Vamos lá então tentar perceber
o que se está a passar nas igrejas na Ucrânia.Metropolita Onofre
A Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo (vamos manter este termo, para simplificar), fez um Concílio
"surpresa" em que disse que não concorda com a posição do Patriarca
de Moscovo sobre a guerra, e que mudou os seus estatutos para reflectir a sua
independência e autonomia.
Isto é uma ruptura total com
Moscovo? Parece, mas nem tudo o que parece é. Pode não ser, de facto... Faltou
usar o termo autocefalia, o que não é por acaso.
Por outro lado, na sua
primeira celebração depois deste concílio, o metropolita dessa Igreja, Onofre,
deixou de comemorar apenas o Patriarca de Moscovo e passou a comemorar e
referir todos os líderes de Igrejas Ortodoxas autocéfalas. Ora, isso é algo reservado a líderes de igrejas autocéfalas, por isso parece que
na prática ele quer impor-se como tal. Já lá vamos…
Entretanto, nas outras
resoluções do Concílio a Igreja leal a Moscovo bateu na Igreja Ortodoxa da
Ucrânia autocéfala e no Patriarcado de Constantinopla, chegando a sugerir que a
acção desta última ao reconhecer a autocefalia da Igreja liderada pelo Metropolita Epifânio
é a razão da guerra. Interessantemente, na tal celebração Onofre não comemorou os
líderes das Igrejas que reconheceram explicitamente a autocefalia da Igreja
liderada por Epifânio, seguindo assim a linha de Moscovo.
Mas nas mesmas resoluções,
depois de bater forte e feio nessa Igreja e de dizer que ele nem é verdadeiramente
uma igreja, Onofre estende uma mão para diálogo.
O que é que ele pretende? Não
é claro, mas parece que está a tentar vencer em todos os tabuleiros. Quer agradar
aos ucranianos rompendo com Moscovo, mas quer manter-se líder de uma Igreja autocéfala
em território ucraniano, apesar de já lá existir uma, reconhecida por
Constantinopla. O problema para Onofre é que tudo indica que vai ficar isolado.
O Governo ucraniano já tem uma Igreja autocéfala com a qual colabora, não tem
qualquer interesse em promover outra, sobretudo uma manchada por ligação próxima
a Moscovo; os países ortodoxos que reconheceram a Igreja liderada por Epifânio certamente
não vão dar qualquer crédito a uma estrutura paralela e as que não reconheceram,
por lealdade a Moscovo, não têm por isso qualquer razão para reconhecer a de
Onofre como autocéfala.
E Moscovo? Moscovo claro que
não aceita. Aliás, a resposta de Moscovo, que convocou um Sínodo de emergência
para analisar a questão, é hilariante e pode ser resumida da seguinte forma.
1)
Não se passou nada na Ucrânia, a Igreja apenas reafirmou
o status quo, que é de independência subjugada a Moscovo.
2) Compreendemos que a Igreja Ortodoxa da Ucrânia
do Patriarcado de Moscovo tenha feito o que fez (que na verdade não foi nada…
ver o 1º ponto), porque está sobre enorme pressão de nazis, cismáticos e os media internacionais.
Têm por isso a nossa solidariedade e compreensão pelo que fizeram, que não foi
nada.
3)
As decisões que foram tomadas pela Igreja
Ortodoxa da Ucrânia, que já afirmámos serem apenas a reafirmação do status quo,
têm de ser analisadas por nós, apesar de não se ter passado nada.
4)
Ainda que, hipoteticamente, se tivesse passado
alguma coisa (que não se passou) é indiferente, porque quem decide o estatuto
da Igreja Ortodoxa da Ucrânia somos nós e agora temos mais que fazer, muito
obrigado.
É mais ou menos isso, como explico
em maior detalhe aqui.
Resumindo, a Igreja Ortodoxa
da Ucrânia do Patriarcado de Moscovo está a tentar desesperadamente manter-se à
tona de água. Moscovo vai fingindo que não, mas já perdeu toda a influência que
tinha na Ucrânia. Nessa perspectiva, esta guerra inventada por Putin e apoiada
por Cirilo, resultou na liquidação de um dos maiores instrumentos de influência
que a Rússia de facto tinha no país. Isso não vai voltar atrás.
E finalmente, a Igreja
autocéfala fica agora numa posição mais confortável para as negociações com a
Igreja de Onofre. Epifânio já disse, na homilia de ontem, que está disposto a sentar-se
à mesa com Onofre e os seus representantes, para tentar sanar as divisões, mas
só o disse depois de ter mandado uma série de “galhardetes” à Igreja ligada a
Moscovo.
Lendo e analisando tudo isto, há uma coisa que salta perfeitamente à vista. Falta muito Cristo aqui neste "cristianismo".
Quanto ao futuro, é ir vendo.
Muita coisa ainda irá acontecer.
Entretanto não se esqueçam que
todas estas declarações, e muitas outras, estão
agrupadas aqui.