente sã naquele momento fatídico.

Mesmo quando invoca razões tão fúteis ou egoístas como “não estou pronta para ter um filho”, claramente não está a compreender a gravidade do acto, e uma vida inteira de sujeição a propaganda abortista, quer se aperceba disso ou não, dificulta o discernimento moral. As mulheres que celebram e divulgam os seus abortos em comícios e marchas não estão de mente sã.

Assim, vemos que o aborto produz duas vítimas: a criança e a mãe, ainda que esta seja simultaneamente a agressora contra os dois. As vítimas precisam de compaixão e de cura, não de se sentar no banco dos réus. A memória de uma criança perdida já é punição suficiente.

Já aqueles que querem ajudar as mulheres a obter abortos – médicos, enfermeiras, farmacêuticos ou traficantes de pílulas abortivas – participam no homicídio de uma forma diferente da mulher. Estes não têm qualquer ligação à criança e procuram ganhar com o sofrimento do outro. Devem ser punidos pelo seu crime, de acordo com a sua gravidade. Se uma mulher faz um aborto sem qualquer ajuda de terceiros, o que precisa é de ajuda psiquiátrica, e não de ir para a cadeia.

Essencialmente, esta posição jurídica do movimento pro-vida segue a abordagem pastoral da Igreja Católica. Nenhuma entidade tem condenado o mal que é o aborto com a mesma força e consistência que a Igreja. E também nenhuma entidade tem convidado activamente as mulheres a obter o perdão, oferecendo aconselhamento espiritual e psicológico para as ajudar. Enquanto extensão temporal da encarnação, a Igreja revela ao mundo os atributos aparentemente paradoxais de Deus: Ele é Justiça e Ele é Misericórdia.

Ao rejeitar a criminalização das mulheres por abortar, a comunidade pro-vida demonstra que é ela, e não os defensores do aborto que se preocupa com os interesses da mulher. A não perseguição das mulheres não significa que o aborto não seja sério. Pelo contrário, a seriedade do aborto explica porque é que é ajuizado de forma diferente de outros homicídios. O aborto mata uma criança, mas mata também a alma de uma mãe. Os activistas pro-vida estão à mão com medidas criativas e atenciosas para lhe devolver a paz de alma.

Desde a queda de Adão e Eva que homens e mulheres sucumbem a tentações sexuais, não obstante o medo da gravidez e as terríveis consequências sociais. A ameaça de penas de prisão para o aborto terá pouca influência no desencorajamento da actividade sexual extraconjugal que conduz ao aborto. Para isso é preciso uma enorme mudança de paradigma social, a começar com o confronto da mentalidade contraceptiva (a venda de contraceptivos disparou desde a revogação de Roe v. Wade), e a proibição do aborto é a primeira de muitas contribuições para este fim.

O que nós queremos, para proteger melhor a vida, é que todos aqueles que promovem a indústria abortiva sejam afastados por via de ameaças legais. Mas para as mulheres que procuram um aborto é preciso um conjunto de medidas diferentes, uma vez que elas participam neste crime de uma forma muito diferente de todos os outros. A resposta pro-vida para as mulheres enganadas pela cultura da morte é amor, misericórdia e esperança.


David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 21 de Julho de 2022 no The Catholic Thing)

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