Wednesday, 25 May 2022

Uma Cerveja com C.S. Lewis: “Uma Conversão Contrariada”

Brad Miner

Julgo que nenhum autor protestante tem sido tão citado em artigos do The Catholic Thing como C.S. Lewis (1898-1963). Também deve ser verdade que para além da sua própria obra, ninguém nos meios de comunicação contemporâneos tem feito mais para celebrar Lewis e o seu trabalho do que Max McLean, fundador e diretor artístico do Fellowship for Performing Arts (FPA), de Nova Iorque.

O seu mais recente projecto cinematográfico, feito com o realizador Norman Stone, é “The Most Reluctant Convert: The Untold Story of C.S, Lewis”, em que McLean, que faz de Lewis, narra o percurso do autor do ateísmo para o Cristianismo. E que evangelizador que ele era. No Século XX só o Billy Graham e o Papa São João Paulo se comparam.

Já fiz crítica de duas peças da FPA baseadas em livros de Lewis: “O Grande Divórcio” e “Shadowlands”, e com a minha mulher vi o “Vorazmente Teu”, em 2006 – antes de este site ser criado. Nessa produção McLean foi soberbo a fazer de Screwtape, o demónio mais velho a instruir o seu aprendiz, Wormwood.

O “Most Reluctant Convert” começa e acaba quebrando a chamada “quarta parede”, que separa os actores do público. McLean, na personagem de C.S. Lewis, sai da maquilhagem, passa pelos técnicos, as câmaras e a iluminação e, olhando directamente na nossa direção, começa a contar a história do grande autor. No final sai de casa do próprio Lewis em Oxford “The Kilns” e recebe os aplausos, muito merecidos, da equipa de filmagem.

McLean descreve o filme como “cerebral, mas de acção rápida”. Na verdade, essa é uma das chaves para a sua grandeza.

Através de retrospectivas vemos C.S. Lewis quando era menino (desempenhado por Eddie Ray Martin), como um jovem adulto (Nicholas Ralph) e, claro, com McLean a fazer de homem maduro, a tentar reconciliar-se com os acontecimentos e as verdades que o puxam de um cepticismo ateu rumo à fé cristã.

Foi o livro “Surpreendido pela Alegria” (1955) que deu a McLean a ideia de escrever uma peça sobre a sua conversão. Esse livro, bem como o “Mero Cristianismo” (1952) são boas fontes para a história de Lewis e a forma como usou a razão para chegar à crença, e vários momentos que serão reconhecidos por fãs de Lewis estão representados de forma belíssima no filme.

Vemos a morte da sua mãe, Flora (representada por Amy Alexander), o seu pai Albert, castigador e obstinado (Richard Harrington), e passagens da sua vida como militar na I Guerra Mundial. Todos estes eventos traumáticos contribuíram para o empurrar para longe da fé. Há ainda cenas da sua educação na adolescência, que ficou a cargo do tutor W.T. Kirkpatrick (David Grant) e a sua formação intelectual em Oxford, mais tarde.

E há ainda alusões ao impacto de G.K. Chesterton, com o seu “O Homem Eterno”, e de George MacDonald, com “Phantastes” – livros que iluminaram a imaginação de Lewis, um classicista que viria a escrever alguns dos romances de fantasia cristãos do Século XX, para adultos e para crianças.

Em Oxford, onde foi primeiro aluno e depois professor, conheceu académicos fantásticos como Owen Barfield (Hubert Burton), Hugo Dyson (David Shields) e J.R.R. Tolkien (Tom Glenister).

Enquanto intelectuais, estes homens discutiram muitos assuntos, mas sobretudo a fé. Ouvimos Barfield a desafiar a afirmação de Lewis de que Jesus pode ser aceite como um grande mestre, sem que seja necessário acreditar na sua divindade. Barfield explica aqui o esquema do argumento que o próprio Lewis popularizaria, naquilo que é conhecido como o seu “trilema”. Lendo as palavras do Senhor no Evangelho, só podemos concluir que Jesus é louco, mentiroso, ou o Deus. Isto é, não pode simplesmente ter sido um “grande mestre” se as suas reivindicações de divindade eram fraudulentas.

Depois temos o famoso passeio que ele e Tolkien deram certa noite ao longo da Addison’s Walk, em Oxford. Falam de mitos e Tolkien levanta a questão convincente de que a história de Cristo é como todos os mitos que há muito que encantam ambos os académicos, com a excepção de uma coisa: os relatos do Evangelho são verdadeiros. Naquele momento ouvimos o sussurrar das folhas, que começam a cair:

“O vento sopra onde quer. Pode-se ouvi-lo, mas não se pode dizer de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com todos os que nascem do Espírito” (Jo. 3,8)

Lewis sente o Espírito a mover e nunca mais será o mesmo. Assim ficou conhecido como o “convertido mais desalentado e contrariado de toda a Inglaterra”. Mas a alegria não tardaria a chegar.

O filme não é uma autobiografia exaustiva, e alguns dos notáveis excessos da sua juventude, como quando andou medido com o oculto (“luxúria espiritual”, como ele lhe chamou), aparecem apenas na forma de alusões, mas isso é porque o objectivo de “The Most Reluctant Convert” é de mostrar – em menos de 90 minutos – a forma como Lewis chegou à fé e como as suas lutas internas sobre a verdade de Cristo ajudaram a definir aquilo que seriam os seus argumentos enquanto evangelizador, mais tarde.

“The Most Reluctant Convert” é, sem dúvida, o filme mais inteligente que verá em 2022, mas é também um filme muito belo, fruto da cinematografia de Sam Heasman, em muitos dos locais onde se desenrolou a vida verdadeira de Lewis: The Kilns, claro, mas também a Universidade de Oxford, e Oxfordshire e os seus pubs. “Saúde!”, diz “Jack” Lewis. Para todos nós.

Apesar de todo o charme verdejante do filme, este desenrola-se a uma velocidade alucinante e, quando acaba, recostamo-nos na cadeira, praticamente sem fôlego.

De certa forma, C.S. Lewis foi o Agostinho de Hipona dos nossos tempos, e caso tivesse tido uma reacção positiva aos argumentos de Tolkien para a primazia do Catolicismo (e que não constam do filme), por estes dias talvez o estivéssemos a venerar como santo. (Digo eu, que não sou postulador).

Tanto Lewis como Agostinho usaram, de forma enérgica, todas as armas lógicas que conseguiam contra o Cristianismo… até que cada um deles foi forçado, pela sua bondade e integridade essencial, a entregar-se de corpo, alma e intelecto, a Deus.


Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 24 de Maio de 2022 em The Catholic Thing)

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